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Os meus três filhos mais velhos estão a atravessar aquela fase complicada em que passam o dia a implicar uns com os outros, até porque ainda não sabem estar uns sem os outros. É isso que mais me anda a fascinar em termos antropológicos: eles deslocam-se em manada pela casa - se um está na biblioteca, mais tarde ou mais cedo os três acabam na biblioteca; se um vai para o quarto de brincar ver um filme, mais tarde ou mais cedo os três acabam a ver um filme.
Mas como é próprio das manadas, de vez em quando os machos alfa (e, neste caso, a super-fêmea alfa) começam à bulha - sendo que este "de vez em quando" é cada vez mais "vez" e cada vez menos "quando". Ou seja: é a toda a hora.
Sim, eu sei que há alguma coisa de muito bonito nesta fase de "não posso estar contigo nem posso estar sem ti", e sim, eu sei que um dia vou ter muitas saudades de fotografias como esta.
Mas enquanto a nostalgia não bate, as saudades do futuro não chegam para compensar a gestão diária dos pequenos conflitos fraterno-fratricidas, que podem tornar-se extremamente cansativos. O meu nível de gritaria caseira tem aumentado bastante nos últimos tempos, e a única coisa que me consola é a esperança de que as implicações de hoje sejam as solidariedades de amanhã.
O Gui, por exemplo, anda numa fase parva-parva-parva que me tira do sério mais vezes do que um relógio de cuco sai da gaiola, e a Carolina está com uma tendência para ser mazinha digna de Cruella De Vil (mas sem a parte de querer fazer mal a cães, estejam descansados). Ontem, ela recebeu da avó uma Nerf especial menina,
[para quem não sabe o que é "uma Nerf especial menina", é isto:]
e claro, os miúdos adoram andar aos tiros com aquilo pela casa (o pai também não desgosta, há que admitir - na verdade, estas novas pistolas de brincar são o sonho nunca concretizado da minha infância).
Até que a certa altura, após várias emboscadas e retiradas a grande velocidade pelo corredor, o Gui chega ao pé de mim a chorar e a apontar para a cabeça, mas com aquele género de choro que não chega a assustar progenitores, já que significa "estou a manipular-te psicologicamente para que tu castigues alguém que tem mais força do que eu", e não "chiça, isto está a doer-me como o caraças".
Ainda assim, percebi logo que a Carolina tinha feito asneira - o que em linguagem técnica de polícia se chama "uso de força desproporcionada" -, e depois de reunir as tropas comecei a falar com os dois.
- O que é que se passou, Gui?
- A Carolina deu-me um tiro na testa! [Choradeira]
- Tu deste-lhe um tiro na testa, Carolina?
- Não foi na testa, foi no peito.
- Foi na testa, sim senhora! [Mais choradeira]
- Foi no peito!
- Foi na testa!
- Onde é que foi o raio do tiro, então?
- Foi na testa!
- Foi no peito!
- Olha, Gui, és tu quem vai decidir, porque tu é que és a vítima do crime. Se o tiro foi no peito, não há castigo para ninguém, porque faz parte da brincadeira e tu também estavas a brincar. Se a Carolina disparou contra a tua testa de propósito, ela vai ficar fechada no quarto até à noite, e só sai para jantar. Onde é que foi o tiro, então?
E aí, embora seja mais do que certo ele ter mesmo levado com o cilindro de borracha na tola (aquilo não dói, caras leitoras mais sensíveis, não se preocupem, convém apenas proteger os olhos, por isso as pistolas vêm com óculos), a mãozinha do Gui dirigiu-se lentamente até ao peito e apontou para as costelas.
A Carolina safou-se do castigo. Eu fiquei contente por o Gui ter protegido a irmã. E daí a cinco minutos já estava outra vez aos gritos com eles.
É tão divertida a minha vida familiar.