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A citação que referi no post anterior, referente ao novo livro de Gonçalo M. Tavares, é uma nota que acompanha uma sequência de texto onde o autor reflecte sobre amor, identidade e aquilo a que chama "unidade no sofrimento":
Este dói-me a dor do outro é realmente o ponto de união mais forte entre dois organismos e, nesse sentido, o ponto de dissolução da identidade.
Escreveu Sylvia Plath:
"O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus."
(...)
A dor, de facto, como o mais relevante.
O amor será assim a disposição para ser, se necessário, ladrão da dor do outro.
Esta passagem, descoberta ao acaso, numa abertura aleatória do livro (coisa que Gonçalo M. Tavares aconselha a fazer na leitura de Atlas do Corpo e da Imaginação), é muito importante para mim, pela razão porque tantos livros são importantes para nós: não porque nos ensinem coisas novas, mas porque nos confirmam o que já sabemos.
E neste caso em particular, a minha identificação resume-se a uma velha frase: "come what may". Quando eu e a Teresa nos casámos, em Abril de 2002, o filme Moulin Rouge!, de Baz Luhrmann, estava no pico da sua popularidade. Nós já tínhamos gostado muito de Romeu+Julieta, e o musical feérico, excessivo, deslumbrado e assolapado que era Moulin Rouge!, história desvairada de amour fou entre um jovem sonhador e uma cortesã na Paris de 1900, não poderia senão tocar profundamente dois jovens apaixonados, como eu e a soon-to-be-excelentíssima esposa.
E então decidimos não só que as nossas alianças de casamento haveriam de ser parecidas com aquelas que Claire Danes e Leonardo DiCaprio trocam em Romeu+Julieta, mas também que elas teriam gravado no seu interior, em vez de nomes ou de datas, simplesmente a expressão "come what may", uma das canções centrais de Moulin Rouge!.
É bonito, portanto, ver confirmada na passagem de Gonçalo M. Tavares aquilo que dois jovens, já não tão imberbes assim, intuíram em 2002: que o segredo do amor não está na disponibilidade para gerir a alegria, actividade ao alcance de qualquer um, mas na disponibilidade para gerir, sempre que necessário, a dor e o sofrimento. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até ao fim das nossas vidas. Isto não são juras de felicidade eterna - são juras de perseverança eterna.
Come what may. Venha o que vier.