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Sacrifícios q.b.

por João Miguel Tavares, em 11.12.13

Tinha prometido no final deste post falar sobre um daqueles temas que assaltam permanentemente o meu dia-a-dia e que compõem uma das minhas preocupações mais recorrentes: saber discernir que sacrifícios um pai e uma mãe devem fazer pelos seus filhos. Não me refiro, como é óbvio, a largar o emprego a correr porque um dos miúdos partiu o nariz na escola, nem daquilo que são as preocupações mais básicas de um progenitor. Com esse género de dever podemos todos bem, porque tem de ser, e o que tem de ser tem muita força. O que me interessa discutir são os momentos de lazer, em que não há propriamente um dever, mas sim a necessidade de optar entre aquilo que mais me apetece fazer (a mim) e aquilo que mais lhes apetece fazer (a eles).


Encontrar um equilíbrio entre uma coisa e outra nem sempre é fácil, e a visita à Aldeia Natal de Óbidos é um bom exemplo. Para estas coisas eu vou a maior parte das vezes arrastado pela Teresa, mesmo quando não me apetece nem um bocadinho. Todos nós conhecemos os poderes de super-persuasão femininos, e aquela técnica de ir insistindo, insistindo, insistindo, até ao ponto em que um gajo se rende e diz "pronto, está bem, eu vou, não batas mais". O problema das idas contrariadas é que, quando as coisas não são tão giras quanto ela previa e são tão chatas quanto eu supusera, o "sim" tirado a ferros torna-se contraproducente: em vez de se passar um bom dia em família, está-se para ali a penar, a resmungar e a sonhar com torturas várias a Pai Natal e respectivos duendes.


Boa parte dos nossos conflitos familiares vem precisamente das diferentes sensibilidades à dosagem dessa entrega. Para a Teresa, as contas são sempre muito simples: aquilo que faz mais feliz os miúdos é aquilo que se faz ao fim-de-semana. Mas eu sou um rapaz bem mais egoísta do que a excelentíssima esposa, e resisto permanentemente a que todos os meus dias de alegado descanso sejam terraplanados por actividades para menores de 12 anos. Na verdade, invejo-a bastante, porque ela consegue extrair com a maior facilidade a sua felicidade da felicidade deles. Eu não. Eu sou dado a solipsismos, preciso muito de tempo para mim, e o prazer deles nem sempre compensa o meu desprazer. E quando não compensa, falho como pai: impaciento-me, irrito-me, sou um chato.


Daí que só haja dois caminhos para aperfeiçoar os meus dotes paternos: ou conseguir retirar mais prazer de certas investidas familiares (incluindo a aldeias natalícias fajutas) ou apurar o tal discernimento sacrificial, sabendo ser ao mesmo tempo generoso para não ficar demasiadas vezes fechado na minha concha, e lúcido para não dizer que sim a tudo. Numa sociedade pejada de problemas de consciência, onde os pais nunca se dedicaram tanto aos filhos mas sentem ainda assim que se dedicam muito pouco, aquele equilíbrio é, para mim, uma espécie de pedra filosofal - muito desejada, sempre procurada, mas dificílima de encontrar.



publicado às 10:36


12 comentários

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De Anónimo a 12.12.2013 às 18:35

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Ass. mãe de dois.

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