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A Ritinha está muito desembaraçada. Corre a casa toda e mexe em tudo o que está ao seu alcance. Se alguma coisa lhe interessa, agarra-a e não a larga por nada deste mundo. Se lha queremos tirar bruscamente corremos mesmo o risco, em dias de pior disposição, de ser atacados à dentada (literalmente), qual cachorrinho zeloso do seu osso.
Até aqui, menos mal. Pior ou melhor, lá vamos lidando com a situação: ou tentamos fazer trocas com outros objectos do seu interesse, ou então desviamos-lhe a atenção por um momento, perguntando-lhe se quer ir à rua, por exemplo (e ela quer sempre!).
Só que por vezes acontece o pior. E o pior é quando a Rita surripia um objecto e nós a perdemos de vista por um instante. Resultado: não vemos onde ela vai esconder o osso.
Infelizmente, ela adora esconder as coisas de que gosta nos sítios mais mirabolantes, e nessas alturas o único remédio é mesmo empreender verdadeiras expedições exploratórias para tentar encontrar o local onde escondeu o tesouro. A maior parte das vezes sem sucesso, porque ela nunca se lembra de desenhar um mapa.
Onde está o Wally? Quem consegue descobrir a chucha da Rita entre Gormittis, carrinhos e figuras Star Wars?
Há umas noites, enquanto eu preparava o jantar, a Rita resolveu arrancar das mãos da Memi um frasquinho de colírio que ela na altura tinha que aplicar no olho direito, de 4 em 4 horas, por ter tratado cirurgicamente uma catarata. A Memi sabe que a Rita é um prodígio a fazer desaparecer coisas mas não foi capaz de lho tirar da mão e foi ficando (ou melhor, tentando ficar) de olho nela. Só que quando chegou a hora de deitar e de aplicar as gotas... cadê o frasquinho com que a Rita tinha andado a brincar? Nem vê-lo!
Mãe e filhos (o papá não estava em casa) percorreram a casa toda de gatas à procura do frasquinho, mas nada. Depois de quase uma hora (sim, papá, nesse dia os miúdos não foram para a cama às 9h30m porque queriam ajudar a mamã), lembrei-me que por volta da hora do jantar tinha estado cá em casa o sr. Marques (o nosso salvador das avarias no lar) a arranjar o lavatório da casa-de-banho dos miúdos. E a Rita, como não podia deixar de ser, tinha ido bisbilhotar o que ele andava a fazer. Quando fui à casa de banho, eis que encontro caída num canto a embalagem das compressas com que a Memi limpa o olho depois de aplicar as gotas.
Encontrada a primeira pista, resolvi o mistério com um simples telefonema. Sim, tinha mesmo sido o mordomo.
- Boa noite, sr. Marques. Importa-se de ver na sua mala de ferramentas se encontra um frasquinho de colírio?
- Sim, sim, está cá. Precisa dele? É que eu já estou em casa [Nota: a casa do sr. Marques é em Algés e a nossa é no Areeiro].
- Não, não [mentirinha bem intencionada]. Muito obrigada, sr. Marques. Era só para saber.
Mas claro que não era só para saber - nós precisávamos mesmo das gotas. E lá fui eu a caminho da farmácia de serviço com a autora do crime ao colo, já que por causa de outro dos seus crimes (partiu-me o otoscópio na véspera), tinha de qualquer maneira que a levar a casa de uma amiga médica para lhe espreitar para o ouvido.
Não foi uma experiência particularmente agradável esperar 30 minutos na rua com uma bebé ao colo até ser atendida (tinha nove pessoas à minha frente e o farmacêutico fazia três viagens até à porta para despachar cada cliente, por isso a coisa foi demorada). Além disso, neste país já não há cavalheiros e nem me atrevi a exercer a prioridade a que tinha direito, dada a encalorada conversa sobre naifadas e snifadelas dos senhores que me precediam.
No final da noite, não sei se a Rita tinha aprendido alguma lição. Mas eu e a Memi aprendemos com certeza: tudo o que tem o mínimo de valor tem mesmo de ficar bem longe das suas mãozinhas de carteirista.