por João Miguel Tavares, em 15.05.14
A Ana Rute Cavaco publicou no seu blogue um texto que me parece muito importante sobre o mito de as crianças falarem sempre verdade. Vale a pena ler o post inteiro, até pelos exemplos concretos que ela dá. Deixo aqui apenas um pequeno aperitivo:
Partir do princípio que as crianças contam sempre a verdade é partir de vários princípios que se desmontam em três tempos: o primeiro é que as crianças observam a realidade e a interpretam tal qual ela aconteceu; o segundo, que vem na sequência do primeiro, é que interpretando bem a realidade, a conseguem reproduzir com igual grau de fidelidade; o terceiro é que, no seu íntimo, mesmo contra todos os sentimentos, são fiéis ao que dizem; o quarto é que não usam a informação como lhes convém. Não acredito em nada disto, e com o passar do tempo, mais certezas ganho. (...)
Tendo nos meus filhos os meus bens mais preciosos aqui na terra, quero honrar isto que a Bíblia me diz. Amá-los é também duvidar deles e ensiná-los a pensar. E não apenas acreditar que tudo o que lhes sai da boca é verdade. A verdade deve ser confirmada, sempre. "Porque as crianças não têm filtro, elas dizem tudo como é." Não acreditem nessa treta.
De facto, não acreditem nessa treta. É verdade que os miúdos, até ali por volta dos seis anos, não têm filtro, e podem reproduzir impiedosamente certas conversas que aconteceram na realidade, mas isso é por não estarem na posse de determinados instrumentos (como evitar dizer na cara das pessoas verdades que as podem magoar inutilmente) que permitem manter a salubridade da vida social.
Mas essa transparência embaraçosa não é sinónimo de qualquer espécie de apego fundamentalista à verdade. Os miúdos mentem pelas mesmas razões que tantos adultos - para ganhar vantagem ou para evitar punições. E também pelas razões apontadas pela Ana Rute: porque não dominam o seu próprio discurso, nem têm qualquer espécie de rigor na reprodução dos factos. Ou seja, mentem. Às vezes de propósito, muitas vezes sem querer. Mas mentem.