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Fazendo eu parte do grupo de pais que não tem qualquer problema em sacudir o pó a um filho se ele passar dos limites e que, ainda por cima, não sente quaisquer problemas de consciência por causa disso, queria apenas comentar o comentário da Helena Araújo, em dois pontos.
O primeiro ponto é uma resposta a esta pergunta: "Agradeço que me expliquem como dizer a uma criança, de modo que ela possa compreender, que os pais podem bater, mas as crianças não." Essa para mim é muito fácil: basta dizer-lhe simplesmente "eu sou teu pai, tu és meu filho, nós não estamos no mesmo plano, não somos iguais, a nossa casa não é uma democracia, eu mando em ti, tu não mandas em mim, eu posso bater-te se passares das marcas, tu não me podes levantar a mão em circunstância alguma, e vai ser assim até tu seres maior de idade, independente, tomares conta de ti próprio e teres liberdade para deixares esta casa." Simples. Até porque nós, pais, chegamos a velhos mais depressa do que eles, e depois terão inúmeras oportunidades para se vingarem de nós.
Quem me conhece sabe que eu odeio profundamente argumentos de autoridade - mas odeio argumentos de autoridade entre dois adultos, não entre um adulto e uma criança. Numa relação pai-filho parece-me óbvio que a relação de autoridade tem de estar bem estabelecida. É evidente que sempre que pudermos explicar a um filho as razões das nossas acções devemos fazê-lo, e eu faço-o com certeza. Mas chegado a certo ponto de desentendimento, não vou estar a conversar com ele como se eu fosse o primeiro-ministro e ele a Heloísa Apolónia. Uma família não é um Parlamento. Claro que também não deve ser uma ditadura, mas se cá em casa votássemos em relação a tudo (na verdade, até votamos bastante), e colocássemos as crianças no mesmo plano que nós, a barbárie tomaria conta da civilização.
O segundo ponto tem a ver com o comentário final da Helena: "Ao ler o testemunho da Sofia Silva perguntei-me várias vezes 'mas porquê?'
Porque é que a Sofia Silva precisava de fazer tantas asneiras? Porque é que precisava de ser respondona? Parece-me que perguntar-se 'porque é que a criança precisa de fazer isto' é meio caminho andado para encontrar uma solução que a ajude a crescer bem, em vez do pequeno descarrilamento que é a palmada."
Ora bem, aqui eu acho que a Helena entra naquele ardil meio psicoanalítico, meio fé no bom selvagem, que consiste em acreditar que por detrás de cada gesto desregrado existe um trauma escondido, que se for encontrado e devidamente eliminado elevará a criança ao esplendor dos altares. Detecta-se o mal interior, corrige-se com muito amor, e a partir temos um santinho, que levará o resto da sua vida a espalhar o bem pela Terra.
Vai-me desculpar, cara Helena, mas eu acho esta visão extremamente errada - ainda que ela me impressione pela tremenda fé na bondade interior e na racionalidade do homem. A verdade é que eu estou como o Po, a personagem principal do Panda do Kung Fu: não existe ingrediente secreto.
Que é outra forma de dizer: não existe uma determinada forma absolutamente correcta de educar uma criança, um caminho das pedras que conduza à felcidade eterna, uma fórmula geral que possa ser aplicada a todos os miúdos do planeta. E isso por uma razão muito simples: os seres humanos são demasiado complexos para que a sua educação siga uma determina matriz, universalizável, extensível a qualquer alma, independentemente dos seus genes, das suas sinapses, do cocktail químico que corre nas nossas veias, e que é diferente para cada um de nós.
Claro que existem caminhos, soluções partilháveis, aprendizagens que se vão acumulando - de outra forma não precisaríamos de pediatras para nada. Não estou a dizer que não temos nada a ver uns com os outros - estou a dizer que não podemos ser reduzidos a uma solução única, uma pedra filosofal capaz de transformar uma criança problemática num adulto exemplar.
É por isso que a questão da palmada não tem, na minha opinião, uma resposta única e definitiva, aplicável a todo o universo de miúdos. Para alguns, calmos e compreensivos, não é certamente a melhor forma de os educar. Para muitos outros, será um instrumento essencial de disciplina, que os ajudará a crescer mais articulados e com uma noção mais precisa dos seus limites. E por isso, parece-me tão fundamentalista (e não estou a dizer que seja o caso da Helena) aquele que acha que sem umas boas chineladas não há criança que se faça homem, como aquele que acha que uma palmada na hora certa é uma forma de violência doméstica que deve ser punida por lei.