por João Miguel Tavares, em 20.06.13
Ainda a propósito deste
post, queria apenas contestar o comentário da Ana Rute Oliveira Cavaco: "Epá, mas à parte isso, é tudo tão mais fácil quando eles são bebés...". Eu ouço imensos defensores dessa tese, sobretudo pessoas mais velhas que me dizem: "um dia ainda vais ter saudades". Percebo perfeitamente a ideia, mas acho que vocês não compreendem bem o meu problema com bebés que choram descontroladamente: é que eu começo mesmo a passar-me.
Ao pé de algumas experiências twilight zone que já tive, por exemplo com o Tomás, a Ritinha é uma santa de altares. Claramente, nos últimos dias estava com problemas na zona das dentolas, e agora que já tem quatro incisivos a apanhar ar voltou a ser uma gaja porreira. Mas quando os bebés choram ininterruptamente noite dentro e nós não os conseguimos mesmo calar, eu fico doido. Mas doido à séria. Começo a sentir uma vontade de serial killer de lhes enfiar uma meia na boca para que parem de chorar. Já me aconteceu mesmo, em noites de absoluto desespero, ter de me afastar para não os magoar - o que significa, provavelmente, que tenho um grave problema psicológico e que deveria ir à procura de tratamento médico. Mas como entretanto ainda não matei nenhum e já vou em quatro, deixo o psicanalista para mais tarde.
Um dos motivos - aliás, o principal - porque comecei a escrever sobre a família e a queixar-me dela, há coisa de cinco ou seis anos, foi porque me era incompreensível a unanimidade de um discurso cor-de-rosa sobre a paternidade quando eu não estava a achar graça nenhuma à coisa. Portanto, se algum dia eu tiver saudades de quando eles eram bebés, reabram o Júlio de Matos e metam-me lá dentro, se faz favor. Eu não acho piadinha nenhuma a bebés, e só poderei achar no dia em que achar também que sou o Napoleão.
Vamos lá ver: se vocês me encontrarem na rua com a Rita, a gente até se pode estar a divertir. Eu brinco com ela cá em casa, e atiro-a ao ar, e faço-a a rir, e sou um pai brincalhão. Ela até quer vir para os meus braços, imaginem só. Mas quando faço o somatório de "os prazeres" versus "as secas", garanto-vos que "as secas" ganham por larga margem. Daí eu dizer tantas vezes que o primeiro ano e meio de vida de um miúdo é morder a língua e esperar que passe depressa.
Até porque a Rita será, com certeza, a não ser que o mundo comece a girar ao contrário, a minha última filha, eu esforcei-me desta vez para ser mais atento e contemplativo do estado bebé. Resultado? Bom, acho que sim, e tal, foi um bocadinho mais giro. Eh pá, mas continuo a não gostar na mesma. Há imensa gente que gosta, e até tenho gente na família com imenso jeito para quando eles são bebés e pouco jeito para quando são crianças. Mas eu sou o exacto oposto disso. Portanto, não, não vou ter saudades de quando eles eram bebés, pelo menos enquanto não padecer de Alzheimer.
Vou certamente ter saudades de quando eles eram crianças, de quando eles tinham três ou cinco anos, de quando eram pequeninos e andavam às minhas cavalitas, de quando inventavam uma nova língua vagamente parecida com o português, de imensos momentos de felicidade que ficam registados (às vezes falsificadamente, mas isso é um outro assunto) nas fotografias que tiramos. Agora, para mim, não é fácil, nunca foi fácil e nunca será mais fácil "quando eles são bebés".
Mesmo que esta gaja seja tão gira, como manifestamente é, vai ficar infinitamente mais gira aos meus olhos daqui a seis mesinhos. No presente, damo-nos bem, há umas trocas de olhares, pinta um clima de vez em quando. Mas, ainda assim, jamais a convidaria a vir viver para minha casa.
Mãos ao ar, bebé insuportável!