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Eu estava na festa de Natal da escola da Carolina, a olhar para ela ao longe, a vê-la interagir com os colegas e com os professores, a ver a forma como falava, como se mexia, como se relacionava com as pessoas do seu meio escolar, e a ter a perfeita sensação de que eu já não conheço assim tão bem aquela minha filha. Quem és tu, Carolina?
Mas não se assustem. Este não é um desconhecimento no sentido mau da palavra, não no sentido "quem és tu, que não te conheço!", tipo aquela coisa que nós dizemos quando um filho faz alguma coisa muito errada. É, bem pelo contrário, um desconhecimento no sentido bom, de alguém que já é gente fora do seu ninho, alguém que ganhou uma independência própria, uma forma de ser pessoa que é só sua.
A poucos meses dos seus 10 anos, a Carolina não é só uma, mas duas. Há a Carolina da escola e a Carolina de casa, e a Carolina da escola é muito mais crescida do que a Carolina de casa. Parece-me mais educada e mais atenta, mais adulta e mais independente, e desconfio - só posso desconfiar, porque quando me aproximo as coisas mudam - que não tenha as mesmas conversas, nem os mesmos medos, nem sequer diga as mesmas piadas, e - claro - que cultive imensos segredinhos com as amigas.
Há nisso um sentimento de perda, como é óbvio. Ela já não é uma criança totalmente dependente de mim e da Teresa, como ainda são o Tomás, o Gui ou a Rita. Eu estou a perder a Carolina, no sentido em que aos poucos vou perdendo parcelas de conhecimento sobre o que ela faz e sobre o que ela pensa. Crescer é fechar portas e janelas na cara dos pais, abrir novas divisões de privacidade, com direito de admissão reservado. E é inevitável que nós, papás e ex-tudo, fiquemos cada vez mais vezes de fora.
Mas é um estranho sentimento de perda, este, na medida em que ele também me enche de orgulho, porque vem misturado com um certo sentimento de dever cumprido. À medida que vai diminuindo o meu espaço de tutela, vai-se completando o trabalho como pai e educador. Claro que ainda tenho muitos anos pela frente de educação e de cuidado, mas a sensação que me assaltou naquela festa de Natal, vendo a Carolina ao longe, é que para aí 60% está feito. Já não a vou conseguir moldar tanto quanto ela, a partir daqui, se moldará a si própria.
Para pais control freaks, imagino que isso possa ser um pouco assustador. Afinal, há um vasto território desconhecido à nossa frente. Mas eu sou um eterno optimista, e acho que a partir deste ponto vai ser bem mais divertido do que foi na última década. Porque é sempre muito mais interessante descobrir a riqueza única do outro do que construir extensões de mim. E eu tenho a certeza de que a Carolina me vai ensinar muito, me vai desafiar muito e me vai tornar um homem e um pai melhor e mais sábio.
A sabedoria do saber viver é verdadeiramente tudo o que conta nesta vida, e nesse sentido os nossos filhos são dos mais preciosos auxiliares que temos à mão. Vou com certeza adorar vê-los crescer, e por isso aquele breve momento de epifania foi como uma prenda de Natal antecipada: eu já não conheço muito da Carolina, mas gostei muito de ver ao longe o que não conheço.
O que eu vi, na verdade, foi a esperança - não a esperança pura e meio tonta do wishful thinking, mas a esperança à séria, ou seja, aquela que é alicercada em boa dose de certeza - de que eu e a Teresa a tenhamos educado bem e preparado para a vida. E isso foi mais do que bom. Foi óptimo, e, a bem dizer, foi até bíblico: quem perder uma vida por amor, achá-la-á, está escrito nos Evangelhos. Que isso se aplica a nós, eu já sabia. Que isso também se aplique aos nossos filhos, estou agora a aprender.
A Carolina prepara-se para descolar no seu próprio avião