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Bom, este tema dá pano para infindáveis mangas, e há queixas de alguns leitores que nem sequer partilho pessoalmente. Por exemplo, o facto de a atenção das crianças ser hoje mais reduzida do que antigamente. Não sinto isso nos meus filhos.
Fico sempre espantado quando alguém se queixa que o seu filho não aguenta uma longa-metragem do princípio ao fim. Os meus começaram invariavelmente a ir ao cinema antes dos dois anos, e nunca tive problemas com eles. Talvez seja sorte minha. Mas, quando olhamos para os tijolos harrypotterianos que eles digerem com enorme enlevo, por exemplo, não me parece que a incapacidade de concentração possa ser considerada um problema generalizado. Na escola, também nunca tive essas queixas.
Aliás, a escola é um bom campo para certas ideias feitas que urge desmontar, como, por exemplo, a do facilitismo. O programa do ensino básico é hoje muito mais exigente do que era no meu tempo - os nossos filhos têm tudo para virem a ser mais cultos, melhor formados e mais exigentes consigo próprios do que nós algum dia fomos. Mas isso é outro tema, para uma outra altura.
O que é verdade, no entanto, é que a velocidade dos desenhos animados e dos filmes é muitíssimo superior hoje do que era há 30 anos. Mas aí, diria que há um muito irritante frenesim da montagem herdado dos videoclips, do cinema de acção e dos jogos de computador, potenciado na animação por questões económicas, já que as mudanças constantes de plano permitem esconder a falta de movimento dentro dos próprios planos, que é o que custa mais €€€€.
Nesse sentido, considero que a qualidade da animação televisiva, em termos não tanto de argumento (porque há desenhos animados bem divertidos) mas da própria animação, é muito mais pobre do que na nossa juventude. Posso garantir por experiência própria que não é necessariamente o mercado a responder às novas exigências dos consumidores - os meus filhos adoram o Conan, o Tom Sawyer, o Dartacão (este já mais pobre). São eles, enquanto pequenos consumidores, que têm de se adaptar à oferta do mercado.
"Conan, o Rapaz do Futuro", de Hayao Miyazaki
E este é o ponto central. Existe, na minha opinião, bastante falta de arrojo no cinema de animação (e nos blockbusters, já agora) actuais. Na televisão, há alguma imaginação mas falta dinheiro para fazer melhor. No cinema, há muito dinheiro mas a imaginação já viu melhores dias.
Há quem fale da Pixar, e a Pixar, de facto, foi uma impressionante fábrica de obras-primas. Mas isso acabou com Toy Story 3, e os últimos filmes já são um morder da própria cauda. A Disney, essa, é sempre inatacável em termos técnicos, mas está, na minha opinião, numa encruzilhada criativa, da qual nem John Lasseter a conseguiu resgatar. Estúdios como a DreamWorks ou a Blue Sky têm laivos pontuais de inspiração, e depois há uma miríade de pequenos estúdios que cresceram à sombra do digital e que, de um modo geral, só fazem lixo.
Depois, como em tudo, existem excepções. A maior de todas é aquele que, para mim (e para quase toda a gente, na verdade), é o maior realizador de filmes de animação de todos os tempos: o japonês Hayao Miyazaki. Aliás, há novo filme em 2014 (ele diz que será o seu último, mas não é a primeira vez que o diz), e já estou a salivar por antecipação. Em tempos, falei um bocadinho sobre Miyazaki e sobre o Totoró neste blogue, uma paixão que se renova a cada visionamento dos seus filmes. É um campeonato totalmente à parte, uma forma de olhar para o mundo das crianças com óculos orientais, que são muito diferentes dos nossos, e por isso de uma riqueza que urge aproveitar.
"Totoró", de Hayao Miyazaki
Mas claro, há excepções nos países francófonos, e mesmo em Inglaterra (a Aardman, que hoje em dia também já dá cartas na animação televisiva, com a deliciosa Ovelha Choné) e nos Estados Unidos, com as abordagens mais góticas de Tim Burton e de Henry Selick, responsável por um filme que eu adoro, que mete muito medo e que não é The Nightmare Before Christmas/O Estranho Mundo de Jack: chama-se Coraline, é feito a partir de um argumento de Neil Gaiman e deu origem a protestos nas salas portuguesas em 2009, por supostamente assustar excessivamente as criancinhas, coitadinhas.
Coraline e a sua falsa mãe, com botões em vez de olhos
Bom, como vêem, eu gosto mesmo muito de falar disto, mas este post já vai demasiado longo. Mais coisas sobre a Disney, a utilidade de assustar as crianças e a necessidade de lhes contar boas histórias dentro em breve.