Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Depois de ter descoberto graças as estes dois posts, e para meu grande espanto, que 98% da população portuguesa entre os 35 e os 45 anos conhece a Enciclopédia da Vida Sexual editada pela Bertrand na década de 70, uma leitora perguntou-me na caixa de comentários o que é que eu achava do filme Então É Assim, sobre educação sexual das crianças, e que mostra (mesmo) como fazer filhinhos.

 

Eu não conhecia o filme, mas um leitor respondeu:

 

Sou professor do 1º ciclo e digo-lhe que, na minha opinião, se o seu filho vir o filme já não vai aprender grande coisa, pois com 11 anos esses assuntos já foram mais que falados e debatidos entre colegas e na escola.

 

Fiquei com curiosidade, e descobri o filme no YouTube em versão portuguesa (passou na RTP2 às oito da noite, com aviso aos pais). Tem cerca de 17 minutos, para quem estiver interessado. Cá vai mais uma possível infracção aos direitos de autor:

 

 

 

O filme é de 1990 e - como não poderia deixar de ser - foi feito na Dinamarca. Escrito e realizado por Liller Moller, é o último opus de uma trilogia dedicada ao sexo realizada por Moller e utilizada nas escolas da Escandinávia.

 

Eu, por defeito de formação e muitos anos a escrever sobre cinema, tenho logo à partida um problema com filmes animados feitos em vão de escada. A animação de Então É Assim é mesmo muito má, ao que se junta aquela dobragem portuguesa infantilóide que consiste em arranjar uma senhora que faça voz de bebé, para assim supostamente imitar criancinhas. Um dia tenho de escrever um post sobre isso - qualquer imitação de voz de bebé por parte de um adulto deveria ser proibida quando dirigida a crianças com idade superior a dois anos. Para mim, é tratar os miúdos como se fossem atrasados mentais. Mas enfim, não me quero dispersar - até porque ninguém irá ver o filme por deleite estético.

 

Em relação ao seu conteúdo, devo confessar-me relativamente espantado: não há nada como um filme de educação sexual dinamarquês para nos fazer sentir retrógrados e conservadores. Não acho, de facto, que fosse mostrar Então É Assim a um filho meu na idade em que ele é suposto ser mostrado - diria que é coisa para 12 ou 13 anos, mas quando se chega aos 12 ou 13 anos provavelmente já não se precisa de ver aquilo (e as vozes de bebé ainda fazem menos sentido).

 

Diálogos como "o pénis dele está duro e ela começa a ficar húmida" vão a um detalhe da mecânica da coisa que me parece escusada, tal como o delirante Kamasutra que começa por volta dos oito minutos de filme e que até mete mamas a badalar (a sério). Se se começa a apresentar a criança à lubrificação e à manipulação de mamilos, por que não avançar, já agora, para o conceito de 69 ou para a diferença entre felatio e cunnilingus?

 

Mais: a obsessão pedófila do início do filme é um bocadinho assustadora. "O que é que tu fazias se um crescido abusasse de ti?", pergunta-se a certa altura. Por favor. Felizmente, 99,9% das crianças não serão sequer vagamente expostas à pedofilia, e o filme parece desvalorizar a importância do conceito de TMI na infância.

 

"TMI", para quem não sabe, significa "too much information" - demasiada informação. A educação é progressiva, existe uma idade certa para aprender as coisas, e portanto não vale a pena puxar um filho para o lado para lhe explicar, aos oito anos de idade e junto à televisão, o que é a pedofilia e porque é que é tão divertido pinar.

 

Porque tem algum mal ele saber isso? Não - mas só se lhe apetecer. Se não lhe apetecer, uma conversa dessas necessariamente sobrevaloriza aquilo que para ele não chega sequer a ser uma curiosidade. Ou seja, eu acho óptimo os pais terem uma grande abertura para falar com os filhos sobre tudo. Aliás, se os pais forem apanhados pelos filhos no truca-truca (há sempre uma altíssima probabilidade de tal vir a acontecer, como todos sabemos), não terão outro remédio se não explicar-lhes o que é aquilo, até porque visto de fora, por uma criança pequena, o acto sexual parece violento e os ruídos de prazer podem facilmente confundir-se com dor.

 

Mas uma coisa é estar disponível para falar sobre isso. Outra, bem diferente, é colocar os filhos a ver um filme para eles aprenderem sozinhos aquilo que para os pais parece muitas vezes embaraçoso explicar. É assim que se cai no TMI - eu não quero explicar a um puto de oito anos, via filme dinamarquês foleiro, o que é a lubrificação ou a pedofilia. Quero, isso sim, que ele se sinta suficientemente à vontade comigo para me perguntar o que isso é se, por acaso, quiser saber, porque ouviu na escola ou nas notícias.

 

O sexo é como a matemática ou o português: primeiro aprende-se o alfabeto e as contas fáceis, mais tarde evolui-se para as equações e para os tempos verbais. Então É Assim parece-me querer explicar o que é uma raiz cúbica a um puto que ainda só tem dentes de leite. Definitivamente TMI. Ou então sou eu que estou a ficar velhinho.

 

publicado às 10:13



Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios


Posts mais comentados


Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D