por João Miguel Tavares, em 20.03.13
Voltando à história do
pesadelo do Dia do Pai, aquilo que me impressiona quando penso nisso é o facto de a parte mais horrorosa do sonho, aquilo que me fez acordar de susto, não foi a Teresa ter seguido a sua vida, não foi ter-se casado com outro homem, não foi sequer ter tido filhos com ele - foi quando ele e ela começaram a ter uma discussão doméstica à minha frente.
O meu inconsciente malévolo esteve particularmente bem nessa parte. Aquilo que me magoou profundamente não foi a abstracção de "um outro homem" ou de "uma outra vida", projecções relativamente comezinhas, que qualquer pessoa já fez. Foi o concreto de uma discussão doméstica, aquelas discussões totalmente estúpidas que só temos com quem amamos ou com quem odiamos, mas que significam invariavelmente que existe uma enorme percurso em conjunto.
E pensando bem, isto é de um extraordinário engenho: eu revelo a minha maior intimidade com uma pessoa não quando vou para a cama com ela mas quando
discuto com ela. Sabem que mais? É absolutamente verdade. As pessoas até podem ir para a cama com semi-desconhecidos numa
one night stand. O que elas nunca farão é ter discussões idiotas, parvas, irritantes, aquelas discussões que têm escritas no meio da testa muitos-anos-a-virar-frangos-em-conjunto, com quem não conhecem bem.
E é notável olhar para essas discussões não como o resultado de anos e anos de desgaste de uma relação, mas como
manifestações de amor. Quão
twisted pode ser um pesadelo? Altamente
twisted, devo dizer-vos. Eu acordei porque senti um ciúme brutal de uma discussão doméstica. Não do marido dela. Não dos filhos dela. Mas dessa profunda manifestação de intimidade que é permitirmo-nos que a tampa salte com quem vivemos há muito tempo. Foi aí que eu percebi "ela é de outro e não minha". Foi aí que eu percebi que toda a minha vida me fora roubada. E foi aí que eu acordei.