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O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #3

por João Miguel Tavares, em 20.10.14

E depois de um longo intervalo para falar de métodos naturais, preservativos e , eis a prometida conclusão da resposta à leitora Ines (partes anteriores aqui e aqui), acerca da minha relação com a paternidade. A última questão por ela colocada era esta:

 

Teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

E, de certa maneira, quase não precisava de responder, porque a Mara se encarregou de o fazer num dos comentários, contando a sua própria história de vida:

 

Quando conheci o meu marido disse-lhe logo que queria ter filhos cedo (bem antes dos 30) e que queria ter "muitos" (sendo que muitos era, no mínimo, três). Ele nunca quis especialmente ter filhos. Sempre disse, como o João, que é muito feliz apenas com livros, música e internet. Curiosamente, eu também, mas sempre senti que viveria uma vida incompleta se não tivesse filhos.

 

Por isso, na realidade, ele teve filhos porque eu quis. E teve quatro! Adora-os de paixão, mas sei que concordou com tê-los, antes de mais nada, para me fazer feliz a mim. Por isso, cada um deles é uma prova de amor.


Não percebo a dificuldade em compreender isto, que acho que é o que o João também tem dito nos últimos posts. Quando se ama, faz-se cedências em nome do outro. Da vida do outro, da sua felicidade. Eu também não vivo na cidade que escolheria sozinha, nem na casa com quintal nos arredores que adoraria, porque sei que ele é mais feliz num apartamento central, com café e quiosque ao virar da esquina. A vida que construímos a dois não pode ser igual à que teríamos sozinhos. Por isso agora somos 6, e somos muito felizes. Daqui a uns anos seremos outra vez só dois, e ainda teremos várias décadas para gozar isso.

 

É muito isso, e fico feliz por alguém o perceber. Embora eu e a Teresa sempre tevéssemos dito, deste o princípio da nossa relação, que queríamos ter três filhos, eu sempre achei que não era uma daquelas conversas para levar demasiado a sério. Eu, porque se não os tivesse não os tinha; ela, porque se não fossem três eram quatro. Já perceberam quem ganhou, claro.

 

Eu não tive filhos só porque a Teresa os queria. Mas acabei por os ir tendo porque a Teresa os foi querendo e eu nunca quis não os ter. É uma daquelas atitudes de passividade activa muito típicas dos homens. Não estava contra. Nem a favor. Votava em branco - e fui acatando as decisões do governo caseiro, mesmo que o governo caseiro argumente que nunca quis decidir nada e que as coisas foram simplesmente acontecendo.

 

Quanto a levar uma vida completamente contrariado, questão sempre sensível e complexa, isso é capaz de ter um certo fundo de verdade, desde que retiremos o "completamente". Eu sou um grande fã do "Estou Além" do António Variações:

 

 

Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:

 

Esta insatisfação

Não consigo compreender

Sempre esta sensação

Que estou a perder

Tenho pressa de sair

Quero sentir ao chegar

Vontade de partir

P'ra outro lugar

 

Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar

Porque até aqui eu só

 

Estou bem

Aonde não estou

Porque eu só quero ir

Aonde eu não vou

Porque eu só estou bem

Aonde não estou

 

E já que estamos em maré musical, levem também com uma das mais belas canções da história da música portuguesa. Chama-se "Inquietação", é de José Mário Branco, e também me parece perfeita neste contexto:

 

 

Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:

 

É só inquietação, inquietação

Porquê, não sei

Porquê, não sei

Porquê, não sei ainda

 

Há sempre qualquer coisa que está para acontecer

Qualquer coisa que eu devia perceber

Porquê, não sei

Porquê, não sei

Porquê, não sei ainda

 

Cá dentro inquietação, inquietação

É só inquietação, inquietação

Porquê, não sei

Mas sei

É que não sei ainda

 

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer

Qualquer coisa que eu devia resolver

Porquê, não sei

Mas sei

Que essa coisa é que é linda.

 

O facto de eu me considerar uma pessoa muito feliz e com imensa sorte não significa que seja uma pessoa satisfeita ou completamente realizada. Tenho a certeza que a excelentíssima esposa sente o mesmo, ainda que possa ter mais dificuldades em admiti-lo. E por isso, quando os filhos ocupam uma fatia tão grande das nossas vidas, é normal que sintamos que a inquietação e a vontade de estar além esteja intimamente ligada a eles.

 

Eu acho que vivemos tempos desequilibrados, em que estamos todos a viver demasiado em função dos miúdos - o que potencia a angústia nos momentos de cansaço. Mas, para voltar à questão inicial que deu origem a esta sequência de posts, os meus filhos são o fruto de um amor, e não os consigo conceber sem a Teresa. Sinto de tal forma essa comunhão que detesto quando na escola lhes chamam Carolina Tavares ou Tomás Tavares. Não, não, não. É Carolina Mendonça Tavares e Tomás Mendonça Tavares. Sem nós - eu, ela, os dois - eles não existiam. E sem a Teresa nada disto faria sentido.

 

E para não acabar em tom demasiado melancólico, aqui vai uma samba de Zeca Pagodinho, num resumo perfeito da atitude que desejo ter perante a vida. No final do dia, quero acreditar que tudo se resume a isto, até porque o sotaque brasileiro vem sempre com um suplemento festivo que nos faz muito bem à alma. Chama-se "Deixa a Vida Me Levar":

 

 

Nisto acredito eu. Na verdade, nisto acreditamos quase todos nós:

 

Só posso levantar as mãos pro céu

Agradecer e ser fiel

Ao destino que Deus me deu

Se não tenho tudo que preciso

Com o que tenho, vivo

De mansinho lá vou eu

 

Se a coisa não sai do jeito que eu quero

Também não me desespero

O negócio é deixar rolar

E aos trancos e barrancos, lá vou eu!

E sou feliz e agradeço

Por tudo que Deus me deu

 

E deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Sou feliz e agradeço

Por tudo que Deus me deu

publicado às 10:30


O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #2

por João Miguel Tavares, em 15.10.14

Voltemos, então, à questão que a Ines coloca nos comentários a este post:

 

O amor seria menos intenso se não houvesse crianças? Poderiam ser um casal sem filhos muito feliz!

 

Como já disse no post anterior, acho até que poderia ser mais intenso, se encararmos o conceito de "intensidade" num sentido próximo da paixão e da multiplicação de gestos de amor. Os filhos atrapalham muito as relações à filme romântico de Hollywood - e as famílias que se vêem nos anúncios de televisão nunca são parecidas com as nossas.

 

Já o disse várias vezes a amigos, e penso que também aqui no blogue: os filhos podem perfeitamente dar cabo de um casamento. Convém que estas coisas sejam verbalizadas com a devida secura, porque eu detesto discursos cor-de-rosa que não preparam as pessoas para os desafios que têm pela frente.

 

Portanto, é evidente que não só poderíamos ser um casal muito feliz sem filhos, como diz a Ines, como os filhos se fartam de atrapalhar a felicidade do casal. Essas são alturas, de esgotamento e falta de paciência, em que somos convidados a olhar para a frente e suportar a suspensão das gratificações imediatas, em nome de um futuro mais solarengo que, convenhamos, nem sempre é fácil vislumbrar, tão cinzento está o céu.

 

Já falei abundamente sobre isso há um ano e meio, num post chamado Dilema dos amantes, que até tem grande música a acompanhar. Vão lá e leiam, se vos apetecer.

 

Claro que o martelo pneumático filial tem esta vantagem: quando ele pára e se faz silêncio, parece que estamos no céu. Falei sobre isso aqui, a propósito da minha última viagem a Nova Iorque com a Teresa. Uma citação desse texto:

 

É curioso quando tanta gente opõe o amor à paixão. Vocês já ouviram de certeza essa história: a paixão é aquela coisa que se tem no início de uma relação mas que nunca mais volta, comida pelas traças do tempo. Com sorte, resta o amor, coisa saborosa mas devidamente pacificada. Pois bem, eu proponho-vos esta experiência: escolham bem o marido ou a mulher, arranjem uma catrefada de filhos, misturem tudo num quotidiano frenético, e ao fim de muitos anos tirem de repente do caminho, por poucos dias que seja, todo o frenesim, todo o trabalho, todos os filhos, todo o stress. Eu garanto-vos - vão parecer novamente adolescentes de 18 anos. Com a vantagem de terem a experiência de 40.

 

Ora, sendo tão divertido o tempo em que estou apenas com a excelentíssima esposa, e parecendo eu tantas vezes contrariado na minha paternidade sofrida, é natural que a Ines pergunte: 

 

Ou então, teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

São excelentes questões. Tão boas que não tenho tempo para lhes responder agora. Voltarei a elas amanhã.

 

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publicado às 09:53


O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #1

por João Miguel Tavares, em 15.10.14

Escreveu a leitora Ines nos comentários a este post, que por sua vez comentava este post:

 

Não entendi a parte em que diz que os seus filhos são fruto do amor do casal. O amor seria menos intenso se não houvesse crianças? Poderiam ser um casal sem filhos muito feliz! Ou então, teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

Eu admito que o meu post anterior era meio opaco, e estas objecções dão-me oportunidade para esclarecer a minha posição sobre o tema. Vamos, então, por partes.

 

Não entendi a parte em que diz que os seus filhos são fruto do amor do casal.

 

Estou convencido que o sociólogos e antropólogos do futuro considerarão a invenção da contracepção, e da pílula em particular, como um momento fundador na história da humanidade, em que a relação dos casais com a paternidade muda de forma radical. Por vezes nós não temos essa noção, porque estamos imersos no momento, mas a nossa geração está a viver uma revolução naquilo que são as relações familiares, e a invenção da contracepção feminina é um facto absolutamente estruturante.

 

Claro que há sempre azares e pessoas que têm filhos acidentalmente, mas mesmo os católicos ignoram olimpicamente as directrizes da Igreja em relação aos anticoncepcionais, e eu não tenho dúvidas em classificar a famosa encíclica Humanae Vitae (1968) e a sua visão da regulação da natalidade como um momento muito infeliz na história da Igreja. Espero que essa visão venha a mudar brevemente, porque nove em dez católicos não conseguem sequer perceber - porque, simplesmente, não se percebe - por que raio a utilização de um preservativo interfere na sua relação com Deus.

 

Diante destes factos, ter um filho a partir do último quartel do século XX é, sobretudo, ter o fruto de uma relação amorosa. Os "acidentes" diminuíram drasticamente, ou então são acidentes relativamente consentidos (é o meu caso e da Teresa, já que nenhum dos quatro foi planeado), e a partir daí aconteceu algo muito natural: o número de filhos por casal diminuiu e eles tornaram-se cada vez mais preciosos e desejados. Toda esta mariquice com os filhos, de que este blogue é uma belíssima prova, seria impensável antes da criação de uma cultura contraceptiva.

 

(O que não significa, atenção - antes que me apareça aí alguém que recusa a pílula e o preservativo por fidelidade à Igreja -, que quem usa os métodos naturais não adore os seus filhos tantos como os outros. Contudo, ter muitos filhos será, nesses casos, uma opção assumida, quando antigamente era uma coisa que simplesmente acontecia, e estava dependente sobretudo da fertilidade do homem e da mulher.)

 

É por isso que os filhos raramente são, nos dias de hoje, algo que não o fruto do amor do casal - donde, existe, de facto, para quem os tem, uma espécie de sentimento de completude, em que a relação a dois passa a ser a base de uma relação a três, quatro, cinco, seis (o meu caso) ou mais, que compõem aquilo a que se chama "família".

 

Retomando a questão da Ines (suponho que seja Inês, mas eu respeito o nome inscrito no comentário):

 

O amor seria menos intenso se não houvesse crianças?

 

Não, não seria. Acho até que poderia ser mais intenso (tomando "intensidade" num sentido mais próximo da paixão e da multiplicação de gestos de amor quotidianos).

 

Mas isso, se não se importam, fica para o próximo post, que este já vai longo.

 

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publicado às 08:51


Viver só (e feliz)

por João Miguel Tavares, em 13.10.14

Escreve a Maria F nos comentários a este post:

 

Não querendo aqui fazer apologia do só, também não acho que quem gosta ou opta por viver sozinha seja necessariamente caso de psiquiatra. Eu gosto de viver sozinha, na minha casinha com as minhas coisinhas, gosto de receber amigos, fazer programas, etc., etc. Mas sei que é tudo limitado no tempo porque logo, logo, o meu espaço vai voltar a ser meu.

 

Adoro crianças, passar uma tarde ou um dia com eles, a estragá-los com mimos, a fazer bolachinhas ou crepes ou o que eles quiserem. Mas à noite, os meninos vão para os paizinhos e a Tia regressa ao seu tão abençoado sossego. Felizmente, somos poucos a pensar assim, crianças precisam-se... alguém tem que pagar a minha reforma, que eu já ando há 40 anos a pagar a reforma de alguém... Mas eu acho que é tão bom viver sozinha e ainda assim nunca me sentir só.

 

Fogo, ó Maria F, vá fazer inveja para outro lado. Acho mesmo que são "poucos a pensar assim"? Eu também penso assim, e tenho quatro filhos. Como eu costumo dizer, para ser um gajo feliz bastar-me-ia uma biblioteca e internet de banda larga. A paternidade é um absurdo lógico: em que outra actividade estaríamos dispostos a trabalhar sete dias por semana e, ainda por cima, a pagar por isso?

 

Quando os filhos trabalhavam nos campos, a coisa ainda fazia algum sentido, era um investimento. Aos seis ou sete anos já havia mais uns braços para cavar e apanhar batatas. Hoje em dia, eles só saem de casa aos 23 anos (com sorte), e muitas vezes temos de os sustentar até batermos a bota.

 

Devo dizer-lhe que eu também tenho uma incrível vocação para tio: ver apenas as criancinhas quando me apetecesse, brincar muito com elas, e depois fechar a porta. O meu problema é que eu tive o que a pobre Grace Gelder não teve: embora eu próprio me ache encantador, e seja muito narcisista e solipsista e egoísta, apaixonei-me por uma mulher completamente doida - e, em vez de me casar comigo, casei-me com ela.

 

O resultado é o que se vê: quatro filhos que deram cabo de todos os meus planos de vida. Não há nisto qualquer espécie de racionalidade, e à medida que a sociedade ocidental vai percebendo isso, cada vez tem menos filhos. Pudera. Hoje em dia é tão fácil ser-se feliz sem sair de casa.

 

Serve tudo isto para me solidarizar consigo e dizer que compreendo muito bem a sua posição. Se não fosse uma paixão iniciada em 1992, estou convencido que eu hoje seria um magnífico solteirão, com muito cuidado para manter o património genético só para mim. A culpa é toda da Teresa - e devo dizer que quando os miúdos rebentam com a minha paciência (acontece com frequência), chego a aborrecer-me de gostar imenso dela. Só que - que hei-de eu fazer? - é mais forte do que eu.

 

Em conclusão, eu não tive filhos por desejo de perpetuar os meus pobres genes. Os filhos são o fruto do amor de duas pessoas. Donde, sem essa outra pessoa - sem o Outro, filosoficamente falando -, nada disto existiria. Nem eu teria particular interesse em que existisse. E eu seria como a Maria F: só e feliz.

 

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 Foto de Nuno Ferreira Santos para o Público

publicado às 12:41


Há quanto tempo é que você não diz "amo-te"?

por João Miguel Tavares, em 10.10.14

Observador fez uma curiosa notícia sobre um estudo da YouGov dedicado a averiguar a evolução das relações ao longo do tempo e a persistência de coisas como borboletas na barriga ou, mais simplesmente, a presença da palavra "amo-te" na vida dos casais.

 

Este estudo já me obrigou a uma autocrítica maoísta, no sentido em que me senti tristemente estatístico: também eu, ao fim de 12 anos de casamento e 22 anos de relação, digo menos vezes "amo-te" à excelentíssima esposa do que deveria. Queria ser mais vermelhão do que rosa-azulado (é ver o gráfico em baixo).

 

Podemos sempre ver as coisas pela positiva, claro: deixamos de o dizer tantas vezes porque a outra parte deixa de duvidar. Mas, infelizmente, acho que isto é só uma desculpa. Fica prometido: nos próximos tempos vou esforçar-me um pouco mais para regressar às cores quentes.

 

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publicado às 09:39


Ir para além do razoável

por João Miguel Tavares, em 04.06.14

Vale sempre muito a pena ler os comentários do Carlos Duarte, desta vez em resposta aos argumentos da Teresa Power:

 

Cara Teresa,

Acho que depende muito do "conceito" [de amar um filho]. O que o João quereria dizer - e ele que confirme ou desminta - era que as crianças são, nos dias de hoje, alvo de muito mais "atenção formal" (obviamente, e pegando no comentário do LA-C, de classe média para cima - nas classes mais baixas as diferenças em relação ao passado serão menores ou nulas). Se quiser, e concordo plenamente com isso, trocou-se parte do "amor" como sentimento por um "amor" como obrigação (muitas vezes obrigação material).

Enquanto no passado, a falta de amor paternal (mais que o maternal) apenas era censurado socialmente quando se verificava situações de abandono (i.e. o pai "deixava" a família), sendo admitidas mesmo situações de negligência ou violência (o pater familias exclusivamente como ganha-pão e disciplinador), nos dias de hoje passou-se do 8 ao 80 e a censura social ocorre não só em situações de acção deliberada (i.e. o abandono, a violência), mas também de actuação passiva (não ir assisitir às actividades dos filhos). Mais, e parece-me que este é o ponto principal do João: passou-se de uma situação em que a Sociedade dava total liberdade (e quase total poder) aos pais sobre os filhos para uma em que a Sociedade se substitui à própria família, estabelecendo normas de conduta admíssiveis ou não que vão para além do razoável.

 

Entretanto, a Teresa Power concordou, e incluiu um exemplo concreto, bastante divertido, até porque eu próprio iria certamente comprar esse DVD:

 

Perfeito! Estamos a dizer o mesmo... O que é o amor? Recebi outro dia uma carta de uma empresa fotográfica através da pré-escola dos meus filhos, e que dizia assim: "É obrigação dos pais não só amar os filhos, mas também assegurar que acompanham a sua escola, fazendo e mantendo registos fotográficos de todos os momentos significativos... Sugerimos a compra de um DVD com as actividades escolares dos seus filhos ao módico custo de 22 euros..." Naturalmente que ofereci a carta aos meus filhos para eles usarem a página de trás para desenharem (somos muito poupadinhos aqui!) e só voltei a recordar esta carta agora, ao escrever este comentário.

 

publicado às 10:02


Amor é...

por João Miguel Tavares, em 14.02.14

...colocar um prato com chocolates debaixo da almofada da cama antes de ir fazer banco, para ele descobrir na hora de vestir o pijama.

 

publicado às 22:02


Carmine's

por João Miguel Tavares, em 30.01.14

Eu sou um bocado guloso. Se às vezes vou a passar pela cozinha e um doce qualquer se cruza comigo, rapidamente lhe dou o prazer de uma visita aos meus compartimentos interiores. Com o chocolate, então, a coisa funciona assim: se não o vir, posso passar meses sem comer, mas se houver uma caixa aberta ao meu lado, marcha em dois dias. Daí a Teresa esconder todos os chocolates que temos cá em casa, como se eu fosse uma criança de quatro anos.

 

E foi precisamente imbuído desse espírito, a que poderemos chamar Monstro das Bolachas, que há uns tempos me alambazei com dois ou três rebuçados que estavam em cima do aparador do meu quarto. Eu, de facto, estranhei que aqueles rebuçados estivessem ali, mas o meu aparelho digestivo não é dado a elucubrações demoradas, e portanto eles lá marcharam, apesar de nem sequer ser grande fã de rebuçados. Foi simples gulodice.

 

Comi um, comi dois, comi três, até que a Teresa, dias mais tarde, descobriu e perguntou-me:

 

- És tu quem tem andado a comer os meus rebuçados?

- Ah, desculpa, não sabia que os rebuçados eram teus.

- De quem é que haviam de ser?

- Não sei. De anónimos. Pensei que fossem apenas rebuçados que tivessem vindo viver para nossa casa, e não tivessem nenhum dono em particular.

- São meus.

- OK, desculpa. Tu até és tão dada à partilha. São só rebuçados, não são?

- Não, não são. Olhaste bem para eles?

 

Bom, de facto, eu não tinha olhado bem para eles. Nem bem, nem mal. Eram apenas pobres rebuçados sem identidade, que eu havia instrumentalizado para divertir a minha pança.

 

Até que fui olhar para o último sobrevivente, o derradeiro rebuçado, que havia ficado viúvo após eu ter dado cabo de toda a sua família e amigos, e aquilo que vi foi isto:  

 

E mal vi isto, soltei um grande "aaaahh!". "Desculpa, desculpa, desculpa, eu não tinha visto."

 

Big asneira.

 

O que eu tinha comido não eram simples rebuçados. Era memorabilia. Eram doces recordações. Eram provas vivas de grandes momentos de felicidade.

 

O Carmine's, para quem não sabe, é um dos mais populares restaurantes de Nova Iorque, daqueles com fila quilométrica à porta, onde se serve comida italiana em doses tão generosas que um jantar daria para alimentar Andorra. Eu e a Teresa estivemos lá em Setembro e achámos muito divertido, gostámos bastante, comemos que nos fartámos, passámos uma bela noite juntos.

 

 

Pelos vistos, e sem eu saber, ela trouxera de volta para Portugal alguns rebuçados do restaurante. E contou-me o que habitualmente fazia com eles:

 

- Costumo levá-los para o hospital. Sempre que estou mais em baixo como um.

 

Uau. Que bonito foi ouvi-la dizer aquilo. Nunca imaginei que dar trincas a um rebuçado pudesse ser uma declaração de amor, e que enquanto a minha excelentíssima esposa fazia uma punção lombar ela estaria a recordar-se dos nossos tempos juntos em Nova Iorque. Uau mesmo. Isto dá dez a zero a qualquer ramo de flores. Mas que romântico. 

 

Talvez até um pouco romântico de mais, no sentido em que ainda fiquei com maiores problemas de consciência, e a reflectir demoradamente sobre a pertinência de a gula ser um dos sete pecados mortais. Mas, enfim, já nada podia fazer. Regurgitar os rebuçados não era opção.

 

Portanto, à falta de melhor, e sem obstaculizar futuras penitências, achei que a única coisa que me restava era escrever este post para imortalizar na blogosfera os rebuçados Carmine's e dar conta do gesto tão bonito da Teresa.

 

Afinal, nós teremos sempre Nova Iorque.

 

publicado às 11:01


Nós existimos, meus senhores #4

por João Miguel Tavares, em 28.01.14

Faço muita questão de informar os leitores deste blogue, em primeiríssima mão, que estou a finalizar um livro que reúne 112 textos (para fazer pendant com o número do INEM, que isto às vezes são verdadeiras urgências) sobre esta coisa da paternidade e da vida familiar. Haverá mais novidades em breve.

 

A boa parte desta notícia é que poderão a partir do início de Março encontrar prosa sobre birras e fraldas nas livrarias e na Biblioteca Nacional. A má parte desta notícia é que estou com menos tempo para trabalhar para este blogue e comentar coisas, como vocês, caras leitoras e caros leitores, mereciam - até porque as partilhas que tenho lido, sobretudo a propósito deste post, têm-me impressionado muito. Peço desculpa e espero que compreendam.

 

Mas a verdade é que os posts não escritos acumulam-se, incluindo sobre o tema das relações de longo prazo e o que fazer para lá chegar, que é matéria para infindáveis reflexões (textos anteriores aqui, aqui e aqui). Correndo o risco de estar fora do prazo, que isto já foi para aí há uns 10 dias, não queria deixar passar em branco, ainda assim, este comentário da Leonor (convém lê-lo integralmente aqui, procurando Leonor a 17.01.2014 às 12:57):

 

Quem está confortável com o que é gosta de partilhá-lo e convencer-se ainda mais do caminho que traçou e convencer os outros e mandar recadinhos.

 

Acho que há muito de verdade nesta frase da Leonor. O que ela quer dizer é que estou a falar de barriga cheia (verdade), e portanto isso leva-me a ter prazer na partilha (verdade), e essa mesma partilha alimenta a minha barriga de volta (também verdade). Três verdades indiscutíveis para a Leonor: o entusiasmo com que falo de determinado tema é tanto maior quanto ele se reflecte na minha vida, e à medida que se partilha recebemos o conforto de quem se revê nas nossas palavras, solidificando aquilo que estávamos a dizer em primeiro lugar. Tudo isto está correcto. 

 

Mas eu não vim aqui só para concordar com a Leonor. E a parte em que discordo dela tem a ver com o final da sua frase, sobre "convencer os outros e mandar recadinhos". A parte de "mandar recadinhos" atiro já borda fora, porque a expressão parece pressupor que ando para aqui a mandar indirectas a quem quer que seja. E eu sou mais pelas directas do que pelas indirectas. Mas a parte do "convencer os outros" merece ser reflectida, para eu tentar mais uma vez clarificar a minha posição, para o caso de ela não ter ficado suficientemente clara, até porque pode haver uma tendência discursiva para transfomar uma verdade individual numa verdade universal. E não é nada disso que eu quero. 

 

Interessa-me muito saber se há determinados segredos na relações duradouros que possam ser exportáveis para outros casais. Quer dizer: gostaria de poder aconselhar quem se chega ao pé de mim e me lança o desafio: "explica-me porque é que a tua relação funciona". Infelizmente, não estou certo de o conseguir fazer, daí já me ter perguntado várias vezes (e referido isso mesmo neste blogue), se aquilo a que numa relação frutuosa chamamos "mérito" (ou seja, um conjunto de procedimentos que me ajudam a construir uma relação feliz) não é sobretudo "sorte" (um conjunto de compatibilidades químicas entre dois seres humanos estranhamente complementares). A verdade, provavelmente, estará algures no meio, e será como sempre uma mistura das duas coisas. Não sei ao certo.

 

Mas o que sei é que, sendo esta a minha posição, não há como pretender que eu esteja aqui a "convencer os outros". Convencer os outros a fazer o quê? A replicar algo que eu nem sequer sei como obtive? Claro que, da mesma forma que se eu for um bom escritor acho que sei como se escreve, e se eu for um bom pintor acho que sei como se pinta, também se eu for um bom esposo é normal ter a mania de saber como se consegue um bom casamento. Essa é a reacção natural, e daí que aconteça quase sempre aquilo que a Leonor denuncia - começamos a pregar sobre o nosso modo de vida particular querendo transformá-lo em verdade universal.

 

Mas eu resisto mesmo a isso. A sério. Eu agradecia que este blogue nunca fosse visto como pregação, ou movido por qualquer espécie de impulso missionário. Tirando um núcleo muito pequeno de valores, pelos quais darei sempre a cara e o coração, eu não quero pregar sobre coisa nenhuma. Por uma razão muito simples: não tenho assim tantas certezas sobre tanta coisa, e não quero empenhar o meu pescoço por um futuro que não sei se estarei a altura de cumprir.

 

Dispenso bem um mundo feito de réplicas de Joõezinhos e Teresinhas. A única coisa que eu quero é que o mundo hiper-relativista e mega-auto-centrado em que nos encontramos admita que nós existimos (ou seja, que há relações genuinamente felizes), e por isso faço questão de contar aos outros a minha experiência. Para os evangelizar? Não. Simplesmente para partilhar. Quem quiser aproveitar alguma coisa, aproveita. Quem não quiser, deita fora. E ambas as atitudes são, aos meus olhos, inteiramente legítimas.

 

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publicado às 10:48


"Saudades dos filhos que nunca tive"

por João Miguel Tavares, em 24.01.14

Eu diria que a publicação do post mais tétrico de todos os tempos no Pais de Quatro ficou inteiramente justificada com a extraordinária partilha desta leitora anónima, que aqui deixo para todos poderem ler no corpo principal do blogue. Muito obrigado a ela, quem quer que seja:

 

É curioso ter-se levantado a questão sobre se existe ou não uma relação directa entre a grandeza da dor da perda de um filho e a sua idade. O que veio de imediato ao meu pensamento, enquanto lia o post, foi a dor imensa e insuportável que, mês após mês, tratamento após tratamento, nos assolou e quase me destruiu (não fosse a força do meu amor e companheiro!) sempre que o filho que tanto desejávamos não surgia na nossa vida. De cada vez, essa dor vinha renovada e mais pesada, acumulada, mês após mês, tratamento após tratamento, e era vivida duma forma quase irracional porque eu sentia (e ainda sinto quando revivo esse período...) saudades dos filhos que nunca tive.


Paralelamente, ainda tinha de suportar o "Então? Quando é vêm os filhos?" . A partir duma determinada altura, para nos deixarem em paz, começamos (por minha iniciativa) a responder que não queríamos ter filhos. Depois desta resposta, ficava um silêncio constrangedor da outra parte que acabou por neutralizar estes ataques indiscretos ao nosso sofrimento. Por outro lado, também era quase insuportável ouvir, por parte de quem sabia o que se passava connosco, coisas como “deixa lá, se não conseguirem podem adoptar”, “há tantas crianças que precisam de uma família e se calhar o vosso filho já está à vossa espera”, … tudo dito com muito amor, muita amizade, muita vontade em nos afagar a alma, mas sem a percepção do desejo infinito de ter um filho feito por nós e não o conseguirmos ter. Houve alturas em que senti que, sendo um casal infértil, tínhamos a obrigação social de aceitar essa condição e avançar logo para a adopção (fica aqui o mote para uma discussão sobre este assunto).


Bom, depois vieram os nossos dois nafagafinhos e essa dor ficou guardada aqui, num cantinho que é só dela, e eu fico mais tranquila e em paz relativamente às saudades que ainda sinto dos filhos que tanto desejei e que nunca tive, quando olho para estes filhos felizes, saudáveis, lindos e tão, mas tão!, desejados e penso que estes são os filhos que nós tínhamos de ter.


Quanto ao "automatismo" do amor de uma mãe por um filho/a, a minha experiência também é um pouco diferente da experiência "romântica" de ser mãe relatada pela maior parte das mães que conheço. Os meus filhos são gémeos mas, quando nasceram, a T. precisou de cuidados neonatais e, portanto, só o E. ficou comigo logo após o nascimento. Eu e o E. tivemos alta do hospital e a T. ficou internada na neonatologia. Claro que eu ia todos os dias ao hospital mas tinha outro filho recém-nascido em casa para cuidar e amamentar e, nas primeiras semanas de vida, eu senti que aquele bebé que estava no hospital e que era meu, também era um estranho que eu tinha de conquistar. Ao fim de 3 dias eu já conhecia tão bem o E.: sabia se o choro dele era sono, fome, fralda, frio, calor ou miminho e não conseguia acalmar os choros da minha T...

 

Finalmente, a T. teve alta e eu estava determinada a conquistar aquela bebé que ainda não tinha tido oportunidade de conhecer. Aí, veio um novo contratempo: o E. precisou de fazer sessões de fisioterapia 3x/semana e, como eu é que tinha a licença de maternidade, obviamente, era eu que o levava às sessões. Eu passava muito mais tempo com o E. do que com a T.. A T. ficava com uma das avós e isto foi assim até ao ano de idade. À medida que o tempo passava, crescia em mim um sentimento de culpa enorme por perceber que a minha relação com cada um deles era tão diferente. Cheguei a pensar que o meu amor por ele era maior do que por ela. Mas não! O que aconteceu foi que houve um conjunto de circunstâncias que fez com que eu demorasse mais tempo a conquistar e desenvolver a minha relação afectiva com a T..

 

Para mim, foi estranho ter esta experiência da maternidade. Estava convencida de que eles iriam nascer e ia haver logo um click igual por cada um deles, mas a verdade é que eu tive de "aprender" a minha filha e acho que só ao fim de 2 anos é que a conquistei em pleno. Nunca a amei menos do que a ele, nem a vou amar mais do que a ele, mas a vida quis que eu demorasse mais um pouco a conhecê-la.

 

publicado às 09:06



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