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E agora, uma mãe e psicóloga portuguesa

por João Miguel Tavares, em 10.07.14

O Observador continua a apostar em entrevistas sobre as questões da paternidade, e depois de Carlos González e Eduard Estivill, foi a vez, na semana passada, da psicóloga portuguesa Cristina Valente, a propósito do lançamento do seu livro Coaching Para Pais – Estratégias e ferramentas práticas para educar os nossos filhos.

 

Cristina Valente é assumidamente mais González do que Estivill, e utiliza frases como "a educação tem de ser democrática", que teriam tudo para me pôr os dentes a ranger. Por exemplo: 

 

A pergunta que coloco é: onde fomos buscar a ideia tonta que, para querermos que o miúdo se porte melhor, primeiro temos de o fazer sentir pior? O castigo é algo que humilha o miúdo, enche-o de culpa, de vergonha e de medo. Que relação vamos ter com essa criança para o resto da vida, com base no medo, na insegurança, na culpa e na vergonha?

 

Isto é a teoria das catástrofes aplicada à educação: um "vai já para o teu quarto!" aos seis anos de idade irá causar um adulto inseguro e infeliz. Santo exagero.

 

Ainda assim, cada vez mais tenho a sensação, à medida que vou lendo psicólogos, pediatras e leitores, que estamos frequentemente a falar das mesmas coisas, só que utilizando palavras diferentes. Claro que continua a haver um certo lirismo irritante, patente em respostas como esta: 

 

Mas como devemos reagir quando uma criança se porta mal?
Na altura, não reagimos. Quando um filho se porta mal, o pai também não está muito bem disposto. Duas pessoas mal dispostas, uma em frente à outra… não vai sair nenhuma lição dali. Mas isto depende das situações. Tomemos, por exemplo, uma criança que se porta recorrentemente mal em determinada situação. Eu posso planear com ela antes, numa conversa em que estamos as duas de cabeça fria, quais as consequências dessa acção. No momento em que ela comete o erro, aplica-se a consequência. Mas aplica-se mesmo — há pais que, depois de o dizerem, não o fazem.

 

Ora, esta resposta parece esquecer que a maior parte dos maus comportamentos não são planeados, nem nos dão oportunidade para manter a cabeça fria. A vida não é como os jogos de basquetebol - raramente dá para pedir um "time out". A mim interessa-me pouco traçar cenários que supõem um universo perfeito e ordenado, tipo família do Ruca, onde as birras acontecem à hora certa e nunca ninguém abandona o seu estado zen.

 

Mas em relação ao tema do castigo, que já aqui tanto deu que falar, tenho, de facto, cada vez mais a sensação de que a maior parte das pessoas discorda apenas por razões semânticas. Ora reparem:

 

Qual a diferença entre o castigo e a consequência?
O castigo traz sentimentos negativos. A consequência implica eu dizer à criança “tu és livre de escolher fazer errado e, caso o faças, tens uma consequência”. O castigo, ao contrário da consequência, não tem um valor duradouro. O castigo interrompe, no momento, o mau comportamento. É um facto. Mas não ensina competências. A criança deve ter alguma autonomia, dependendo da idade. É a autonomia que a vai treinar para ser responsável na adolescência.

 

Eu não tenho nada contra isto, e suponho que a maior parte das pessoas também não tenha. Portanto, talvez seja útil, da próxima vez que tivermos, aqui no blogue, uma daquelas sempre animadas discussões sobre autoritarismo e laxismo, começar por definir previamente um glossário, para saber do que estamos a falar.

 

Os fãs da educação positiva podem estar muito rodados neste vocabulário século XXI, mas a maior parte de nós, comuns mortais, continua a gritar "já de castigo!" em vez de "já de consequência!". E, no entanto, a maior parte dos nossos castigos são efectivamente - ou, pelo menos, pretendem ser - "consequências", e não apenas gestos vazios de simples autoritarismo.

 

Aliás, até o desvalorizado castigo "agora senta-te aí a pensar no que fizeste" tem a consequência de levar a criança a reflectir sobre o que fez e a não repetir. Às tantas somos todos bué González e não sabemos.

 

publicado às 08:54


19 comentários

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De n a 10.07.2014 às 10:29

Eu acho que ela está a falar de crianças que ainda não têm idade para compreender conceitos como castigo, hoje, amanhã etc.
Não acredito que ela seja contra as leitos e multas de trânsito aos 18 anos...
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De n a 10.07.2014 às 10:33

Prisões, não leitos...
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De Alexandra a 10.07.2014 às 10:27

Ai que saudades que eu tinha disto! E sou psicóloga! :D
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De Isabel Prata a 10.07.2014 às 10:25

A consequência implica eu dizer à criança “tu és livre de escolher fazer errado e, caso o faças, tens uma consequência”. Exactamente! As crianças de Coimbra têm o grande privilégio de durante 4 anos poderem aprender música com o mais brilhante professor e pedagogo que já conheci, o Maestro Virgílio Caseiro, 64 anos. Da primeira à ultima sessão ouvem e repetem "tu és livre, mas tudo tem um preço". e não, não é semântica.



Dos maiores erros estratégicos que vejo os pais e as mães cometerem é de "prometerem" mundos e fundos quanto a castigos e depois não os porem em prática (felizmente). As crianças, mesmo, muito pequenas aprendem num instante que aquilo não é para valer.
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De Patrícia a 10.07.2014 às 10:17

Olá João,

Nunca comentei o seu blog, mas venho cá espreitar de vez em quando. Sinceramente, sinto-o como um lufada de ar fresco no meio do interminável rol de blogs/páginas/livros/cursos de parentalidade cor de rosa, focada exclusivamente na criança e nos seus alegados traumas porque "fizeste asneira, hoje não há história à noite".

Acho que quanto mais informação "Gonzálica" aceite acriticamente, piores pais seremos todos, assumindo que fazemos a tentativa de aplicar aquilo na prática 24/7. E seremos piores pais porque mais constrangidos, mais "com pezinhos de lã" para não criar crianças "inseguras", com auto monitorização constante do que dizemos, como dizemos, a quem dizemos, etc.

Não quero entrar em nenhum debate ideológico aqui - como em tudo, cada um tem a sua opinião e irá ficar com ela, fazendo aquilo que, de coração, acredita ser o melhor para os seus filhos, para si, e para a sua família. E isso já não é mau :)

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