Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]





A Sporting TV e as gajas boas

por João Miguel Tavares, em 30.06.14

Para os interessados em cartazes sexistas e na forma como homens e mulheres continuam a ser olhados em Portugal, aqui no blogue do lado escrevi sobre esta imagem:

 

publicado às 10:42


O que é que podemos mostrar dos nossos filhos?

por João Miguel Tavares, em 30.06.14

Se não viram esta notícia no jornal Público, não percam, porque ela levanta questões muito interessantes sobre a gestão da imagem das crianças na sociedade contemporânea.

 

Em tempos já escrevi sobre isso aqui, embora num sentido contrário, a propósito das produções fotográficas muito atrevidas da jovem Thylane Lena-Rose Blondeau. Ou seja, é comos se a hiper-sexualização das crianças pudesse simultaneamente conduzir ao seu aproveitamento ilegítimo (como no caso da Thylane) e a uma vigilância exacerbada (como no caso em apreço, da pequena Marlow Adamo), que pode, em última análise, levar ao desaparecimento progressivo da criança do espaço público, segregada por família obcecadas com o fantasma da pedofilia.

 

Cito brevemente a notícia do Público para que se saiba do que estou a falar:

 

A fotografia de uma criança de 19 meses a levantar o vestido e a mostrar o seu umbigo levou a que a conta no Instagram da mãe fosse retirada. O site de partilha de fotografias considerou que a imagem publicada por Courtney Adamo era “inapropriada”. (...)

 

“Pensei que era uma fotografia adorável de minha bebé e da sua linda e redonda barriga”, conta a mulher no seu blogue, onde manifestou a sua indignação pelo que aconteceu. “A não ser que a barriga de um bebé seja considerada ‘nudez’ e certamente não é! Ela é um bebé”, escreveu.

A regra sobre nudez do Instagram determina que “não se pode publicar fotografias violentas, de nudez, nudez parcial, discriminatórias, ilegais, pornográficas ou sexualmente sugestivas ou outros conteúdos”.

 

A foto em causa é esta: 

 

  

O Instagram acabou por reconhecer o erro e repor a conta da mãe da menina, mas tanto a proibição com a exibição são duas faces da mesma moda - a tal hipersexualização das crianças, que no caso em questão parece querer sugerir que uma imagem de uma bebé a mostrar a barriga (assinale-se que a minha Ritinha faz isso o tempo todo) pode ter uma qualquer conotação sexual, ou ser considerada perigosamente sugestiva.

 

É daquelas casos em que o requinte da proibição se torna preocupante. Tal como o velho padre que no escuro do confessionário exigia uma descrição detalhada dos pecados sexuais, também este rigor absurdo do Instagram nos leva a aquestionar acerca daquilo que vai na cabeça pervertida do censor.

 

publicado às 10:12


Este blogue está a ficar uma chatice

por João Miguel Tavares, em 30.06.14

A Maria João Resende já não me consegue aturar:

 

E se fossemos para o sofá falar sobre um filme? Ou ver fotos parvas de pessoas com ar incrível? Ou contar as novidades do Gui, da Ritinha, ou as novas conquistas da Carolina e do Tomás? E se fôssemos comentar profundamente um tema inesperado, e encontrar nuances curiosas em coisas de todos os dias? 


Eu sei que já passei do prazo de me preocupar com filhos, e ainda não estou numa de netos, e que será talvez por isso que já não aguente mais estas conversas sobre bater, e não bater, e o diabo a PD4. Eu sei, também, que acompanhar os interesses dos seus leitores será uma das suas prioridades, e que o número avassalador de comentários que estes temas merecem parece indicar que o principal interesse das pessoas está aí.


Mas será que o que quer para o seu blog é ser um agregador de comentários sobre os GRANDES TEMAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL? Só???
São as "audiências" a mandar? E não irão as "audiências" matar o que me parecia ser a essência deste blog?

 

Não sei! Só sei que tenho saudades da vossa família, das vossas histórias, e da forma como, sem nos chapar na cara o "hoje vamos falar sobre A, B ou C", éramos convidados a pensar em coisas sérias, muitas vezes de forma bem ligeirinha. Apetece-me atirar-me para o chão e, correndo o risco de apanhar uma valente palmada que a minha mãe não hesitaria dar-me, gritar bem alto: 'QUERO O MEU BLOG FAVORITO DE VOLTA!'

 

A Carolina também quer o mesmo:

 

Antes não passava um dia sem vir cá, agora sou capaz de só vir uma vez por semana. Tenho saudades dos tempos iniciais do blog e estou um bocadinho farta de tantas discussões sobre assuntos polémicos. Quero saber sobre os "pais e os quatro" não sobre apenas e só as "discussões sobre como educar os quatro.

 

Três comentários rápidos a propósito disto:

 

1. Acho que muita gente está sobretudo com saudades da Teresa. Eu também estou. A sua ausência prolongada deste blogue tem como consequência diminuir muito a variedade dos temas, até porque boa parte do que eu escrevia também era inspirado nos seus textos. Se quiserem fazer um abaixo-assinado para ela regressar ao blogue, eu subscrevo. A última vez que a Teresa escreveu aqui foi a 6 de Junho. Passaram 24 dias. Invariavelmente, sem ela, eu tendo a ficar mais chato e meditativo.

 

2. As audiências não são nenhuma preocupação especial. No PD4 (isto está a pegar, Conceição M.) escrevo sobre aquilo que me apetece. Por uma razão simples: embora este blogue tenha exploração comercial, e eu sempre tenha querido que fosse assim, os rendimentos que daqui retiro não são significativos ao ponto de justificar preocupar-me demasiado com isso, ou sequer ter uma estratégia de marketing encapotada. Por aqui, e até ver, as audiências mandam muito pouco.

 

3. Mas se as audiências mandam pouco, a comunidade de leitores manda muito. Como me parece ser bastante visível, eu sempre privilegiei o diálogo com os leitores deste blogue. Nesse sentido, sou naturalmente sensível aos temas que mais interessam às pessoas, como é o caso da palmada. Para mim, o PD4 é uma espaço de partilha de experiências, e uma das partes mais recompensadoras do blogue é aquilo que eu aprendo com as partilhas de dezenas de outras pessoas. Nem pensar em abdicar disso. Se eu escrevo tanto aqui é também para poder vir a ser melhor pai. E bem preciso, como a Maria certamente concordará.

 

 

publicado às 09:07


E se ter filhos não for assim tão giro? #7

por João Miguel Tavares, em 29.06.14

Partes IIIIIIIVV e VI. Hoje, a última parte.

 

PARTE VII

 

Significa isto que não há esperança? Tem de haver esperança – ninguém aprecia finais infelizes, nem em filmes, nem em artigos de jornal. Deixem-me então convocar, em meu auxílio, Jennifer Senior, que transformou brilhantemente em livro uma intuição muito simples: andamos há tanto tempo obcecados com o impacto que os pais têm nas crianças, mas esquecemo-nos de analisar decentemente o impacto que as crianças têm nos pais. E então ela foi analisar. O resultado chama-se All Joy and No Fun: The Paradox of Modern Parenthood. O livro tem tido críticas entusiásticas e um imenso sucesso nos Estados Unidos. É inteiramente merecido.

 

 

Jennifer Senior faz no seu livro o que eu tentei modestamente fazer neste artigo: não deixa pedra por levantar na descrição do impacto devastador que as crianças têm nos pais contemporâneos. Ela cita um estudo levado a cabo em 2004, no Texas, por cinco investigadores (incluindo o prémio Nobel Daniel Kahneman, autor do popular Pensar, Depressa e Devagar), que entrevistaram 909 mulheres perguntando-lhes quais eram as actividades que lhes davam maior prazer. Num total de 19 actividades, tomar conta das crianças ficou em 16º. Atrás de ver televisão. De cozinhar. Ou de limpar a casa.

 

A grande questão, que ouço ser colocada do outro lado do papel desde o início do meu texto, é esta: então por que raio é que se tem filhos? E, no meu atípico caso, logo quatro de uma vez (segundo o INE, só 2% das famílias portugueses são constituídas por seis membros ou mais). Senior responde a esta contradição com uma belíssima citação de Os Quatro Amores, de C.S. Lewis (a tradução é minha):

 

Nós alimentamos as crianças para que em breve elas sejam capazes de se alimentar sozinhas; nós ensinamo-las para que em breve não necessitem dos nossos ensinamentos. Uma grande exigência é colocada sobre o Amor-Dádiva [“Gift-Love”, no original, segundo Lewis o tipo de amor característico da relação pai-filho]. Ele tem de trabalhar no sentido da sua própria abdicação.

 

É uma extraordinária definição daquilo a que eu chamei, sem a sensibilidade nem a sapiência de C.S. Lewis, de síndroma de Estocolmo: estamos apaixonados pelos nossos raptores, mas queremos continuar a ser raptados por eles, e não imaginamos o que seria a nossa vida sem esse permanente rapto. Porque, curiosamente, quando os pais são questionados, não sobre o seu presente afobado, mas sobre quais as suas experiências passadas que foram para eles mais recompensadoras, os filhos estão invariavelmente presentes.

 

Isso tem a ver com uma diferença fundamental na percepção humana que o já citado Daniel Kahneman, em Pensar, Depressa e Devagar (o livro está traduzido em português pela Temas e Debates/ Círculo dos Leitores), classifica como experiencing self (o “eu da experiência”) e remembering self (o “eu da memória”). Num resumo apressado, a sua tese é esta: existe uma distância substancial entre o modo como experienciamos algo e o modo como nos recordamos posteriormente dessa experiência.

 

 

Quem tem filhos sabe isto de cor. O que foi uma pequena tragédia no presente (uma refeição em que tudo corre mal, por exemplo) transforma-se meses depois num momento humorístico ao ser recordado em família. É como nas fotografias: a memória ajuda-nos a sorrir e a mostrar os dentes, ainda que no momento em que a máquina fez clique toda a gente pudesse estar farta uma da outra e a portar-se mal.

 

Com frequência, nós não suportamos o nosso presente como pais, mas sabemos que iremos ter saudades dele no futuro. Posso garantir que já foram centenas as pessoas que, diante dos meus recorrentes protestos paternos (eles são mesmo muito recorrentes), me disseram: “Você ainda vai ter saudades disto.” Eu respondo sempre, muito convicto: “Ai não vou, não.” Mas vou, claro. Está escrito em todos os livros.

 

Ser pai, portanto, é insuportável e cada vez mais difícil, enquanto ser solteiro é cada vez mais comum e divertido. Mas como Émile Durkheim, pai da Sociologia, descobriu no distante ano de 1897 ao escrever O Suicídio, as pessoas casadas matam-se menos do que as pessoas solteiras, as pessoas viúvas matam-se mais do que as pessoas casadas mas menos do que as solteiras, e as pessoas com filhos matam-se menos do que todas as outras. Quando um casal tem filhos, diz Durkheim, o “coeficiente de preservação” praticamente duplica. Segundo ele, existe uma relação muito forte entre a formação da família e a preservação da vida.

 

 

Muita da angústia moderna terá a ver, a par de todas as mudanças sociológicas, com o facto de o conceito de “prazer” ter ganho demasiado território ao conceito de “dever”. Mas o conceito de “dever”, como prova Durkheim, está lá, bem enfiado no nosso património genético, e merece ser recuperado, a bem da nossa sanidade mental. Se nós pararmos de acreditar que ter filhos é suposto ser uma coisa divertida, e passarmos a aceitar antes que é uma coisa que deve ser feita, e que nos devolverá no futuro, com juros, aquilo que nos tira no presente, talvez o próprio presente se torne mais fácil de suportar.

 

Em resumo, e avançando para o tal final que se quer feliz: ser pai em 2014 é muito difícil, por vezes desesperamos, e sem dúvida merecemos mais atenção do que aquela que nos tem sido dada. Olhar mais dedicadamente para as angústias da paternidade, exterminar de vez o discurso cor-de-rosa dos bebés cutchi-cutchi, seria uma actividade muito útil e, a bem da propagação da espécie, extremamente proveitosa. Ainda assim, a paixão pelos filhos não diminuiu. Pelo contrário: nunca antes pensámos tanto neles, nunca tivemos tantos problemas de consciência por não estarmos com eles e nunca a nossa vida nos pareceu tão deslocada sem eles. Todos temos consciência disso, a cada minuto do dia. Incluindo naqueles momentos – tão frequentes – em que os nossos filhos nos parecem apenas uns caras de cu.

 

FIM

 

publicado às 10:33


E se ter filhos não for assim tão giro? #6

por João Miguel Tavares, em 28.06.14

Partes IIIIIIIV e V. Hoje, a parte VI.

 

PARTE VI

 

Aquilo que se pode ler acerca das motivações do estudo The New Dad é música para os ouvidos de um pai cansado e farto de protestar por atenção:

 

Assim como tem sido importante avaliar os desafios enfrentados pelas mães trabalhadoras, é importante avaliar os desafios com que os pais trabalhadores se confrontam e reflectir nas mudanças significativas em termos de atitudes e expectativas que têm ocorrido. A nossa pesquisa mostra que o novo pai contradiz os velhos estereótipos do pai workaholic e ausente, somente focado na sua carreira, cujo contributo para a família se limita ao de ganha-pão e cujo sucesso é definido exclusivamente pelas promoções no trabalho. Enquanto os programas de televisão e os media continuam em insistir em catalogar os pais como ineptos e desajeitados cuidadores, desligados das preocupações do dia-a-dia das suas famílias, o nosso trabalho sugere algo completamente diferente.

 

 

Aleluia, aleluia. E o que esse trabalho sugere mostra bem o desafio colossal da paternidade contemporânea. Mais de 70% dos cerca de dois mil pais inquiridos considera ser seu dever “simultaneamente cuidar dos filhos e ganhar dinheiro para os sustentar”. E quando questionados sobre quais são as características de um bom pai, aquelas que aparecem destacadas são estas: “providenciar amor e suporte emocional” e “estar presente e envolvido na vida dos seus filhos”.

 

 

Parece óptimo, correcto? Correcto. O problema está em como compatibilizar este sentimento século XXI com a manutenção das mesmas ambições profissionais de 1980. E é aí que o homo familiaris de 2014 frequentemente soçobra. O estudo chama a esta atitude “myth of having it all” – o desejo de os novos pais terem tudo ou, à boa maneira portuguesa, quererem ficar com o bolo e comê-lo. Os pais desejam estar mais tempo em casa e 86% concordam com a afirmação “Os meus filhos são a grande prioridade da minha vida”, só que 76% ambicionam ao mesmo tempo subir na hierarquia da sua empresa. Como compatibilizar uma coisa com a outra? Não é fácil.

 

É tão difícil, aliás, que a consequência disso é existir, em simultâneo, uma enorme disparidade entre o tempo que os pais gostariam de dedicar à família e o tempo que efectivamente dedicam. São pais em permanente falha: quando estão em casa sentem que deveriam estar a dedicar mais tempo ao trabalho, e quando estão no trabalho sentem que deveriam estar mais tempo em casa. (Isto para não falar no tempo em que desejam apenas estar sozinhos.)

 

Este sentimento não é exclusivo dos homens, obviamente – mas, ao contrário do que acontecia há 30 anos, é hoje em dia muito mais acentuado nos homens do que nas mulheres. A percentagem de progenitores que assume sentir um intenso conflito entre vida e trabalho é actualmente de 60% para os pais e de 45% para as mães. Em 1977, somente 35% dos pais assumiam esse conflito, contra 40% das mães. Ambas as percentagens subiram. Mas a dos pais subiu muitíssimo mais. A nossa consciência está a dar cabo de nós. Não espanta, por isso, que um dos estudos no âmbito do programa “The New Dad” tenha como subtítulo Caring, Committed and ConflictedCuidador, Comprometido e em Conflito. Os três C que resumem na perfeição o imbróglio em que os novos pais estão enfiados.

 

Falo por mim. Os famosos versos de António Variações – “Estou bem/ Aonde eu não estou/ Porque eu só quero ir/ Aonde eu não vou” – são o hino da minha vida. E a isso acrescento esta queixa: enquanto a vida da mãe é frequentemente um inferno, mas toda a gente sabe, a vida do pai é um inferno idêntico, mas parece que ninguém liga. Nós, homens, continuamos a levar com o preconceito generalizado de não fazermos nenhum em casa – o que poderia ser absolutamente verdade há 30 ou 40 anos, mas é absolutamente falso em 2014.

 

 

Começam a perceber porque é que precisamos tanto das piadas de Louis C.K. (e porque é que Louis C.K. precisa tanto de fazer aquelas piadas)? É simples: porque precisamos de alguém que nos compreenda. Precisamos de nos rir das frustrações constantes do dia-a-dia. Precisamos – lá está – desabafar. Não é que não adoremos os nossos filhos. Claro que adoramos os nossos filhos. Toda a gente adora os filhos. Só que frequentemente sentimos que é uma coisa tipo síndroma de Estocolmo: estamos apaixonados pelos nossos raptores. 


(Parte VI de VII. Conclui amanhã.)

 

publicado às 22:19


E se ter filhos não for assim tão giro? #5

por João Miguel Tavares, em 27.06.14

Partes IIIIII e IV. Hoje, a parte V.

 

PARTE V

 

Sim, a vida dos pais. A nossa vida. Nós. Homens. Gajos. Os tipos que se riem com as piadas do Louis C.K. e o Go the Fuck to Sleep de Adam Mansbach. Por que raio é que tão pouca gente pensa nas nossas naturalíssimas crises existenciais perante a total reconfiguração da lógica familiar contemporânea? Porque é que tanta gente tem dificuldade em perceber que nós partilhamos as mesmas angústias das mães (ou pior: outras angústias, menos estudadas, já que a academia e o jornalismo lhes liga pouco), e que da mesma forma que o mundo das mulheres mudou radicalmente quando elas saíram de casa, o mundo dos homens mudou radicalmente quando eles entraram em casa?

 

 

Atenção: não entraram em casa para se estenderem no sofá e pedir à esposa para ir buscar uma cerveja ao frigorífico. Entraram em casa para dar banho aos filhos, para dar de jantar aos filhos, para estudar com os filhos, para deitar os filhos, para executar todas aquelas tarefas que durante 200 mil anos, desde o aparecimento do tal homo sapiens, nunca haviam sido tarefa sua. Nós, homens, que estamos geneticamente programados para caçar mamutes, acabámos elefantes no meio da sala – e ninguém parece reparar em nós.

 

 

São muito poucos – escandalosamente poucos – os estudos que se preocupam em analisar o papel do pai na família moderna. Em 2001, Leonor Segurado Balancho publicou em Portugal uma tese de mestrado intitulada O Novo Papel do Pai na Educação dos Filhos: Coparentalidade e Diferenciação, à qual se seguiu, dois anos depois, um pequeno livro na Editorial Presença chamado Ser Pai, Hoje. O facto de esse livro já ir na sua nona edição confirma que ser pai hoje é mesmo um problema.

 

Desde logo, há a questão básica do tempo que o pai passa dentro de casa. Informa a autora:

 

Nos anos 60, nos países ocidentais, os pais das crianças com menos de cinco anos passavam em média, diariamente, 12 minutos com elas; em meados dos anos 70 esse número aumentava para 17 minutos, e estava em 43 minutos diários nos anos 80. Os valores mais recentes mostram que o nível de interacção se elevava, nos finais dos anos 90, a cerca de 2-3 horas por dia, correspondentes a dois quintos do tempo passado pelas mães.

 

 

O resultado dessa presença crescente é a alteração do papel do pai, de disciplinador a cuidador, de simples ganha-pão familiar a fonte indispensável de afectividade. O livro de Leonor Segurado Balancho é sobretudo didáctico e, em certo sentido, paternalista: ela identifica o papel eficaz do pai moderno e estimula o macho ibérico a adaptar-se a ele. Mas o mais interessante não é isso – é identificar que impactos essa presença causa nos pais e a forma como o novo papel doméstico modifica as suas próprias expectativas de vida.

 

E para sabermos isso, temos de viajar novamente até à América, e em particular até ao Center of Work & Family do Boston Colegge (uma universidade privada propriedade dos Jesuítas), departamento onde em 2009 começou a ser realizado o pioneiro estudo The New Dad, que logo na primeira frase da introdução clarifica aquilo que realmente está em causa: “Nos lares da América, os pais iniciaram uma revolução silenciosa.” Finalmente, alguém nos dá a devida importância. Até porque não foi só nos lares da América.


(Parte V de VII. Continua amanhã.)

 

publicado às 09:39


Vamos todos para o divã?

por João Miguel Tavares, em 26.06.14

Quanto mais eu leio os comentários da Maria, da Helena, da Sofia e de tanta gente que tem a simpatia de vir opinar sobre palmadas e boa educação para este blogue, mais sou invadido pela sensação de que nós não estamos a falar dos nossos filhos - estamos a falar de nós próprios e das nossas infâncias. Estamos, de alguma forma, a ajustar contas com o nosso passado, numa espécie de "diz-me o que te fizeram e eu dir-te-ei quem és".

 

Para que não haja equívocos: eu não me estou a pôr fora disso. Não tenho pretensões de pairar acima dos outros. Acho apenas que o sacana do Freud tem razão - está quase tudo lá, na nossa infância, é lá que devemos procurar a justificação para as nossas forças e para as nossas fraquezas, e para tantos dos nossos gestos como pais. Até porque se há livros de pediatria para todos os gostos, é porque a sua função fundamental não é aconselhar-nos a educar os filhos - é serem espelhos de nós próprios, obras especializadas onde vamos procurar argumentos para sustentar as convicções que já temos à partida. 

 

publicado às 10:29


Um grande abraço de parabéns ao João Fazenda

por João Miguel Tavares, em 26.06.14

Queria deixar aqui um abraço ao grande João Fazenda, que acaba de receber uma menção honrosa no Prémio Nacional de Ilustração, por causa do seu magnífico trabalho no livro O Pai Mais Horrível do Mundo. O gajo que escreveu a história até nem é mau de todo, mas foram as ilustrações do João a elevar o livro para um outro patamar, agora justamente reconhecido.

 

publicado às 10:18


E se ter filhos não for assim tão giro? #4

por João Miguel Tavares, em 26.06.14

Partes I, II e III. Hoje, a parte IV.

 

PARTE IV

 

Depois chegou o século XIX e todas as suas revoluções: Darwin, a paixão pela biologia e pela antropologia, o desenvolvimento extraordinário de todos os ramos da ciência (que viria a desembocar na psicologia e em Freud), e ainda uma revolução industrial que começou a empurrar a mulher para dentro de casa. De facto, a ideia de que a mulher sempre viveu na cozinha a cuidar dos filhos até ao momento em que, em meados do século XX, começou a ir bater à porta de empresas, é completamente falsa: nos tempos em que a agricultura de subsistência era o principal modo de vida, a mulher fazia parte da força de trabalho.

 

Foi com a industrialização, com o progressivo desenvolvimento da burguesia, com o crescimento do sector terciário e com o surgimento de uma classe média onde o ordenado do homem era suficiente para sustentar a família, que a mulher pôde enfim dar-se ao luxo de se tornar a “fada do lar”, dedicada à casa, especialista na ménage e concentrada na educação dos seus filhos. E como não há mundo de fadas sem literatura a acompanhar, os livros sobre o tema cresceram e multiplicaram-se. Havendo tempo, havendo dinheiro, havendo interesse e havendo cada vez mais ciência, os manuais de como cuidar dos filhos começaram a aparecer.

 

Alguns, poucos, ainda na transição do século XIX para o século XX, mas a maior parte deles já bem dentro do século XX, acompanhando o desenvolvimento da medicina e a importância crescente da figura do pediatra. Sim, este é finalmente o tempo dos doutores Spock e Brazelton e dos seus livros que vendiam (e vendem) milhões. Só Baby and Child Care, que Benjamin Spock lançou pela primeira vez em 1946, foi durante meio século o livro mais vendido da América, logo a seguir à Bíblia.

 

 

E com eles tudo mudou – a educação e o cuidado dos filhos passaram a ser encarados com seriedade científica, a infância foi estratificada em inúmeras categorias, a evolução dos miúdos passou a ser analisada e reanalisada mês a mês e a gravidez analisada e reanalisada semana a semana. Com este senão: a confusão dos pais foi aumentando de dia para dia, já que o pediatra do terceiro esquerdo poderia perfeitamente dizer – e dizia – coisas bastante diferentes do pediatra do segundo direito, estando eles a falar exactamente sobre o mesmo assunto.

 

A crescente aplicação e preocupação dos pais em relação aos destinos dos seus filhos não os tornou necessariamente mais informados – apenas mais angustiados. Até o tema-fetiche de qualquer processo educativo – saber se devemos apostar em “mais autoridade” ou em “mais afecto” na educação das crianças – foi variando radicalmente consoante os autores e os ares dos tempos. Há um belo livro que demonstra tudo isso, embora centrado apenas nos Estados Unidos, chamado Raising America: Experts, Parents and a Century of Advice About Children e assinado por Ann Hulbert (e que o próprio Brazelton considera na capa ser “a classic”). Hulbert conclui que o empenho de todos os envolvidos é muito estimável, mas que falha redondamente em oferecer respostas definitivas a milhões de pais ansiosos e, com assustadora frequência, à beira de um ataque de nervos.

 

A medicina fez maravilhas ao longo dos últimos 100 anos: a vida uterina é hoje conhecida até ao mais ínfimo detalhe, a mortalidade infantil caiu a pique, a vacinação afastou as doenças mais perigosas da infância, e até já podemos ver uma cara colorida e a três dimensões do nosso feto durante ecografias de rotina. Só que quando os putos saltam cá para fora, e a abordagem psicológica se torna mais importante do que quaisquer problemas físicos, as dúvidas não só continuam, como as inseguranças dos pais aumentaram, em vez de diminuírem.

 

 

Hulbert resume a coisa citando o pós-título de um artigo publicado no New York Times sobre os desafios da maternidade, esclarecedoramente intitulado “Mothers can’t win” – “As mulheres não podem ganhar”: “Trabalho ou casa? Peito ou biberão? Bater ou mimar? O que quer que escolham, elas vão sentir-se mal.” Sim, as mulheres vão sentir-se mal, e todos nós já sabemos que a vida das mães é tramada – há um movimento feminista que há décadas não diz outra coisa. Mas permitam-me, por um momento, interromper a descrição do horror da vida feminina para fazer a pergunta que, por razões óbvias, mais me interessa: e a vida dos pais?

 

(Parte IV de VII. Continua amanhã.)

publicado às 09:51


Sobre bater (ou não bater) nas crianças #12

por João Miguel Tavares, em 25.06.14

Lamento, lamento, lamento. A culpa não é minha, mas da Paula N., que deixou a seguinte pergunta:

 

E lá voltámos ao tema da palmada!! Daqui a pouco o blog muda de nome para "palmadas a quatro"... eheh, estou a brincar! Mas já que estamos novamente a falar sobre esse assunto, gostaria de lhe pedir a sua opinião sobre um assunto: a palmada em público!! Deve ser dada? Devemos de esperar até chegar a casa? Nesses casos, NUNCA aplicamos a palmada e temos apenas uma conversa com a criança?

 

No outro dia, quando fui ao Continente, vi uma rapariga talvez nos seus 10/11 anos a ser um pouco mal educada e a ter uma discussão com a mãe que acabou com duas palmadas bem dadas no rabo. Se no início estava com raiva da miúda e até a mim me apetecia ir lá aplicar-lhe um par de estalos, assim que a miúda apanhou até me deu pena a forma como ela se sentiu envergonhada e humilhada. O que faria nesta situação? Um ralhete? Uma palmada? Ignorar?

 

Devo dizer-lhe, cara Paula, que uma das maiores humilhações da minha vida aconteceu no Centro Comercial Colombo, quando a Carolina tinha para aí três ou quatro anos. Ele começou a fazer uma birra louca, já não sei porquê, e eu decidi agir tipo árbitro de futebol: isolá-la das outras pessoas e puxá-la para um canto, só para ver se ela se acalmava. Não lhe toquei com um dedo, mas só por causa do gesto de agarrar nela e tirá-la dali a espernar, houve uma senhora de idade que começou aos gritos comigo de "pai mau!, pai mau!" e a dizer que ia chamar a polícia.

 

Visto à distância a coisa tem uma certa graça, mas na altura não teve piada nenhuma, porque um pai que está numa situação dessas não tem forma de se sair bem. Ou começa a chamar nomes à senhora e a manda para o raio que a parta e lhe diz para se meter na sua vida, coisa que a mim me custaria sempre fazer porque acho que há casos em que temos mesmo a obrigação de nos meter na vida dos outros, ou então convida a senhora a chamar a polícia, e ficamos a conversar com a autoridade sobre González vs Estivill, ou então sai rapidamente dali para fora com a família. Seja como for, nenhuma solução é boa. Felizmente, a Teresa estava lá e acabou por pegar ela na Carolina e a situação acalmou. Mas nós acabamos sempre humilhados em público.

 

Tudo isto para dizer o quê? Em primeiro lugar, que ser pai é estar preparado para passar vergonhas. Ou seja, se tiver que ser, se tivermos mesmo de corrigir um filho naquele momento, se não pudermos deixar passar, se ele estiver mesmo a ultrapassar todos os limites, eu acho que devemos estar preparados para o fazer em público e arcar com as consequências de uma má interpretação social. A conveniência de manter as aparências só pode ir até um determinado limite - porque se cedermos a tudo por estarmos rodeados de desconhecidos, um filho mais dado à chantagem será sempre rei e ditador assim que colocar um pé fora de casa. Não pode ser.

 

Só mais um acrescento: no meu livro de pediatria mental, palmadas no rabo é só para aí dos dois/três aos quatro/cinco anos, quando eles começam a testar os limites, por vezes exageram nas birras, e ainda não é possível ter uma conversa decente com eles, ou aplicar-lhes um castigo (perdão, um reforço positivo) eficaz. A partir daí, há uma compreensão do certo e do errado e instrumentos que dispensam, em princípio, a nalgada. E tudo isto varia, como é óbvio, em função da personalidade dos filhos. Há alguns a quem basta dizer que estamos tristes com eles para se porem na linha.

 

Por isso, muito sinceramente, não me imagino a enfiar um estalo - até porque nunca dei estalos - ou uma palmada numa filha de 10 ou 11 anos. A não ser, claro, que ela passasse todos os limites - mas aí não seria um estalo educativo, mas uma punição por um enorme desrespeito, que tanto poderia dar a uma criança como a um adulto. Claro está que isto sou eu a falar agora. A minha filha mais velha tem 10 anos, portanto ainda não sei o que a adolescência me reserva. Se calhar daqui a três ou quatro anos ando por aqui de cabeça perdida a defender as virtudes da palmada até aos 18, para grande horror da Maria e da Helena Araújo.

 

 

publicado às 15:26

Pág. 1/6




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D