Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Por causa dos comentários a este meu post, fiquei a descobrir que terei companhia no dia em que formar a Associação dos Pais Alérgicos a Eduardo Sá (APAES). E dei por mim a matutar: porque é que o pobre homem me irrita tanto se nunca me fez mal? É certo que posso sempre encontrar momentos, como aqui, em que sinto que frases como “brincar sozinho não é brincar, é uma forma de iludir a falta de brincadeiras” são genuinamente falsas - e eu tenho toda a minha infância mais ou menos solitária para o provar. Brincar sozinho não só pode ser maravilhoso, como te ajuda a alargar o teu mundo mental e conduz a tua imaginação para sítios que nunca suspeitaste que ela pudesse ir.
Mas boa parte das vezes eu nem sequer discordo substancialmente daquilo que Eduardo Sá diz. Muitas vezes, até concordo. Acho que aquilo que eu não suporto é mesmo a forma que ele tem de o dizer. Aquele seu tom mavioso, sonolento e adocicado, aquela espécie de falso nirvana vocal, deixa-me doido. Depois, como a cavalo da voz vêm frases que nós escrevíamos nas poesias de oitavo ano - "A frieza é o congelador do desespero" -, ou elaborações gramaticais que nos dão um nó cego no cerebelo - "É certo que quase nada vale por aquilo que parece. E, no entanto, talvez o que pareça valha sobre o quase-nada que lhe falta para ser tudo aquilo que não é" -, a coisa torna-se difícil de suportar. Até porque tudo isto, bem espremido, não exprime coisa nenhuma.
Mas se analisar bem o meu interior para tentar descobrir o quase-nada que me falta para saber tudo aquilo que me leva a querer fundar a APAES, diria que o que tenho mais dificuldade em suportar em Eduardo Sá é aquela sensação de olhar de superioridade sobre as coisas, de quem já pensou muito sobre tudo, e para tudo tem resposta. A frieza desse olhar é o congelador que me leva ao desespero. E porquê? Porque ele parece sempre exterior a tudo aquilo de que fala: a voz quer fazer-se íntima, mas eu sinto-o sempre tão, mas tão distante. É como se ouvisse o barulhinho dos seus mecanismos mentais a funcionar, como se ele estivesse permanentemente em palco. E por isso tudo o que diz me parece ensaiado, mesmo quando concordo com o que está a ser dito.
Coitado do homem. Se calhar é um santo psicólogo, uma pessoa encantadora a quem muitos devem muito, e eu estou a ser profundamente injusto. Eu próprio tenho um blogue (não sei se conhecem) onde passo o tempo inteiro a pregar sobre a minha família, e certamente que de vez em quando também me saem frases poeta-palhaço. Em minha defesa, digo apenas isto: eu, pelo menos, envolvo-me. Digo que erro, que faço treta, que não tenho pachorra para aturar os putos, que estou farto disto. Ponho-me a mim, e à minha vida, nos meus textos. Eduardo Sá não. Ele nunca. Porque ele está sempre a planar, no seu aparelho vocal zen, por cima de todos nós. E pronto. Nestes casos, não há nada a fazer. Apetece-me sempre pegar na fisga, apontar e pau! Sai uma APAES. Posso estar a ser um idiota? Em bom rigor, é perfeitamente possível. E tento nunca me esquecer disso. Mas eu ao menos admito que não sei. Ele não.