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E finalmente, a fada dos dentes apareceu ao Gui

por João Miguel Tavares, em 23.01.14

O grande dia, o mais esperado, o mais aguardado, o mais sonhado, finalmente chegou: ontem caiu o primeiro dente de leite ao Gui. Ele andava desesperado para aí desde os três anos de idade. Via os dentes dos irmãos saltarem, via as prendas que a fadinha dos dentes lhes trazia, e ele, coitado, com quase seis anos, nada.

 

Mas ontem, quando o fui buscar à escola, ele veio a correr na minha direcção como um doido, a explodir de felicidade, só para me exibir o seu maxilar inferior com uma janelinha aberta no teclado branco. Depois, entregou-me um guardanapo muito bem selado com fita-cola, onde repousava o seu troféu.

 

Eu liguei à Teresa para a informar do que tinha acontecido e para ela se pôr em campo: era necessário arranjar-lhe uma prendinha especial, para ele receber no dia seguinte ao acordar. E todos sabíamos o que é que o Gui queria: um dos dois piratas da colecção da Djeco que lhe faltavam.

 

 

Um dia destes ainda tenho de falar da Djeco, que é tudo aquilo que eu acho que uma marca de brinquedos para crianças deve ser, mas o que importa agora para aqui é que o Gui adora a sua colecção de piratas, tal como o pai do Gui e a mãe do Gui.

 

E como a mãe do Gui partilha a sua paixão flibusteira, basta juntar a isso o seu instinto de coleccionista e a sua paixão assolapada pelos filhos para a tornar uma cliente deveras conhecida na loja da Edicare da Avenida de Roma, onde segundo sei os meus queridos rebentos fazem investidas regulares, sobretudo quando o pai não está a ver. O problema é que os dois piratas que faltam ao Gui, embora estejam há muito encomendados, exactamente para nos valerem em situações como esta, não há meio de chegarem.

 

A boa notícia é que a Teresa sabia que na montra da loja existia um dos piratas que o Gui não tinha. A má notícia é que esse pirata não podia ser vendido, já que estava fora da caixa e a caixa cessara de existir, como diriam os Monty Python (ver o melhor sketch de todos os tempos). A excelente notícia é que a senhora da loja, após lhe ter sido explicada a situação, foi um amor: decidiu por sua iniciativa oferecer o pirata ao Gui.

 

 

Infelizmente, nem tudo foram notícias tão boas quanto esta. O Gui depois da escola foi ao dentista (mera coincidência - já estava marcado), que perante a notícia da queda do dente lhe resolveu oferecer uma caixa giríssima em forma de dente para ele o guardar, mais um fio para colocar a caixa ao pescoço. O Gui ficou ainda mais contente e orgulhoso, mas como é um destravado, quando regressava a casa com o avô acabou por partir o fio e a caixa voou literalmente pelos ares quando ia a atravessar uma passadeira. A caixa encontrou-se. O dente, não.

 

Eles ainda andaram lá imenso tempo à procura do dente, mas nada. Quando a Teresa soube, foi para o local com a Carolina voltar a procurar o dente, mas nada. Só faltou mesmo chamarem a peritagem da Polícia Judiciária (se a excelentíssima esposa tivesse o número no telemóvel, era mulher para isso).

 

Perdidas as esperanças de recuperar o dente, a solução encontrada teve de ser uma que já havia sido posta em prática muitos dentes atrás, com o Tomás, quando um dos seus dentes de leite se enfiou pelo ralo do lavatório - fazer o desenho de um dente e colocá-lo dentro da caixinha. "Quando não há dentes verdadeiros", expliquei eu, "a fadinha leva um de papel". Para isso, bastava desenhá-lo, recortá-lo e pô-lo no lugar do outro, assegurei.

 

E aí o Gui teve uma reacção tão querida que só me apeteceu dar-lhe beijinhos:

 

- Papá, não vamos enganar a fadinha dos dentes...

 

Eu expliquei-lhe que não se tratava de enganar a fadinha dos dentes. Claro que um dente de papel não era o mesmo que um dente verdadeiro, mas nessa ocasião o que a fada fazia era, em vez de deixar uma prenda toda bem embrulhadinha e vistosa, penalizar a falta de cuidado do menino e a sua cabeça no ar não fazendo o embrulho. A prenda ficava fora da caixa e ela ia-se embora.

 

E assim se fez.

 

 

Hoje de manhã o Gui lá tinha o pirata que ele tanto queria, e andou a mostrá-lo a todos os manos. A Carolina, que tinha ido com a mãe à loja, também foi super-simpática: perguntou-lhe o que é que tinha recebido e fez um ar muito espantado quando ele lhe contou. Depois, o Gui veio agradecer-me muito por lhe ter feito o desenho do dente.

 

É curioso como há males que vêm por bem: o azar que o Gui teve ao perder o dente acabou por revelar um menino com um coração e uma honestidade enormes. Não estava nada à espera daquele "papá, não vamos enganar a fadinha dos dentes", que nos encheu de orgulho. De certa forma, eu e a Teresa acabámos por receber uma prenda muito melhor do que a dele. E nem sequer foi preciso um dos nossos incisivos sair do sítio.

publicado às 14:12


12 comentários

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De Djeco a 09.01.2016 às 13:07

Que descrição tão amorosa! Aqui por casa ainda não há quedas nem fadas dos dentes, mas também somos fãs da Djeco. No Natal, oferecemos uns jogos de cartas ao Martim e ele tem-se divertido imenso com os primos. Aposta ganha. Não conhecia a marca. Descobri-a na Eurekakids e já ando a ver mais coisas para o aniversário que é daqui a umas semanas. Parece que os puzzles também são muito giros e educativos. Têm mesmo de falar desta marca!

Maria F.
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De Anónimo a 25.01.2014 às 01:05

A minha mãe também não nos fazia a festa da fada dos dentes e nós também sobrevivemos. Muito fez ela: viúda aos 31 anos e com três filhos para criar, não lhe sobrou tempo para nos dar um pouco da fantasia e magia que sei que gostaria de nos ter dado. A infelicidade da morte do meu pai assim o ditou.
Felizmente, nós podemos criar para os nossos filhos este mundo mariquinhas que é o mundo da fada dos dentes. Ela visita-os quase sempre (já vão perceber o 'quase') e também sempre visitou os meus sobrinhos, filhos dos meus dois irmãos, que também não tiveram o cutchi cutchi e os frufrus da fada dos dentes.
É tão giro ver a emoção que lhes percorre o corpo, aquele frenesim, a alegria estampada no rosto, sempre que lhes cai um dente! Para eles, um dente a abanar não lhes custa como me custava a mim; não se queixam ou, se há alguma dor, é logo relativizada com algo como "quando um dente está a abanar, e dói, é porque estamos a crescer, não é mãe?"
Depois, estes frufrus também são uma oportunidade de vermos a personalidade dos nossos filhos a crescer sem que o cutchi cutchi os infantilize, como às vezes se pensa. Pelo contrário: muitas vezes é nestas horas de magia que vemos como eles já são indivíduos com bom carácter. Digo isto ao lembrar-me da última vez que caiu um dente ao rapaz. Foi um dia pela maré do Natal, depois do jantar. Lá fora, um temporal medonho e, azar!, a fada dos dentes não estava prevenida. Nem trocos tinha!
Lá tivemos de adiantar uma explicação para a previsível falta de comparência da fada dos dentes:
- “Sabes, esta noite a fada dos dentes pode não conseguir visitar-te: está um temporal muito forte, com chuva e vento muito fortes e a viagem vai ser perigosa e difícil...”
Depois de pensar um pouco, ao mesmo tempo que ouvíamos o vento e a chuva lá fora, ele respondeu:
- "Está bem, não faz mal, eu compreendo. Eu continuo a gostar da fada dos dentes, mesmo se ela não conseguir vir, porque eu sei que ela quer vir... Se ela não vier, eu sei que vai estar a pensar em mim.”
Silêncio…
- “Acho que não vou pôr o dente por baixo da almofada."
- "Não vais?"
- "Não. Assim ela não fica a saber que me saiu o dente e não precisa de fazer a viagem. É mais seguro assim, não achas?"
Quando ouvimos isto do nosso filho e percebemos a sua preocupação com a segurança e bem estar com um ser como a fada dos dentes (à partida, poderíamos pensar que ela faria a viagem sem problemas, afinal é um ser mágico!), além de ficarmos com o coração aconchegado por vermos como este filho é bom, ficamos com a esperança renovada no futuro porque estamos a lançar sementes de qualidade. Os meus filhos preocupam-se com os outros, mesmo que tal implique abdicar de algo que eles desejem muito. É tão bom vê-los a crescer assim :)
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De Paula Dionísio a 24.01.2014 às 12:36

Muito obrigada por partilharem este vosso amor tão grande. Maravilhosa e deliciosamente escrito!
Muitos Parabéns e sejam felizes!
Beijinhos para todos
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De Joana a 24.01.2014 às 10:35

Que delícia...

O Ti, que é da idade do Gui, também só foi visitado pela fadinha aos seis anos. A propósito desta enternecedora ingenuidade deles, partilho um post que escrevi um ou dois meses antes da tão aguardada 'queda do primeiro dente':

http://www.maisqueasmaes.blogspot.pt/2013/10/tenho-um-dente-abanar.html

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De M a 23.01.2014 às 22:55

E fiquei enternecida com a ingenuidade do meu filho. Caiu agora o primeiro dente, aos 6 anos. Já lhe tínhamos falado sobre a fada e a sua vinda e quando o dente lhe caiu, logo após a leitura da história, à noite, não nos avisou. Colocou debaixo da almofada. No dia seguinte veio ter connosco muito triste porque a fada não tinha do visitá-lo!
Tive que responder, meio sem saber como, que as fadas já estavam a dormir e que tinha que colocar novamente o dente nessa noite. Ficou um bocado desconfiado, acho que para eles as fadas, além de tudo o resto, também não dormiam...
Esta ingenuidade é deliciosa!
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De Martaucha a 23.01.2014 às 22:49

Se fossem leitoras assíduas do blog percebiam que as crianças sabem quem deixa os presentes, ainda mais a própria Carolina foi com a mãe comprá-lo. Achei a história MARAVILHOSA.
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De Inês Monteiro a 23.01.2014 às 18:17

mas é preciso tanta festa por cair um dente?
Esses putos devem ser super mimados!
A minha mãe nunca fez isso comigo nem com os meus irmãos e não estamos traumatizados por isso!
E para não falar que , para quem preza tanto a verdade, está a mentir às crianças. para quê dizer q foi a fada? Diga que foi você!
Um dia eles vão saber que os pais lhes mentiram...
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De Márcia a 24.01.2014 às 16:36

Noto uma certa raiva neste comentário, os meus pais também não fizeram nada disto e no entanto apoio 100% esta iniciativa. A queda de um dente deixa de ser um drama e passa para a conquista de uma prenda como recompensa da coragem que tiveram. Família Tavares, vocês são fabulosos, obrigado por estas partilhas.
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De Mãe Sabichona a 23.01.2014 às 17:19

Maravilhoso! :)
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De Maria C. a 23.01.2014 às 17:13

Também me pareceu um bocadinho "cutchi-cutchi"... :)
A sério que a caixinha é para pôr ao pescoço?? A minha sogra pediu-me o 1º dente de leite que caiu aos meus 2 filhos para mandar fazer um suporte em ouro e colocá-los num fio - troféu um bocadinho macabro para o meu gosto... mas enfim é uma (duas) coisa pequenina e discreta. Já a caixinha deve ser um bocadinho incómoda - mas é bué gira!!
A minha filha deu o dente à avó, porque ela lho pediu e não queria que a avó ficasse triste... mas como no infantário devia ter ouvido dizer que a fadinha deixava uma prendinha, estava um bocadinho angustiada... mas a avó lá a compensou com uma prendinha também.
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De Paula Almeida a 23.01.2014 às 16:27

M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O!! Tanto a honestidade do Gui, quanto DOCE história que o pai, Gajo Bruto que Acha que os Puto Hoje em Dia São um Bocado Estragados com Tanto Cutchi-Cutchi, lhe contou.

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