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Hoje estreia-se em Portugal o novo filme de Jonathan Glazer, chamado Debaixo da Pele. É um momento alto para todos os gajos que gostam de cinema, pela razão mais profundamente cinéfila de todas: é a primeira vez que Scarlett Johansson aparece nua (tirando aquelas fotos sacadas do seu telemóvel que andaram a circular pela net).

 

 

Não podem imaginar a quantidade de anos que os cinéfilos aguardaram por este momento. Afinal, a Scarlett é a Scarlett, e não havia ninguém, desde os tempos do cinema clássico americano e do código Hays, a fazer tantos papéis insinuantes e sedutores que tirasse tão poucas vezes a roupa. Vai daí, algumas imagens do filme de Glazer (adivinhem quais) começaram, ainda antes de o filme ter estreado, a aparecer em sites de... eeerh.... jornais respeitáveis, que são obviamente os únicos que eu frequento, como, por exemplo, o Jornal do Brasil.

 

Ora, já devidamente documentado sobre o conteúdo do filme, estava eu a conversar com um amigo sobre o tema em apreço quando ele, para meu grande espanto, se mostrou profundamente desiludido com o que viu. "Tantos anos à espera disto e, afinal, ela tem um corpo perfeitamente banal." Já não me recordo se ele disse "banal" ou "normal". "Mais valia não se ter despido", acrescentou.

 

 

 

Poderíamos discutir aqui que o verdadeiro voyeur - como o é qualquer bom cinéfilo, diria eu (já referi de passagem esse tema neste meu post sobre as cortinas) - é movido pelo desejo simplesmente de ver e não necessariamente de gostar do que vê, mas isso seria longa conversa, que fica para outro dia.

 

O que me interessa aqui é recusar essa ideia de que o "banal" (ou o "normal") é desprovido de graça e, como tal, é preferível ficar escondido, camuflado, porque o cinema é território exclusivo do 86-60-86. No meu caso particular, isso não poderia estar mais longe da verdade. Nada, ou quase nada, tem mais graça do que a girl next door; e nada, ou quase nada, é tão erótico quanto o poder da transformação de uma mulher. Ou seja, a questão não está naquilo que ela é, mas naquilo em que ela se pode tornar - e quanto mais se consegue alargar essa distância, maior é a força do glamour e o poder de sedução. 

 

O que para mim é realmente fascinante - deve ser por isso que sou tão dado à monogamia - é ver esse poder de transformação numa mesma mulher; a capacidade de se multiplicar a si própria. Eu odeio o modelo Barbie, porque a Barbie é sempre a Barbie, mesmo que mude de roupa. A Scarlett tem muitas Scarletts dentro de si (o sacana do Hitchcock, talvez o maior badalhoco da história do cinema - no bom sentido da palavra -, topou tudo isto há muito, porque a minha argumentação, não sei se notaram, começou na Janela Indiscreta e agora está no Vertigo).

 

Eu reparei pela primeira vez a sério na Scarlett Johansson num filme de 2001 chamado Ghost World, excelente adaptação pelo Terry Zwigoff de um livro de BD que eu adoro, do Daniel Clowes. E o seu papel no filme estava muito longe de ser sedutor. Era, sobretudo, uma adolescente complicada. Scarlett, a verdadeira, tinha na altura 17 anos.

 

 

Não é que estejamos perante uma rapariga feia. Ela sempre foi bonita. Mas estamos, precisamente, perante uma rapariga normal, como pode ser comprovado por algumas das suas fotos antigas:

 

 

 Passar daquilo que podemos ver em cima para aquilo que podemos ver em baixo...

 

 

 

é passar do normal para o extraordinário. E essa passagem é uma construção, como é óbvio.

 

Ainda recentemente, no número de Março da Vanity Fair, dedicado, como habitualmente, a Hollywood, o fotógrafo Chuck Close fez vários retratos de estrelas do cinema e da televisão, supostamente sem maquilhagem (digo "supostamente" porque acho que não é verdade que todos eles estejam sem maquilhagem, e porque, de qualquer forma, a iluminação é a melhor maquilhagem que um actor ou uma actriz podem ter, e essa está bem presente). Scarlett Johansson estava no grupo dos fotografados, tal como Kate Winslet:

 

 

E lá está, voltam as pessoas normais, as girl ou women next door (Winslet, aliás, sempre foi para mim um extraordinário exemplo de enorme sedução dentro da absoluta normalidade física). E para o caso de, afinal, sempre haver para aí uma senhora a ler este post, tomem lá o Brad Pitt de borla, nessa mesma sessão:

 

 

Visto realmente de perto, e mais ou menos descomposto, ninguém é assim tão bonito. E os anos notam-se bastante mais.

 

O que o meu amigo me diz, quando finalmente vê a Scarlett nua, é que a tal construção não corresponde à realidade. E que, assim sendo, prefere ver só a construção, e dispensa bem a exibição de um corpo normal. Eu não posso estar mais em desacordo. A distância que vai da mais despida realidade àquilo que se costuma ver nas fotos produzidas ou nos seus filmes desperta em mim um outro tipo de entusiasmo - não o da perfeição, como é óbvio, mas o da metamorfose; essa capacidade que qualquer ser humano tem em parecer outro, continuando a ser o mesmo.

 

Porque é que isso é tão importante para mim? Voltamos à monogamia: quando se ama alguém é possível que o outro nos vá aparecendo renovado. Eis uma pergunta recorrente de solteiros e divorciados: como manter o erotismo aceso em relações que se prolongam tanto no tempo e onde os corpos já parecem ter sido tão explorados? Resposta (minha): porque há, de facto, um poder de transformação feminino capaz de nos acelerar a circulação hormonal com gestos muito simples. Pode ser uma nova maquilhagem, uma nova saia, uns novos óculos, um novo corte de cabelo, ou simplesmente um novo pijama. Sim, um pijama, que até pode ser de flanela, ter malmequeres e ser altamente foleiro - só que é novo, é inesperado, é surpreendente e, por isso, naquele momento, é bom.

 

Quando o meu amigo vê a Scarlett nua, fica muito triste por ela não ser tão bonita quanto imaginava. Mas nenhum de nós vai dormir com a Scarlett Johansson. Por isso, quando a vejo nua e ela não é tão perfeita quanto eu a imaginava, fico contentíssimo: significa que uma alta percentagem da Scarlett é produção, e não natureza. E isso é óptimo, porque quanto à natureza não podemos fazer nada, mas quanto à produção podemos fazer alguma coisa. Nua, a Scarlett aproxima-se de nós e nós dela, e compreendemos, de alguma forma, que os nossos objectos de desejo não são tão longínquos quanto pensávamos. E isso é bom.

 

Pronto, era só isto que eu queria dizer. E posso garantir-vos que esta é a argumentação mais rebuscada que alguma vez produzi só para justificar o prazer de ver uma gaja nua.

  

publicado às 13:34


20 comentários

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De Caco a 09.05.2014 às 15:22

O poder de uma gaja boa, daquelas bem boas, nunca é de menosprezar. Usei esse método ontem lá no Caco, a fim de pôr em marcha a missão de captar audiência masculina e funcionou lindamente. Só posso aconselhar.
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De Bruxa Mimi a 09.05.2014 às 23:15

Com o comentário aqui também captou um elemento feminino...

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