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O superior interesse do aluno #2

por João Miguel Tavares, em 24.10.14

Já que estamos em maré educativa, aproveito para fazer mais uma pergunta aos meus caríssimos leitores, já que este blogue também é bué internacional.

 

Tendo em conta que é aparentemente possível, neste triste país, os alunos permanecerem ad aeternum sem professor substituto se o professor titular meter baixas - ainda que várias, ainda que consecutivas - com duração inferior a 30 dias, eu gostaria muito de saber se isto também se passa no ensino público americano, alemão, holandês, espanhol ou em qualquer outro lugar que não em Portugal.

 

Alguém por aí percebe disto? O que é que acontece nos outros países se um professor falta durante uma semana, por exemplo? Os putos pura e simplesmente não têm aulas?

Paralisacao-dos-professores-de-Joao-Pessoa-vai-dei

 

publicado às 09:30


O superior interesse do aluno

por João Miguel Tavares, em 23.10.14

Por regra, os textos que escrevo no Público vão parar ao meu outro blogue, mas o desta semana tem uma temática que faz todo o sentido puxar aqui para o PD4: escola e criancinhas. Chama-se "O superior interesse do aluno" e, no final, conto uma história (sobre História) que envolve a Carolina:

 

A minha filha mais velha está sem aulas de História desde o início do ano lectivo. Aparentemente, o professor está de baixa; aparentemente, não vai regressar; aparentemente, está à espera de uma junta médica; aparentemente, a junta está atrasada; aparentemente, não pode ser substituído até a junta se pronunciar. Escrevi todos estes “aparentemente” porque obter explicações simples e directas numa escola, sem os clássicos “acho que”, “parece-me que” ou “isso não é comigo”, é um trabalho que nem Hércules superaria. Donde, não tenho a certeza absoluta de nada. Mas disto, tenho: há seis semanas que ela está sem aulas. E a facilidade com que se deixam alunos sem aulas, sem arranjar uma solução imediata, e alimentando um sistema de baixas médicas que colocam o direito ao posto de trabalho quilómetros à frente do direito ao ensino, é, pura e simplesmente, um escândalo.

 

O resto do texto pode ser lido aqui.

 

Mas, já que estou com a mão na massa e sei que há vários professores que de vez em quando passam por aqui, gostaria que me explicassem, se souberem, quais são exactamente as regras de substituição de professores em vigor a partir do momento em que um docente mete baixa médica. É que já ouvi mais do que uma versão, e na net não consegui encontrar a legislação que estabelece essas regras. Iluminem-me, por favor.

 

AED.png

 

publicado às 15:28


Mais umas perguntas sobre a educação em Portugal

por João Miguel Tavares, em 17.09.14

Nos comentários a este post sobre mais um atribulado começo de aulas na escola pública, o dr. Mário Cordeiro coloca mais algumas questões altamente pertinentes, que vale a pena trazer para o corpo do blogue. Apenas um resumo das suas propostas:

 

E se os alunos terminam em Junho e se inscrevem em Maio... porque é que as turmas só saem na véspera do primeiro dia de aulas?

 
E se as matérias são nacionais (que eu saiba, o Dom Afonso Henriques de Vila Real será o mesmo de Faro, ou o do Agrupamento Filipa de Lencastre o mesmo dos Salesianos), porque é que os manuais escolares não são feitos por um grupo de trabalho de professores do ramo, impressos na Imprensa Nacional que até tem uma editora, vendidos a preço de custo (aí umas dez vezes menos do que o preço que pagamos) e, finalmente, duráveis 3 a 5 anos (a Pré-História não muda muito, acho)... e feitos em partes que se juntam ao longo do ano para não carregar para a escola nas inefáveis mochilas, no primeiro dia, o peso das páginas de Junho seguinte, e ainda que não se escrevesse nos manuais para os (escassos) irmãos poderem aproveitar?

 
Mas não. A 16 de Setembro continuamos sem alguns professores, com horários incompletos, sem saber o que fazer em termos de actividades complementares... e assim se promove a natalidade...

 

Tudo excelentes perguntas.

 

publicado às 09:45

Primeira aula da Carolina na nova escola, primeiro buraco: ainda não há professor de História.

 

Expliquem-me devagarinho, a ver se eu percebo. Se milhares de professores chegam sempre com uma semana de atraso, porque é que não se fazem as colocações uma semana mais cedo?

 

publicado às 10:39


As malditas heranças #1

por João Miguel Tavares, em 20.08.14

Um dos textos mais interessantes que li durante as férias foi este artigo do Washington Post que o Público traduziu no passado domingo: "Por que os muito ricos não estão a dar as suas fortunas aos filhos".

 

A perspectiva do artigo é americana e diz respeito, em primeiro lugar, a multimilionários, mas a ideia contida em todo o texto é algo com que me identifico muito, e que está resumida na perfeição numa frase famosa de Warren Buffett, sobre o montante ideal para deixar aos filhos:

 

"Enough money so that they would feel they could do anything, but not so much that they could do nothing."

 

Em português não é tão bonito:

 

"O dinheiro suficiente para que possam fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para que possam não fazer nada."

 

Sendo a América um país onde o Estado é olhado com desconfiança e onde as pessoas sentem que têm obrigações para com a sociedade, a questão do que fazer com as quantidades astronómicas de dinheiro que um Warren Buffett ou um Bill Gates têm à sua disposição ultrapassa largamente qualquer dever de reserva sobre as suas vidas privadas.

 

Até porque um livro tão badalado quanto O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, que muito consideram o livro económico da década, alerta para as perversões do capitalismo actual: se os rendimentos do património (a taxa de remuneração da riqueza) estão efectivamente a crescer, como ele defende, a um ritmo superior ao PIB de uma nação (aos rendimentos do trabalho, para simplificar), isso significa que a simples gestão de riqueza acumulada é mais vantajosa do que uma vida inteira dedicada ao empreendedorismo - o que levanta questões morais muito sérias e coloca em causa o conceito de meritocracia, que é um dos pilares de qualquer sociedade democrática.

 

 

Não se preocupem, que eu não me enganei no blogue, nem vos vou estar a aborrecer com o Piketty. Mas isto, a bem dizer, é pura telenovela e romance do século XIX: significa que casar bem é preferível a arranjar um bom emprego, e que mais vale nascer rico e não fazer nada do que ser remediado e criar uma grande empresa. Os rendimentos do rico, diz Piketty, estão a crescer mais, em média, do que os da grande empresa.

 

O problema, visto já não da perspectiva económica mas da perspectiva paternal e filial, é que não fazer nada "sucks". Não fazer nada não é bom para ninguém - sobretudo, não é bom para os filhos. Regresso ao magnífico artigo de Roxanne Roberts para o Washington Post, onde a famosa Nigella Lawson, uma das mais apetecíveis mamãs do planeta, afirma não ter qualquer intenção de deixar uma grande fortuna aos herdeiros:

 

"Estou determinada a que os meus filhos não tenham segurança financeira. Não precisar de ganhar dinheiro arruina as pessoas."

 

Nigella com a mão na massa. Hummm... 

 

É verdade. Arruina mesmo. E por isso, somos informados que Bill e Melinda Gates planeiam deixar a cada um dos seus três filhos 10 milhões de dólares, o que dá cerca de 7,5 milhões de euros por cabeça. Sim, eu sei que se cada um de nós recebesse 7,5 milhões de euros em herança era capaz de não ficar particularmente zangado. Mas convém esclarecer que a fortuna dos Gates ascende a... 76 mil milhões de dólares, mais de 57 mil milhões de euros. É um terço do PIB inteiro de Portugal em 2013. Portanto, 30 milhões é para aí 0,04% da fortuna deles.

 

E o que é que esta conversa de multimilionários tem a ver connosco, meros remediados? Tem tudo a ver, como tentarei explicar já a seguir. 

 

publicado às 10:36


E agora, uma mãe e psicóloga portuguesa

por João Miguel Tavares, em 10.07.14

O Observador continua a apostar em entrevistas sobre as questões da paternidade, e depois de Carlos González e Eduard Estivill, foi a vez, na semana passada, da psicóloga portuguesa Cristina Valente, a propósito do lançamento do seu livro Coaching Para Pais – Estratégias e ferramentas práticas para educar os nossos filhos.

 

Cristina Valente é assumidamente mais González do que Estivill, e utiliza frases como "a educação tem de ser democrática", que teriam tudo para me pôr os dentes a ranger. Por exemplo: 

 

A pergunta que coloco é: onde fomos buscar a ideia tonta que, para querermos que o miúdo se porte melhor, primeiro temos de o fazer sentir pior? O castigo é algo que humilha o miúdo, enche-o de culpa, de vergonha e de medo. Que relação vamos ter com essa criança para o resto da vida, com base no medo, na insegurança, na culpa e na vergonha?

 

Isto é a teoria das catástrofes aplicada à educação: um "vai já para o teu quarto!" aos seis anos de idade irá causar um adulto inseguro e infeliz. Santo exagero.

 

Ainda assim, cada vez mais tenho a sensação, à medida que vou lendo psicólogos, pediatras e leitores, que estamos frequentemente a falar das mesmas coisas, só que utilizando palavras diferentes. Claro que continua a haver um certo lirismo irritante, patente em respostas como esta: 

 

Mas como devemos reagir quando uma criança se porta mal?
Na altura, não reagimos. Quando um filho se porta mal, o pai também não está muito bem disposto. Duas pessoas mal dispostas, uma em frente à outra… não vai sair nenhuma lição dali. Mas isto depende das situações. Tomemos, por exemplo, uma criança que se porta recorrentemente mal em determinada situação. Eu posso planear com ela antes, numa conversa em que estamos as duas de cabeça fria, quais as consequências dessa acção. No momento em que ela comete o erro, aplica-se a consequência. Mas aplica-se mesmo — há pais que, depois de o dizerem, não o fazem.

 

Ora, esta resposta parece esquecer que a maior parte dos maus comportamentos não são planeados, nem nos dão oportunidade para manter a cabeça fria. A vida não é como os jogos de basquetebol - raramente dá para pedir um "time out". A mim interessa-me pouco traçar cenários que supõem um universo perfeito e ordenado, tipo família do Ruca, onde as birras acontecem à hora certa e nunca ninguém abandona o seu estado zen.

 

Mas em relação ao tema do castigo, que já aqui tanto deu que falar, tenho, de facto, cada vez mais a sensação de que a maior parte das pessoas discorda apenas por razões semânticas. Ora reparem:

 

Qual a diferença entre o castigo e a consequência?
O castigo traz sentimentos negativos. A consequência implica eu dizer à criança “tu és livre de escolher fazer errado e, caso o faças, tens uma consequência”. O castigo, ao contrário da consequência, não tem um valor duradouro. O castigo interrompe, no momento, o mau comportamento. É um facto. Mas não ensina competências. A criança deve ter alguma autonomia, dependendo da idade. É a autonomia que a vai treinar para ser responsável na adolescência.

 

Eu não tenho nada contra isto, e suponho que a maior parte das pessoas também não tenha. Portanto, talvez seja útil, da próxima vez que tivermos, aqui no blogue, uma daquelas sempre animadas discussões sobre autoritarismo e laxismo, começar por definir previamente um glossário, para saber do que estamos a falar.

 

Os fãs da educação positiva podem estar muito rodados neste vocabulário século XXI, mas a maior parte de nós, comuns mortais, continua a gritar "já de castigo!" em vez de "já de consequência!". E, no entanto, a maior parte dos nossos castigos são efectivamente - ou, pelo menos, pretendem ser - "consequências", e não apenas gestos vazios de simples autoritarismo.

 

Aliás, até o desvalorizado castigo "agora senta-te aí a pensar no que fizeste" tem a consequência de levar a criança a reflectir sobre o que fez e a não repetir. Às tantas somos todos bué González e não sabemos.

 

publicado às 08:54


E se ter filhos não for assim tão giro? #7

por João Miguel Tavares, em 29.06.14

Partes IIIIIIIVV e VI. Hoje, a última parte.

 

PARTE VII

 

Significa isto que não há esperança? Tem de haver esperança – ninguém aprecia finais infelizes, nem em filmes, nem em artigos de jornal. Deixem-me então convocar, em meu auxílio, Jennifer Senior, que transformou brilhantemente em livro uma intuição muito simples: andamos há tanto tempo obcecados com o impacto que os pais têm nas crianças, mas esquecemo-nos de analisar decentemente o impacto que as crianças têm nos pais. E então ela foi analisar. O resultado chama-se All Joy and No Fun: The Paradox of Modern Parenthood. O livro tem tido críticas entusiásticas e um imenso sucesso nos Estados Unidos. É inteiramente merecido.

 

 

Jennifer Senior faz no seu livro o que eu tentei modestamente fazer neste artigo: não deixa pedra por levantar na descrição do impacto devastador que as crianças têm nos pais contemporâneos. Ela cita um estudo levado a cabo em 2004, no Texas, por cinco investigadores (incluindo o prémio Nobel Daniel Kahneman, autor do popular Pensar, Depressa e Devagar), que entrevistaram 909 mulheres perguntando-lhes quais eram as actividades que lhes davam maior prazer. Num total de 19 actividades, tomar conta das crianças ficou em 16º. Atrás de ver televisão. De cozinhar. Ou de limpar a casa.

 

A grande questão, que ouço ser colocada do outro lado do papel desde o início do meu texto, é esta: então por que raio é que se tem filhos? E, no meu atípico caso, logo quatro de uma vez (segundo o INE, só 2% das famílias portugueses são constituídas por seis membros ou mais). Senior responde a esta contradição com uma belíssima citação de Os Quatro Amores, de C.S. Lewis (a tradução é minha):

 

Nós alimentamos as crianças para que em breve elas sejam capazes de se alimentar sozinhas; nós ensinamo-las para que em breve não necessitem dos nossos ensinamentos. Uma grande exigência é colocada sobre o Amor-Dádiva [“Gift-Love”, no original, segundo Lewis o tipo de amor característico da relação pai-filho]. Ele tem de trabalhar no sentido da sua própria abdicação.

 

É uma extraordinária definição daquilo a que eu chamei, sem a sensibilidade nem a sapiência de C.S. Lewis, de síndroma de Estocolmo: estamos apaixonados pelos nossos raptores, mas queremos continuar a ser raptados por eles, e não imaginamos o que seria a nossa vida sem esse permanente rapto. Porque, curiosamente, quando os pais são questionados, não sobre o seu presente afobado, mas sobre quais as suas experiências passadas que foram para eles mais recompensadoras, os filhos estão invariavelmente presentes.

 

Isso tem a ver com uma diferença fundamental na percepção humana que o já citado Daniel Kahneman, em Pensar, Depressa e Devagar (o livro está traduzido em português pela Temas e Debates/ Círculo dos Leitores), classifica como experiencing self (o “eu da experiência”) e remembering self (o “eu da memória”). Num resumo apressado, a sua tese é esta: existe uma distância substancial entre o modo como experienciamos algo e o modo como nos recordamos posteriormente dessa experiência.

 

 

Quem tem filhos sabe isto de cor. O que foi uma pequena tragédia no presente (uma refeição em que tudo corre mal, por exemplo) transforma-se meses depois num momento humorístico ao ser recordado em família. É como nas fotografias: a memória ajuda-nos a sorrir e a mostrar os dentes, ainda que no momento em que a máquina fez clique toda a gente pudesse estar farta uma da outra e a portar-se mal.

 

Com frequência, nós não suportamos o nosso presente como pais, mas sabemos que iremos ter saudades dele no futuro. Posso garantir que já foram centenas as pessoas que, diante dos meus recorrentes protestos paternos (eles são mesmo muito recorrentes), me disseram: “Você ainda vai ter saudades disto.” Eu respondo sempre, muito convicto: “Ai não vou, não.” Mas vou, claro. Está escrito em todos os livros.

 

Ser pai, portanto, é insuportável e cada vez mais difícil, enquanto ser solteiro é cada vez mais comum e divertido. Mas como Émile Durkheim, pai da Sociologia, descobriu no distante ano de 1897 ao escrever O Suicídio, as pessoas casadas matam-se menos do que as pessoas solteiras, as pessoas viúvas matam-se mais do que as pessoas casadas mas menos do que as solteiras, e as pessoas com filhos matam-se menos do que todas as outras. Quando um casal tem filhos, diz Durkheim, o “coeficiente de preservação” praticamente duplica. Segundo ele, existe uma relação muito forte entre a formação da família e a preservação da vida.

 

 

Muita da angústia moderna terá a ver, a par de todas as mudanças sociológicas, com o facto de o conceito de “prazer” ter ganho demasiado território ao conceito de “dever”. Mas o conceito de “dever”, como prova Durkheim, está lá, bem enfiado no nosso património genético, e merece ser recuperado, a bem da nossa sanidade mental. Se nós pararmos de acreditar que ter filhos é suposto ser uma coisa divertida, e passarmos a aceitar antes que é uma coisa que deve ser feita, e que nos devolverá no futuro, com juros, aquilo que nos tira no presente, talvez o próprio presente se torne mais fácil de suportar.

 

Em resumo, e avançando para o tal final que se quer feliz: ser pai em 2014 é muito difícil, por vezes desesperamos, e sem dúvida merecemos mais atenção do que aquela que nos tem sido dada. Olhar mais dedicadamente para as angústias da paternidade, exterminar de vez o discurso cor-de-rosa dos bebés cutchi-cutchi, seria uma actividade muito útil e, a bem da propagação da espécie, extremamente proveitosa. Ainda assim, a paixão pelos filhos não diminuiu. Pelo contrário: nunca antes pensámos tanto neles, nunca tivemos tantos problemas de consciência por não estarmos com eles e nunca a nossa vida nos pareceu tão deslocada sem eles. Todos temos consciência disso, a cada minuto do dia. Incluindo naqueles momentos – tão frequentes – em que os nossos filhos nos parecem apenas uns caras de cu.

 

FIM

 

publicado às 10:33


E se ter filhos não for assim tão giro? #6

por João Miguel Tavares, em 28.06.14

Partes IIIIIIIV e V. Hoje, a parte VI.

 

PARTE VI

 

Aquilo que se pode ler acerca das motivações do estudo The New Dad é música para os ouvidos de um pai cansado e farto de protestar por atenção:

 

Assim como tem sido importante avaliar os desafios enfrentados pelas mães trabalhadoras, é importante avaliar os desafios com que os pais trabalhadores se confrontam e reflectir nas mudanças significativas em termos de atitudes e expectativas que têm ocorrido. A nossa pesquisa mostra que o novo pai contradiz os velhos estereótipos do pai workaholic e ausente, somente focado na sua carreira, cujo contributo para a família se limita ao de ganha-pão e cujo sucesso é definido exclusivamente pelas promoções no trabalho. Enquanto os programas de televisão e os media continuam em insistir em catalogar os pais como ineptos e desajeitados cuidadores, desligados das preocupações do dia-a-dia das suas famílias, o nosso trabalho sugere algo completamente diferente.

 

 

Aleluia, aleluia. E o que esse trabalho sugere mostra bem o desafio colossal da paternidade contemporânea. Mais de 70% dos cerca de dois mil pais inquiridos considera ser seu dever “simultaneamente cuidar dos filhos e ganhar dinheiro para os sustentar”. E quando questionados sobre quais são as características de um bom pai, aquelas que aparecem destacadas são estas: “providenciar amor e suporte emocional” e “estar presente e envolvido na vida dos seus filhos”.

 

 

Parece óptimo, correcto? Correcto. O problema está em como compatibilizar este sentimento século XXI com a manutenção das mesmas ambições profissionais de 1980. E é aí que o homo familiaris de 2014 frequentemente soçobra. O estudo chama a esta atitude “myth of having it all” – o desejo de os novos pais terem tudo ou, à boa maneira portuguesa, quererem ficar com o bolo e comê-lo. Os pais desejam estar mais tempo em casa e 86% concordam com a afirmação “Os meus filhos são a grande prioridade da minha vida”, só que 76% ambicionam ao mesmo tempo subir na hierarquia da sua empresa. Como compatibilizar uma coisa com a outra? Não é fácil.

 

É tão difícil, aliás, que a consequência disso é existir, em simultâneo, uma enorme disparidade entre o tempo que os pais gostariam de dedicar à família e o tempo que efectivamente dedicam. São pais em permanente falha: quando estão em casa sentem que deveriam estar a dedicar mais tempo ao trabalho, e quando estão no trabalho sentem que deveriam estar mais tempo em casa. (Isto para não falar no tempo em que desejam apenas estar sozinhos.)

 

Este sentimento não é exclusivo dos homens, obviamente – mas, ao contrário do que acontecia há 30 anos, é hoje em dia muito mais acentuado nos homens do que nas mulheres. A percentagem de progenitores que assume sentir um intenso conflito entre vida e trabalho é actualmente de 60% para os pais e de 45% para as mães. Em 1977, somente 35% dos pais assumiam esse conflito, contra 40% das mães. Ambas as percentagens subiram. Mas a dos pais subiu muitíssimo mais. A nossa consciência está a dar cabo de nós. Não espanta, por isso, que um dos estudos no âmbito do programa “The New Dad” tenha como subtítulo Caring, Committed and ConflictedCuidador, Comprometido e em Conflito. Os três C que resumem na perfeição o imbróglio em que os novos pais estão enfiados.

 

Falo por mim. Os famosos versos de António Variações – “Estou bem/ Aonde eu não estou/ Porque eu só quero ir/ Aonde eu não vou” – são o hino da minha vida. E a isso acrescento esta queixa: enquanto a vida da mãe é frequentemente um inferno, mas toda a gente sabe, a vida do pai é um inferno idêntico, mas parece que ninguém liga. Nós, homens, continuamos a levar com o preconceito generalizado de não fazermos nenhum em casa – o que poderia ser absolutamente verdade há 30 ou 40 anos, mas é absolutamente falso em 2014.

 

 

Começam a perceber porque é que precisamos tanto das piadas de Louis C.K. (e porque é que Louis C.K. precisa tanto de fazer aquelas piadas)? É simples: porque precisamos de alguém que nos compreenda. Precisamos de nos rir das frustrações constantes do dia-a-dia. Precisamos – lá está – desabafar. Não é que não adoremos os nossos filhos. Claro que adoramos os nossos filhos. Toda a gente adora os filhos. Só que frequentemente sentimos que é uma coisa tipo síndroma de Estocolmo: estamos apaixonados pelos nossos raptores. 


(Parte VI de VII. Conclui amanhã.)

 

publicado às 22:19


E se ter filhos não for assim tão giro? #5

por João Miguel Tavares, em 27.06.14

Partes IIIIII e IV. Hoje, a parte V.

 

PARTE V

 

Sim, a vida dos pais. A nossa vida. Nós. Homens. Gajos. Os tipos que se riem com as piadas do Louis C.K. e o Go the Fuck to Sleep de Adam Mansbach. Por que raio é que tão pouca gente pensa nas nossas naturalíssimas crises existenciais perante a total reconfiguração da lógica familiar contemporânea? Porque é que tanta gente tem dificuldade em perceber que nós partilhamos as mesmas angústias das mães (ou pior: outras angústias, menos estudadas, já que a academia e o jornalismo lhes liga pouco), e que da mesma forma que o mundo das mulheres mudou radicalmente quando elas saíram de casa, o mundo dos homens mudou radicalmente quando eles entraram em casa?

 

 

Atenção: não entraram em casa para se estenderem no sofá e pedir à esposa para ir buscar uma cerveja ao frigorífico. Entraram em casa para dar banho aos filhos, para dar de jantar aos filhos, para estudar com os filhos, para deitar os filhos, para executar todas aquelas tarefas que durante 200 mil anos, desde o aparecimento do tal homo sapiens, nunca haviam sido tarefa sua. Nós, homens, que estamos geneticamente programados para caçar mamutes, acabámos elefantes no meio da sala – e ninguém parece reparar em nós.

 

 

São muito poucos – escandalosamente poucos – os estudos que se preocupam em analisar o papel do pai na família moderna. Em 2001, Leonor Segurado Balancho publicou em Portugal uma tese de mestrado intitulada O Novo Papel do Pai na Educação dos Filhos: Coparentalidade e Diferenciação, à qual se seguiu, dois anos depois, um pequeno livro na Editorial Presença chamado Ser Pai, Hoje. O facto de esse livro já ir na sua nona edição confirma que ser pai hoje é mesmo um problema.

 

Desde logo, há a questão básica do tempo que o pai passa dentro de casa. Informa a autora:

 

Nos anos 60, nos países ocidentais, os pais das crianças com menos de cinco anos passavam em média, diariamente, 12 minutos com elas; em meados dos anos 70 esse número aumentava para 17 minutos, e estava em 43 minutos diários nos anos 80. Os valores mais recentes mostram que o nível de interacção se elevava, nos finais dos anos 90, a cerca de 2-3 horas por dia, correspondentes a dois quintos do tempo passado pelas mães.

 

 

O resultado dessa presença crescente é a alteração do papel do pai, de disciplinador a cuidador, de simples ganha-pão familiar a fonte indispensável de afectividade. O livro de Leonor Segurado Balancho é sobretudo didáctico e, em certo sentido, paternalista: ela identifica o papel eficaz do pai moderno e estimula o macho ibérico a adaptar-se a ele. Mas o mais interessante não é isso – é identificar que impactos essa presença causa nos pais e a forma como o novo papel doméstico modifica as suas próprias expectativas de vida.

 

E para sabermos isso, temos de viajar novamente até à América, e em particular até ao Center of Work & Family do Boston Colegge (uma universidade privada propriedade dos Jesuítas), departamento onde em 2009 começou a ser realizado o pioneiro estudo The New Dad, que logo na primeira frase da introdução clarifica aquilo que realmente está em causa: “Nos lares da América, os pais iniciaram uma revolução silenciosa.” Finalmente, alguém nos dá a devida importância. Até porque não foi só nos lares da América.


(Parte V de VII. Continua amanhã.)

 

publicado às 09:39


Vamos todos para o divã?

por João Miguel Tavares, em 26.06.14

Quanto mais eu leio os comentários da Maria, da Helena, da Sofia e de tanta gente que tem a simpatia de vir opinar sobre palmadas e boa educação para este blogue, mais sou invadido pela sensação de que nós não estamos a falar dos nossos filhos - estamos a falar de nós próprios e das nossas infâncias. Estamos, de alguma forma, a ajustar contas com o nosso passado, numa espécie de "diz-me o que te fizeram e eu dir-te-ei quem és".

 

Para que não haja equívocos: eu não me estou a pôr fora disso. Não tenho pretensões de pairar acima dos outros. Acho apenas que o sacana do Freud tem razão - está quase tudo lá, na nossa infância, é lá que devemos procurar a justificação para as nossas forças e para as nossas fraquezas, e para tantos dos nossos gestos como pais. Até porque se há livros de pediatria para todos os gostos, é porque a sua função fundamental não é aconselhar-nos a educar os filhos - é serem espelhos de nós próprios, obras especializadas onde vamos procurar argumentos para sustentar as convicções que já temos à partida. 

 

publicado às 10:29



Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



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