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As marcas da maternidade

por João Miguel Tavares, em 24.10.13

Há algum tempo que eu queria falar do A Beautiful Body Project, depois de ter visto esta notícia no Público:

 


O projecto "A Beautiful Body Project" começa com [esta] imagem, feita num estúdio em Tucson, no estado norte-americano do Arizona, a fotógrafa Jade Beall aponta a objectiva para a barriga de uma amiga. É um ventre flácido, amorosamente abraçado por duas crianças. Quando publicada nas redes sociais, a fotografia atraiu a atenção de "centenas de milhares de mulheres que também estavam dispostas a partilhar as histórias de vida dos seus corpos", lê-se na página oficial do projecto. Foram tantos os e-mails que Jade recebeu que se tornou óbvia a decisão de transformar a ideia num livro. Assim nasceu o "A Beautiful Body Book Project", uma série de livros cujo primeiro volume, dedicado à maternidade, já está disponível para encomenda. O objectivo? "Este projecto pretende redefinir o que é bonito. Os nossos corpos. Nós próprias. O nosso mundo. As nossas famílias. Nós somos bonitas." A.A.S.


Quando vamos ao site e vemos as fotografias, nem todas são igualmente interessantes, e por vezes não é fácil, tanto em termos estéticos como éticos, encontrar a linha que separa a celebração da maternidade - que a foto de cima tão extraordinariamente homenageia, na minha opinião - e a exibição gratuita da decadência de um corpo.

 

Mas, ainda assim, esta ideia que preside ao projecto, de contar a história de corpos femininos que ostentam as marcas da maternidade e os efeitos que a gestação de uma vida invariavelmente provoca, parece-me profundamente bela. E, sobretudo, tem a coragem de ir contra a obsessão da perfeição corporal que domina todo o espaço mediático.

 

Não me entendam mal: eu festejo efusivamente o facto de hoje em dia cada vez mais mães terem cuidado com os seus corpos, tal como festejo o facto de o infantários dos mais pequenos e a escola dos maiores estarem cheios de mães super-boas, mesmo arrastando pela mão uma carrada de filhos. Isso é, sem dúvida, um ganho indiscutível para a saúde sexual do planeta.

 

Mas mesmo numa mulher que volta a ser magra, as marcas da maternidade na maior parte das vezes ficam lá: nas estrias, nas varizes, na barriguinha que permanece, no peito que cai, na cicatriz de uma cesariana. E são estas marcas, que em vez de serem causa de tristeza para as mulheres (e para os homens) num mundo obcecado por Barbies, devem ser um profundo motivo de orgulho - elas são, afinal, os vestígios de uma vida vivida e de uma vida gerada; são traços da nossa passagem pelo planeta, são outras linhas da vida, como as das palmas das nossas mãos.

 

É possível que quem olhe de fora para o corpo de uma mulher que foi mãe possa dizer "ela já foi mais bonita". Mas eu gosto de olhar para estas fotos e para o corpo destas mulheres e imaginar um caminho percorrido a dois, e depois a três, e depois a quatro, e depois a cinco, e depois (como no meu caso) a seis. E o corpo destas mulheres - tal como o meu corpo, já agora -, são um reflexo dessa estrada - cada pisadela, cada estria, cada cicatriz não são imperfeições. São um mapa de afectos, inabaláveis provas físicas de que chegámos até aqui. E - sobretudo - de que valeu muito a pena.



publicado às 10:04


17 comentários

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De mario pereira a 25.10.2013 às 15:19

texto muito bem escrito e muito bonito,se há coisa que me entristece é ver as mulheres de hoje carragadas de maquilhagens (ao que eu chamo cimento), de botox, de tinta das mais variadas cores e tudo para quê para ficarem como se fossem uma boneca, pura ilusão essas mulheres não pensam! não conseguem ver que quando se tira tudo isso continuam a ser as mesmas mulheres de sempre, a beleza está dentro de cada um não é a imagem exterior que dita as regras, para mim as mulheres são sempre belas,estou casado há 38 anos e a minha mulher continua bela como sempre, com alguns traços da idade mas é normal a vida é assim mesmo, tambem já foi mãe e eu continuo a adora-la, para quê tentar mudar aquilo que a natureza nos deu, na minha rua mora uma senhora que já tem a agradavel idade de 91 anos, muitas veses fico a ve-la passará minha porta e dá-me prazer ver uma senhora desta idade que conserva a sua belesa natural e penso muitas veses esta senhora quando era jovem era sem duvida lindissima, hoje com a idade que tem continua com os mesmos traços de beleza, alguem disse aqui num comentario que mais parecem Barbies, pois a mim parecem-me ridiculas por quererem ser o que na realidade não são,continua João
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De Ana a 25.10.2013 às 13:34

Agradeço por este texto.
Uma mãe com uma "bela barrigota" depois de duas princesas ;-)
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De ana a 24.10.2013 às 21:35

Gostei.
Leio o que escreve desde o seu texto aquando do nascimento do seu 1º rebento.
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De ana rute cavaco a 24.10.2013 às 21:10

e com esta, inauguras um clube de fãs.
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De Teresa Muge a 24.10.2013 às 19:15

Sarah
(letra e música: Georges Moustaki)

La femme qui est dans mon lit
N'a plus vingt ans depuis longtemps
Les yeux cernés par les années
Par les amours au jour le jour
La bouche usée par les baisers
Trop souvent mais trop mal donnés
Le teint blafard malgré le fard
Plus pâle qu'une tache de lune

La femme qui est dans mon lit
N'a plus vingt ans depuis longtemps
Les seins trop lourds de trop d'amours
Ne portent pas le nom d'appâts
Le corps lassé trop caressé
Trop souvent mais trop mal aimé
Le dos voûté semble porter
Les souvenirs qu'elle a dû fuir

La femme qui est dans mon lit
N'a plus vingt ans depuis longtemps
Ne riez pas n'y touchez pas
Gardez vos larmes et vos sarcasmes
Lorsque la nuit nous réunit
Son corps, ses mains s'offrent aux miens
Et c'est son coeur couvert de pleurs
Et de blessures qui me rassure
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De João Miguel Tavares a 24.10.2013 às 20:50

Muito bonito, Teresa. Não conhecia. Obrigado.
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De ana a 24.10.2013 às 15:51

Eu também tenho marcas da gravidez de um bebé lindo que nasceu com 4k200 gramas e ele cresceu dentro de uma frágil mamã com apenas 45K, não consegui evitar as estrias... porque era muito magra, mas ainda não tinha lido o seu artigo e de manhã ao olhar-me ao espelho e pensei, não me sinto nada chocada com o meu corpo pelo contrário estou orgulhosa, porque tenho um menino lindo que um dia vai estar ourgulhoso da minha barriguinha, sou barbie de cara mas não de sentimentos.
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De Maria Cruz a 24.10.2013 às 15:32

Super bonito.
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De Cláudia Guerreiro a 24.10.2013 às 14:11

As pessoas hoje em dia estão demasiado preocupadas com a imagem exterior, quando às vezes a beleza que lhes falta é a do interior.
Também tenho as marcadas da maternidade e das quais me orgulho e farão parte de mim até ao fim da minha existência. Quando me olho ao espelho não sinto vergonha, sorrio sempre porque me lembro do barrigão que me fez rasgar a pele ,da minha pequena que se mexia dentro de mim, daquele momento que me trouxe tanta felicidade. Adorei o texto.
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De Alice Gomes a 24.10.2013 às 13:25

Adorei tudo, o tema, as fotos mas principalmente o texto. Até faz uma mulher sentir-se mais mulher e mais bonita!! Obrigada. Eu também já tenho estas marcas (tanto de estrias como cezariana) e já tinha orgulho nelas mas dps do q li e vi fiquei c mto mais =D
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De Sandra a 24.10.2013 às 12:57

Já conhecia o projecto, mas as palavras do João são sem dúvida uma extraordinária legenda daquilo que a maternidade, o passar do tempo e de como a beleza feminina pode/deve ser olhada. Parabéns João pela bela forma como escreveu e que me deixou de lágrimas nos olhos. E eu ainda nem fui mãe! :)

Mas este post faz-me ainda lembrar de como as rugas são marcas do passar do tempo e de como agora se tenta a todo o custo camuflá-las, eliminá-las, muitas vezes com resultados muito questionáveis... Elimina-se esse mapa que a passagem do tempo constrói. Essa soma de tristezas, sofrimentos e alegrias que, na minha opinião, só nos tornam pessoas mais reais.

Claro que com isto não quero dizer que as pessoas não se cuidem, não é isso. Mas acho importante que as marcas da vida sejam também uma uma forma de a celebrar!

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