Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Cada um dos meus filhos tem as suas qualidades e os seus defeitos, e ao Tomás coube um coração do tamanho do mundo. É curioso como essa extraordinária qualidade nos angustia tanto (a mim e à Teresa), porque por causa dela o achamos sempre menos preparado do que os outros filhos para enfrentar as agruras da vida. O nosso esforço em relação à Carolina é tentar convencê-la a pensar mais nos outros e menos em si própria. O nosso esforço em relação ao Tomás é tentar convencê-lo a pensar mais em si próprio e menos no que os outros dizem ou pensam dele.
Claro que as crianças mudam muito, claro que a adolescência os pode virar do avesso, mas eu olho para os nove anos da Carolina e acho que tenho ali uma filha preparada para a vida, no sentido em que ninguém vai andar a passar por cima dela sem que ela se queixe (e muito). Já quando olho para os sete anos do Tomás, tenho medo por antecipação de todas as pessoas que lhe hão-de partir o coração.
É como se a bondade que adoramos ver nos outros ganhasse nos nossos filhos uma pequena sombra negra, relacionada com o facto de o ser bom ser uma forma de entrega que nos deixa, muitas vezes, sem defesas. Adoro que ele seja tão bom. Tenho medo por ele ser tão bom.
Ontem, eu não me estava a sentir nada bem. Alguém me terá transmitido um bicho qualquer que me deixou abananado e mal disposto. Quando os miúdos chegaram a casa, expliquei isso a todos, pedindo para se portarem bem no banho, ao jantar e ao deitar, porque o papá estava cansado e com pouca paciência.
A Carolina e o Gui disseram que sim com a cabeça e portaram-se exactamente como se costumam portar. O Tomás, pouco depois, chegou ao pé de mim com esta folha de papel:
A família, sempre a família. E hoje de manhã, a primeira coisa que me disse ao acordar, foi: "Papá, estás melhor?"
Foi tão bonito aquele "papá, estás melhor?", que certamente o acompanhou durante toda a noite, para ainda estar fresco na sua cabeça ao acordar.
Nenhum dos outros me perguntou tal coisa, nem é suposto perguntarem: os pais são aqueles super-homens que levantam garrafões de água de cinco litros só com uma mão, os põem às cavalitas, e estão sempre disponíveis, em todas as ocasiões. Mas o Tomás é diferente. Preocupa-se com a fragilidade dos outros, é capaz de arrumar ele próprio o quarto de brincar sozinho se vir que eu estou à beira de castigar o Gui por ele ser tão desarrumado, sacrifica-se com a maior das facilidades para que os outros possam ser felizes. É um miúdo extraordinário.
O Tomás é um dos meus maiores orgulhos.
O Tomás é uma das minhas maiores preocupações.