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Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho #2

por João Miguel Tavares, em 01.11.13

Deixem-me voltar ao tema da Bárbara Guimarães do Manuel Maria Carrilho, porque ele me interessa triplamente: como jornalista, como pai e marido, e como simples cidadão. Nos comentários ao post anterior, a leitora que assina como Infinitiva (01.11.2013 às 00:42) colocou a questão de uma forma com a qual concordo em absoluto:

 

Vamos a ver: se apresentaram uma queixa por violência doméstica, essa vai ser investigada e a justiça determinará se é justificada ou não. A violência doméstica é um CRIME, e denunciá-la a quem de direito não é nem pode ser considerada "tornar a coisa pública" [NR: um leitor anterior criticava Bárbara Guimarães por ter sido a primeira a falar nisso]. Aliás, é um crime público - "o que significa que o procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, bastando uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo."

 

Sugerir que uma vítima de violência doméstica devia "esconder" a situação, não a "denunciando", para "defender os filhos" é contribuir para que o problema da violência doméstica não seja resolvido, é contribuir para a perpetuação da vergonha, do estigma, do preconceito.

 

Este caso levanta questões muito complexas, e ainda ontem escrevi um texto no jornal Público (o link fica aqui, mas o espaço de opinião é fechado, por isso é preciso pagar para ler) criticando a opção por não noticiar o caso. A direcção do jornal entende que uma queixa à polícia não é suficiente para justificar aquilo que é, manifestamente, uma violenta invasão da vida privada do casal. É um bom argumento, e um argumento respeitável (com o qual, aliás, concordaram a maior parte dos leitores que me escreveram, discordando de mim e concordando com a opção do jornal), só que este é um daqueles casos em que não há boas soluções. E não havendo boas soluções, e sendo uma questão que foi publicamente comentada por duas pessoas maiores de idade, acho que é dever dos media noticiá-la.

 

Se volto ao assunto é por vários leitores deste blogue identificarem as notícias acerca do tema - e por extensão o seu debate na esfera pública - como um "descer muito baixo", ou então reagirem com o clássico "mas o país não tem nada melhor para discutir?". Bom, suponho que haja sempre melhores coisas para discutir, mas o meu ponto é que esta é uma discussão muito importante.

 

O meu argumento é este: a entrada de uma queixa na polícia sobre violência doméstica dizendo respeito a uma figura pública e a um ex-político é notícia, da mesma forma que seria notícia se alguém apresentasse uma queixa na PJ contra Manuel Maria Carrilho por corrupção. Ambos são crimes públicos. O que há a fazer, nesse caso, é ouvir a outra parte, para que ela se possa defender.

 

No caso em apreço, surgiu um problema concreto: a outra parte (Manuel Maria Carrilho) respondeu de forma completamente descabelada à acusação, invadindo a esfera mais íntima de Bárbara Guimarães. O que fazer neste caso? A meu ver, noticiar. Não se pode ignorar as palavras de uma das partes, ainda que os media possam indirectamente servir de meio para efectuar uma vingança e tal possa vir a penalizar - como penalizou - Bárbara Guimarães, que se efectivamente tiver razão na sua queixa de violência doméstica é, assim, duplamente agredida.

 

É uma boa opção? Não é que seja uma boa opção. Mas é, na minha opinião, a melhor das más opções. É que não me parece haver forma de a opção pelo silêncio não ser encarada como uma defesa do "isso é lá com eles", ou do "isto é demasiado sujo para nós metermos as mãos". A meu ver, a questão da violência doméstica nunca deve ser encarada como "isso é um problema deles, eles que resolvam em família ou na pacatez da esquadra da polícia". Esta posição tem como consequência dar força ao algoz e enfraquecer a vítima.

 

Pode esta ser uma falsa acusação de Bárbara Guimarães? Pode, claro. Mas teoricamente tudo pode ser uma falsa acusação. Quantas notícias não deram em nada? Quantas acusações de corrupção morreram nos tribunais? Para aí 99%? E é por isso que os media não as noticiam? Não, os media continuam a noticiar, a correrem o risco de serem injustos, porque é esse o seu trabalho. Enquanto jornalistas temos a obrigação de ser o mais responsáveis possíveis, com certeza, daí a regra de se ouvir sempre as duas partes, de se estar na posse, sempre que possível, de informação fundamentada, mas obviamente que os media não se substituem aos tribunais na atribuição de culpas.

 

A mediatização é um processo muito complexo, porque não é nunca possível controlar todos os seus efeitos. Mas também não é, de todo, óbvio, que Bárbara Guimarães, Manuel Maria Carrilho e respectivos filhos estejam todos eles pior hoje do que estavam há 15 dias, quando nada disto se sabia. E se nós vivemos num país onde a violência doméstica é um problema gigantesco, acho desadequado virarmos a cara para o lado quando a sordidez de um caso específico nos atinge directamente na cara.

 

Sim, não há quaisquer dúvidas que o caso é sórdido de mais. Mas qual é a melhor opção? Indignarmo-nos com as abstracções dos números e das estatísticas da violência doméstica (meu Deus, tantas agressões!) e fecharmos os olhos a um caso concreto quando ele nos entra pela casa dentro?

 

Eu sei que isto acaba invariavelmente no voyeurismo, nos abusos dos tablóides, nas perguntas à frente dos filhos sobre as alegadas tentativas de violação da mãe. Mas o caminho alternativo não é, nem pode ser, a não-notícia ou o não-comentário. É a investigação, é a reportagem, é o debate, é o cruzamento de opiniões, é a tentativa de saber mais, na medida em que estamos a falar de uma questão importantíssima e de um problema que, emanando da esfera privada, é da sociedade como um todo. E um problema que a sociedade deve ter a coragem de enfrentar, analisar, ponderar e combater. Mas nunca silenciar.

 

publicado às 11:17


1 comentário

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De guardemassementes a 01.11.2013 às 15:51

ok, ok, tudo bem...
mas,
será que o João Tavares insistiria nisto se ele fosse um politico da sua amada direita !
Já agora, fiquei ainda mais admirado que um Prof Catedrático de Filosofia casasse com a apresentadora, do que ter terminado mal...
Eu lembro-me dum programa inteletual de entrevistas que ela fazia !!! Sendo asim, em casa falavam de quê ? Só trepavam ? mas isso farta ó se farta !!!

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