Como se não bastasse ter de arrastar quatro putos até ao litoral alentejano, num monovolume com malas até ao tecto, eis que a nossa última
viagem em família foi acompanhada de uma caixa de sapatos furada. Com o quê lá dentro? Eu sei que vocês já adivinharam. Sim, bichos da seda.
Eu adorava bichos da seda quando era pequenino. Mas entretanto aprendi a odiá-los, desde que se tornou obrigação dar-lhes hospedagem doméstica a cada Primavera. Primeiro, era só em casa. Mas agora também já fazem excursões: eis a nossa simpática família de 10 bichos da seda, em pleno Zmar. Ainda bem que eles foram introduzidos clandestinamente na nossa Zvilla - de outra forma, cobrar-nos-iam a estada.
E pergunta o caro leitor muito inteligentemente: mas por que raio foram vocês acartar com uma dezena de lagartas para o Alentejo? Boa pergunta. Fomos acartar com lagartas porque sexta à tarde já não havia mantimentos para os bichos, que são muito dados ao alimento. Donde, não os pudemos deixar à míngua durante dois dias inteiros. E assim, na sexta-feira, antes de sairmos de Lisboa, a excelentíssima esposa e o excelentíssimo esposo tiveram de andar à cata de folhas de amoreira, já com os putos todos enfiados no carro.
Ora, eu percebo tanto de árvores como de bilhar às três tabelas (minto: percebo mais de bilhar às três tabelas), de modo que preciso sempre de ser assistido nessa nobre tarefa de descobrir que raio é uma amoreira, antes que envenene os bichos com uma folha de qualquercoiseira. Felizmente, a excelentíssima esposa não só parece ter descoberto o que era uma amoreira após investigar o assunto (nem imaginam como acho isso admirável), como vislumbrou um espécimen perdido a um quarteirão da nossa casa.
Claro que quando chegou a altura de atacar a folha da única amoreira na zona da Avenida de Roma, adivinhem a quem coube a tarefa? Ah, pois. E então, estava eu em pleno processo de gamar folhas de amoreira, já juridicamente indeciso se aquilo era legal ou não (ó juristas que visitam o Pais de Quatro: a malta pode roubar folhas a árvores públicas ou incorremos num qualquer delito?), quando sou verbalmente atacado por uma senhora muito velhinha, acabada de sair de um prédio vizinho da maltratada amoreira.
E a senhora velha começa logo a queixar-se, brandindo a bengala. Que as pessoas estragavam a pobre amoreira, que aquilo era uma vergonha, coitadinha da árvore, tão raquítica e tantas vezes transformada em banco alimentar. Eu pedi imensa desculpa e tentei confundir a velhinha com um paradoxo existencial: está bem que a árvore não gosta que lhe tirem as folhas, mas se as folhas não lhe forem tiradas, do que é que se alimenta um bicho da seda? O que vale mais aos olhos da Deus: uma família de bichos da seda famintos ou uma amoreira aliviada de uma dúzia de folhas?
Mas já se sabe: as velhinhas, embora com certa queda para a filosofia, não são muito dadas a este género de reflexões. Razão pela qual ela se afastou a resmungar e a chamar-me nomes. Resultado: como se já não me bastasse ter a casa invadida por bichos vegetarianos e bulímicos, ainda vou ter de passar por humilhações sempre que for à procura de comida para eles, espreitando por cima do meu ombro, a ver se não me aparecem mais senhoras velhas. Se ser pai de quatro já é lixadíssimo, por que raio tenho ainda eu de andar a criar lagartas? Que caraças. É que no meio de tanta gente e de tanto bicho, quem está a precisar mais de construir um casulo sou mesmo eu.