Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Sobre bater (ou não bater) nas crianças #3

por João Miguel Tavares, em 14.10.13

Fazendo eu parte do grupo de pais que não tem qualquer problema em sacudir o pó a um filho se ele passar dos limites e que, ainda por cima, não sente quaisquer problemas de consciência por causa disso, queria apenas comentar o comentário da Helena Araújo, em dois pontos.

 

O primeiro ponto é uma resposta a esta pergunta: "Agradeço que me expliquem como dizer a uma criança, de modo que ela possa compreender, que os pais podem bater, mas as crianças não." Essa para mim é muito fácil: basta dizer-lhe simplesmente "eu sou teu pai, tu és meu filho, nós não estamos no mesmo plano, não somos iguais, a nossa casa não é uma democracia, eu mando em ti, tu não mandas em mim, eu posso bater-te se passares das marcas, tu não me podes levantar a mão em circunstância alguma, e vai ser assim até tu seres maior de idade, independente, tomares conta de ti próprio e teres liberdade para deixares esta casa." Simples. Até porque nós, pais, chegamos a velhos mais depressa do que eles, e depois terão inúmeras oportunidades para se vingarem de nós.

 

Quem me conhece sabe que eu odeio profundamente argumentos de autoridade - mas odeio argumentos de autoridade entre dois adultos, não entre um adulto e uma criança. Numa relação pai-filho parece-me óbvio que a relação de autoridade tem de estar bem estabelecida. É evidente que sempre que pudermos explicar a um filho as razões das nossas acções devemos fazê-lo, e eu faço-o com certeza. Mas chegado a certo ponto de desentendimento, não vou estar a conversar com ele como se eu fosse o primeiro-ministro e ele a Heloísa Apolónia. Uma família não é um Parlamento. Claro que também não deve ser uma ditadura, mas se cá em casa votássemos em relação a tudo (na verdade, até votamos bastante), e colocássemos as crianças no mesmo plano que nós, a barbárie tomaria conta da civilização.

 

O segundo ponto tem a ver com o comentário final da Helena: "Ao ler o testemunho da Sofia Silva perguntei-me várias vezes 'mas porquê?' 
Porque é que a Sofia Silva precisava de fazer tantas asneiras? Porque é que precisava de ser respondona? Parece-me que perguntar-se 'porque é que a criança precisa de fazer isto' é meio caminho andado para encontrar uma solução que a ajude a crescer bem, em vez do pequeno descarrilamento que é a palmada."

 

Ora bem, aqui eu acho que a Helena entra naquele ardil meio psicoanalítico, meio fé no bom selvagem, que consiste em acreditar que por detrás de cada gesto desregrado existe um trauma escondido, que se for encontrado e devidamente eliminado elevará a criança ao esplendor dos altares. Detecta-se o mal interior, corrige-se com muito amor, e a partir temos um santinho, que levará o resto da sua vida a espalhar o bem pela Terra.

 

Vai-me desculpar, cara Helena, mas eu acho esta visão extremamente errada - ainda que ela me impressione pela tremenda fé na bondade interior e na racionalidade do homem. A verdade é que eu estou como o Po, a personagem principal do Panda do Kung Fu: não existe ingrediente secreto.

 

 

Que é outra forma de dizer: não existe uma determinada forma absolutamente correcta de educar uma criança, um caminho das pedras que conduza à felcidade eterna, uma fórmula geral que possa ser aplicada a todos os miúdos do planeta. E isso por uma razão muito simples: os seres humanos são demasiado complexos para que a sua educação siga uma determina matriz, universalizável, extensível a qualquer alma, independentemente dos seus genes, das suas sinapses, do cocktail químico que corre nas nossas veias, e que é diferente para cada um de nós.

 

Claro que existem caminhos, soluções partilháveis, aprendizagens que se vão acumulando - de outra forma não precisaríamos de pediatras para nada. Não estou a dizer que não temos nada a ver uns com os outros - estou a dizer que não podemos ser reduzidos a uma solução única, uma pedra filosofal capaz de transformar uma criança problemática num adulto exemplar.

 

É por isso que a questão da palmada não tem, na minha opinião, uma resposta única e definitiva, aplicável a todo o universo de miúdos. Para alguns, calmos e compreensivos, não é certamente a melhor forma de os educar. Para muitos outros, será um instrumento essencial de disciplina, que os ajudará a crescer mais articulados e com uma noção mais precisa dos seus limites. E por isso, parece-me tão fundamentalista (e não estou a dizer que seja o caso da Helena) aquele que acha que sem umas boas chineladas não há criança que se faça homem, como aquele que acha que uma palmada na hora certa é uma forma de violência doméstica que deve ser punida por lei.

 

publicado às 11:02


118 comentários

Imagem de perfil

De maria fonseca a 04.02.2014 às 14:49

Li sobre as palmadas e gostaria de partilhar uma história: na minha rua havia uma gata com uma ninhada, fui toda arranhada por ela porque o meu cão resolveu investigar as “crianças” e depois escondeu-se atrás de mim, foi perdoada. Era admirável, defendia , brincava e ensinava-os a caçar mas quando eles exageravam dava-lhes sapatadas muito bem aplicadas. Tenho 3 filhos entre os 20 e os 28 anos levaram mais palmadas depois dos 18 anos que antes. Para mim só ensinamos até eles apanharem transportes públicos sozinhos depois é repetir tudo até eles saírem de casa. Nunca fui a amiga fui sempre a mãe, a que manda , apoia e perdoa. Sem ofensa para ninguém os filhos, os cães e os doentes (também sou médica) necessitam de poucas ordens curtas e claras. Boa sorte.

Comentar post




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D