Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]





A fase pica-miolos (seguido de um tiro na testa)

por João Miguel Tavares, em 04.12.13

Os meus três filhos mais velhos estão a atravessar aquela fase complicada em que passam o dia a implicar uns com os outros, até porque ainda não sabem estar uns sem os outros. É isso que mais me anda a fascinar em termos antropológicos: eles deslocam-se em manada pela casa - se um está na biblioteca, mais tarde ou mais cedo os três acabam na biblioteca; se um vai para o quarto de brincar ver um filme, mais tarde ou mais cedo os três acabam a ver um filme.

 

Mas como é próprio das manadas, de vez em quando os machos alfa (e, neste caso, a super-fêmea alfa) começam à bulha - sendo que este "de vez em quando" é cada vez mais "vez" e cada vez menos "quando". Ou seja: é a toda a hora.

 

Sim, eu sei que há alguma coisa de muito bonito nesta fase de "não posso estar contigo nem posso estar sem ti", e sim, eu sei que um dia vou ter muitas saudades de fotografias como esta. 

 

 

Mas enquanto a nostalgia não bate, as saudades do futuro não chegam para compensar a gestão diária dos pequenos conflitos fraterno-fratricidas, que podem tornar-se extremamente cansativos. O meu nível de gritaria caseira tem aumentado bastante nos últimos tempos, e a única coisa que me consola é a esperança de que as implicações de hoje sejam as solidariedades de amanhã.

 

O Gui, por exemplo, anda numa fase parva-parva-parva que me tira do sério mais vezes do que um relógio de cuco sai da gaiola, e a Carolina está com uma tendência para ser mazinha digna de Cruella De Vil (mas sem a parte de querer fazer mal a cães, estejam descansados). Ontem, ela recebeu da avó uma Nerf especial menina,

 

[para quem não sabe o que é "uma Nerf especial menina", é isto:]

e claro, os miúdos adoram andar aos tiros com aquilo pela casa (o pai também não desgosta, há que admitir - na verdade, estas novas pistolas de brincar são o sonho nunca concretizado da minha infância).

 

Até que a certa altura, após várias emboscadas e retiradas a grande velocidade pelo corredor, o Gui chega ao pé de mim a chorar e a apontar para a cabeça, mas com aquele género de choro que não chega a assustar progenitores, já que significa "estou a manipular-te psicologicamente para que tu castigues alguém que tem mais força do que eu", e não "chiça, isto está a doer-me como o caraças".

 

Ainda assim, percebi logo que a Carolina tinha feito asneira - o que em linguagem técnica de polícia se chama "uso de força desproporcionada" -, e depois de reunir as tropas comecei a falar com os dois.

 

- O que é que se passou, Gui?

- A Carolina deu-me um tiro na testa! [Choradeira]

- Tu deste-lhe um tiro na testa, Carolina?

- Não foi na testa, foi no peito.

- Foi na testa, sim senhora! [Mais choradeira]

- Foi no peito!

- Foi na testa!

- Onde é que foi o raio do tiro, então?

- Foi na testa!

- Foi no peito!

- Olha, Gui, és tu quem vai decidir, porque tu é que és a vítima do crime. Se o tiro foi no peito, não há castigo para ninguém, porque faz parte da brincadeira e tu também estavas a brincar. Se a Carolina disparou contra a tua testa de propósito, ela vai ficar fechada no quarto até à noite, e só sai para jantar. Onde é que foi o tiro, então?

 

E aí, embora seja mais do que certo ele ter mesmo levado com o cilindro de borracha na tola (aquilo não dói, caras leitoras mais sensíveis, não se preocupem, convém apenas proteger os olhos, por isso as pistolas vêm com óculos), a mãozinha do Gui dirigiu-se lentamente até ao peito e apontou para as costelas.

 

A Carolina safou-se do castigo. Eu fiquei contente por o Gui ter protegido a irmã. E daí a cinco minutos já estava outra vez aos gritos com eles.

 

É tão divertida a minha vida familiar.

publicado às 09:31


3 comentários

Sem imagem de perfil

De Maria C. a 04.12.2013 às 12:15

Não é para desanimar... Mas essa fase das "implicações parvas" cá em casa ainda dura: o mais velho tem 18 e a mais nova 14!
No fim de semana, em conversa com uma amiga sobre a falta que sinto durante a semana das ditas "implicações parvas" (e a consequente gritaria da minha parte) porque o mais velho foi para a universidade (em Lisboa e nós estamos em Aveiro), respondia-me ela que, de facto, quando eles não estão juntos e não há implicâncias nem gritarias, fica um vazio angustiante - e, no caso dela, a mais velha tem 24 e o mais novo 19...
Podem pois pôr as barbas de molho que muita implicância está ainda por vir :)
PS - ainda bem!
Imagem de perfil

De João Miguel Tavares a 04.12.2013 às 14:33

Chiça, Maria. Não me assuste. 14 e 18 e ainda a embirrar? Oh my God...
Sem imagem de perfil

De Maria Silva a 04.12.2013 às 14:59

Somos 3 irmãos (eu e dois irmãos homens) todos na casa dos 40 anos, com uma diferença de apenas 5 anos entre os 3, e sendo eu a irmã mais velha. Quando nos encontramos para o jantar de sábado à noite, o passatempo preferido deles é "implicarem" com tudo o que digo, faço, etc.
Portanto prepare-se..., a "implicância" acho que é para o resto da vida, dizem que é saudável, que aprendemos a gerir os conflitos.......

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D