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Deixem-me então regressar ao fascinante tema das heranças, para tentar explicar por que me parece que ele tem tanto a ver connosco, apesar de não sermos milionários. Todos temos ou tivemos pais, muitos de nós têm filhos, e portanto a questão daquilo que podemos receber de uns ou que iremos deixar aos outros é um tema importante. E sobre isso eu sou muito Buffett-gatiano: as heranças deveriam ser encaradas por cada um de nós como uma dádiva, e não como um direito.
Não me refiro a questões legais, obviamente. Refiro-me a questões morais. Quer dizer: não sei por que raio tanto filho está convencido que tem um direito inalienável ao património dos pais, para o qual, regra geral, nada contribuiu. Os nossos pais têm a obrigação de nos oferecer a melhor educação possível, com certeza, mas a partir daí não têm obrigação de nos deixar mais nada.
O património é deles. Se quiserem enfiá-lo numa fundação para combater a malária, como os Gates, estão no seu direito. Se quiserem oferecê-lo à igreja, estão no seu direito. Se quiserem fazer um testamento em que os filhos não são tratados por igual, também estão no seu direito. Aquilo é deles. Não é nosso.
Infelizmente, não deve haver quem não tenha assistido, na sua família ou em famílias próximas, a conflitos enormes em torno de heranças. Não precisam de ser latifúndios - às vezes basta ser a partilha das colchas da avó. Esses conflitos atingem frequentemente níveis de violência absurdos - há irmãos, sobrinhos, primos que nunca mais se voltam a falar.
Tenho um amigo que acha que as heranças são apenas o gatilho que faz disparar conflitos que estavam latentes, e que encontram ali um campo fértil para serem finalmente verbalizados. Ele terá alguma razão. Mas não acho que tenha a razão toda - há gente que efectivamente enlouquece perante a visão de um serviço de cozinha com 60 anos. Há quem antes das partilhas se desse muito bem e deixe de se dar.
Eu também assisti a isso quando era novo, e jurei a mim próprio que jamais aconteceria comigo - ainda que eu tivesse que oferecer tudo ao meu irmão e me limitasse a manter na minha posse a meia-dúzia de livros de banda desenhada que já lhe roubei entretanto. Nada justifica aquele género de discussões - não foi pelo nosso mérito que a casa, o carro ou os talheres de prata foram conquistados. E se uma coisa não tem o nosso mérito, nem o nosso esforço, nem a nossa dedicação, não pode ser, moralmente, uma exigência nossa.
Ah, e tal, a lei diz que sim. Esqueçam a lei. É evidente que mais vale o património ficar para os filhos do que para o Estado. Os meus pais têm uma relação melhor comigo do que com a Maria Luís Albuquerque. Mas quando a minha atitude deixa de ser de dádiva para passar a ser de dever, invocando para mim o direito a certas coisas que eu não conquistei, cada desacordo com um familiar produz um sentimento semelhante ao de me estarem a assaltar a casa.
Não, não, não. Não faz sentido. A partir do momento que os meus filhos deixarem de ser menores de idade e abandonarem a minha dependência, o que pretendo ensinar-lhes é que aquilo que de melhor tinha para lhes oferecer - a sua educação - já está oferecido. A partir daí, desemerdem-se. Façam-se à vida. Conquistem as coisas pelo seu próprio mérito.
De resto, pretendo fazer com o meu património o que muito bem me apetecer. E se algum dia, depois de bater a bota, os vir discutir acerca de loiças ou pratas ou livros (enfim, acerca de livros ainda perdoo), hei-de reerguer-me da tumba para lhes azucrinar a vida. Vão trabalhar, malandros. Cada um tem a sua vida para viver. A obsessão com as heranças é uma canibalização da vida dos nossos pais. Deixem-nos em paz e vão dar dentadas para outro lado.
Um dos textos mais interessantes que li durante as férias foi este artigo do Washington Post que o Público traduziu no passado domingo: "Por que os muito ricos não estão a dar as suas fortunas aos filhos".
A perspectiva do artigo é americana e diz respeito, em primeiro lugar, a multimilionários, mas a ideia contida em todo o texto é algo com que me identifico muito, e que está resumida na perfeição numa frase famosa de Warren Buffett, sobre o montante ideal para deixar aos filhos:
"Enough money so that they would feel they could do anything, but not so much that they could do nothing."
Em português não é tão bonito:
"O dinheiro suficiente para que possam fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para que possam não fazer nada."
Sendo a América um país onde o Estado é olhado com desconfiança e onde as pessoas sentem que têm obrigações para com a sociedade, a questão do que fazer com as quantidades astronómicas de dinheiro que um Warren Buffett ou um Bill Gates têm à sua disposição ultrapassa largamente qualquer dever de reserva sobre as suas vidas privadas.
Até porque um livro tão badalado quanto O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, que muito consideram o livro económico da década, alerta para as perversões do capitalismo actual: se os rendimentos do património (a taxa de remuneração da riqueza) estão efectivamente a crescer, como ele defende, a um ritmo superior ao PIB de uma nação (aos rendimentos do trabalho, para simplificar), isso significa que a simples gestão de riqueza acumulada é mais vantajosa do que uma vida inteira dedicada ao empreendedorismo - o que levanta questões morais muito sérias e coloca em causa o conceito de meritocracia, que é um dos pilares de qualquer sociedade democrática.
Não se preocupem, que eu não me enganei no blogue, nem vos vou estar a aborrecer com o Piketty. Mas isto, a bem dizer, é pura telenovela e romance do século XIX: significa que casar bem é preferível a arranjar um bom emprego, e que mais vale nascer rico e não fazer nada do que ser remediado e criar uma grande empresa. Os rendimentos do rico, diz Piketty, estão a crescer mais, em média, do que os da grande empresa.
O problema, visto já não da perspectiva económica mas da perspectiva paternal e filial, é que não fazer nada "sucks". Não fazer nada não é bom para ninguém - sobretudo, não é bom para os filhos. Regresso ao magnífico artigo de Roxanne Roberts para o Washington Post, onde a famosa Nigella Lawson, uma das mais apetecíveis mamãs do planeta, afirma não ter qualquer intenção de deixar uma grande fortuna aos herdeiros:
"Estou determinada a que os meus filhos não tenham segurança financeira. Não precisar de ganhar dinheiro arruina as pessoas."
Nigella com a mão na massa. Hummm...
É verdade. Arruina mesmo. E por isso, somos informados que Bill e Melinda Gates planeiam deixar a cada um dos seus três filhos 10 milhões de dólares, o que dá cerca de 7,5 milhões de euros por cabeça. Sim, eu sei que se cada um de nós recebesse 7,5 milhões de euros em herança era capaz de não ficar particularmente zangado. Mas convém esclarecer que a fortuna dos Gates ascende a... 76 mil milhões de dólares, mais de 57 mil milhões de euros. É um terço do PIB inteiro de Portugal em 2013. Portanto, 30 milhões é para aí 0,04% da fortuna deles.
E o que é que esta conversa de multimilionários tem a ver connosco, meros remediados? Tem tudo a ver, como tentarei explicar já a seguir.
A propósito do meu post sobre os maus exemplos, mais do que uma pessoa me colocou um link para um texto de uma senhora chamada Beth, intitulado "Porque não obrigo o meu filho a partilhar". O texto em inglês está aqui, a tradução em português aqui. Deixo apenas um excerto da argumentação, mas convém ler o artigo todo:
Há um carro encarnado [de um espaço público] com que o meu filho adora brincar e da última vez que fomos ele conduziu-o durante toda a hora e meia que lá estivemos. Enquanto a maior parte das mães que lá estão andam atrás dos filhos enquanto brincam, o meu tem idade suficiente para eu ficar a vê-lo a brincar ao longe. À distância, eu vi uma mãe a ir ter com o meu filho, vezes sem conta, e a dizer-lhe: “Pronto, é a vez de dares o carrinho a este menino.” Obviamente, ele ignorou-a, e eventualmente ela acabou por desistir. Havia imensos outros carros para o filho dela andar, inclusivamente um quase igual àquele… se não, talvez eu tivesse intervindo.
Eu acho contraproducente ensinar a uma criança que pode ter algo que outra criança tem, só porque ela quer. Eu percebo o desejo dos pais que os filhos consigam ter o que querem nem que seja por uns minutos para os verem felizes. Mas é uma boa lição a reter para o futuro: nem sempre temos ou alcançamos aquilo que queremos, e não é correcto passar por cima de tudo e de todos para consegui-lo. Além disso, não é assim que as coisas funcionam no mundo real. Receio que estas crianças cresçam a achar que vão ter tudo o que querem sem esforço.
Acontece-nos com bastante frequência procurarmos naquilo que lemos argumentos para corroborar os nossos próprios preconceitos - e eu não me estou a excluir disso, como é óbvio. Mas como esta argumentação me dá a volta ao estômago, porque sendo aparentemente muito racional acaba por ser uma mera justificação para o egoísmo, talvez valha a pena regressar ao tema.
Como em tudo, convém não ser radical. Eu obviamente não advogo que se obrigue um filho a dar tudo e mais alguma coisa a quem quer que seja. Uma criança pode ter um objecto que adore e obrigar a partilhá-lo à força com quem não lhe dá um décimo do valor é uma violência imerecida. Até porque, da mesma forma que há crianças insuportavelmente egoístas, há miúdos horrivelmente pedinchões, que querem sempre aquilo que os outros têm nas mãos. A esses, sim, convém explicar que "não é assim que as coisas funcionam no mundo real".
Mas tanto no meu post como no texto da Beth, aquilo de que estamos a falar nem sequer é de objectos privados - é de espaços públicos. Ou seja, de espaços partilhados por uma infinidade de crianças. E não há forma de eu poder considerar legítimo o usufruto durante hora e meia, por uma única criança, de algo que é de todos e que outros também desejam. Da mesma forma que não seria legítimo ocupar um baloiço durante 90 minutos.
É certo que a mãe sublinha que havia outros carros semelhantes àquele disponíveis. E que, se não houvesse, "talvez tivesse intervindo" (o "talvez" é, só por si, inacreditável). Mas se outros miúdos desejavam aquele carro, e se havia outros semelhantes, o que ela deveria fazer não era ficar sentada ao longe à espera que o problema se resolvesse por si. Era ir ter com o filho e dizer: "Já estás há 20 minutos a andar nesse carro, ele também é o carro favorito deste menino, por favor troca para outro." Após um período de divertimento razoável, era o filho da Beth que devia trocar de carro - pela simples razão de que o carro não era dele. Tal como não era daquele único pai e daquele único filho a baliza que eu referi no meu post.
Se as questões da partilha se podem colocar, e de forma muito premente, em relação à propriedade privada das crianças - e, sim, acho que os filhos devem ser convidados (não necessariamente obrigados) pelos pais a partilhar os seus próprios brinquedos com os outros -, elas parecem-me um dever escandalosamente evidente quando estamos a falar de espaços públicos.
Mais: volta a ser usado no texto da Beth um argumento que me parece totalmente ilegítimo, e sobre qual já falei muitas vezes a propósito dos posts sobre bater nos filhos ou não, que é a comparação entre adultos e crianças. Volto aos argumentos da Beth:
Nós não passamos à frente numa fila do supermercado só porque não nos apetece esperar, e não ficamos com o iPhone de um colega só porque queríamos muito ter um…
São exemplos idiotas. Em primeiro lugar, porque crianças não são adultos. Em segundo lugar, porque ninguém fala em não esperar: uma criança tem todo o direito de estar cinco minutos num baloiço enquanto os outros aguardam que ela acabe de se divertir. Em terceiro lugar, porque é mentira: nós não damos o nosso iPhone a um colega, mas certamente o emprestamos se ele precisar de ligar a alguém.
Mas, sobretudo, recuso absolutamente que nós tenhamos de ver a partilha segundo uma perspectiva sacrificial. Embora eu sempre tenha sido uma criança com imensas dificuldades em emprestar coisas de que gostava muito (falo disso de passagem aqui), orgulho-me muito que os meus filhos não sofram do mesmo mal. Até por serem quatro, eles disponibilizam com relativa facilidade as suas coisas aos outros.
Ora, nos exemplos de que tenho vindo a falar, diria que são os pais que estão mais confusos do que as crianças. Nós não emprestamos para aprendermos a sacrificar-nos e a abdicar. Emprestamos para poder proporcionar alegria aos outros. Uma criança não empresta para sofrer, empresta porque tem a oportunidade de fazer outras crianças felizes. É isso que lhes devemos ensinar. Inverter este olhar não é só estúpido, é não perceber nada do significado da partilha.
Mais uma vez, não me quero estar aqui a armar em guru do que quer que seja. Quem escreve estas palavras - ou seja, eu - tem imensa dificuldade em partilhar muita coisa. Mas a existência dessa dificuldade (porque sou muitas vezes egoísta) não invalida o valor que reconheço a quem empresta. Uma coisa é nós termos dificuldade, outra, bem diferente, é usarmos argumentos supostamente racionais para validar o nosso próprio egoísmo.
Ou seja, uma coisa é não ser capaz de praticar o bem, outra, muito diferente, é não reconhecer que é um bem, e inventar argumentos para, afinal, demonstrar que é um mal. Isso, a meu ver, não é aceitável. Aliás, é até bastante indecente.
Mamã – Está? Olá, Guigui.
Gui – Olá, mamã (voz de sono).
Mamã – Dormiste bem? Acordaste outra vez muito cedo, não foi, galinho da manhã?
Gui- Não dormi lá muito bem. O Tomás estava sempre a invadir o meu território.
Mamã – Ahn??? Olha, porta-te bem e não te zangues com o mano. Ajuda a Memi e a Zé. Passa lá ao Tomás, que estou cheia de pressa.
Gui – Está bem. Adeus, mamã.
Mamã – Adeus, Gui.
Tomás – Olá, mamã.
Mamã – Olá, Tomás. Já estou cheia de saudades. Dormiste bem? O que estás a fazer?
Tomás – Tudo bem (muito rapidamente). Mamã?
Mamã – Sim?
Tomás – Como é que ficou o jogo do Benfica.
Mamã – Ahn??? Não tenho a certeza, mas acho que o Benfica deve ter ganho, porque o papá estava bem disposto ontem à noite.
Tomás – Quantos golos marcou? Quem é que marcou os golos? O Artur fez alguma grande defesa? Pergunta ao papá.
Mamã – O papá ainda está a dormir. Nós chegámos a Lisboa muito tarde. A mamã é que já vai a caminho do trabalho. Espera, que eu vou ver na internet e depois digo-te, está bem?
Algum tempo depois…
Mamã – Tomás, o Benfica ganhou 2-0. Marcaram o Maxi Pereira e o Sálvio.
Tomás – E foi na primeira parte ou na segunda?
Mamã – Espera, deixa ver – o primeiro aos 25’ e o segundo aos 72’. E diz aqui que o Artur defendeu uma grande penalidade.
Tomás – Boa! E amarelos, houve?
Mamã – Sim, parece que o Enzo Pérez levou um logo no início do jogo, mas não foi para a rua.
Tomás – Fixe. E houve mais alguma oportunidade?
Mamã – Diz aqui que o Nico Gaitán quase que marcou o terceiro no final do jogo.
Tomás – Ohhh. Ok, já não precisas de acordar o papá.
Mamã – Está bem. Então beijinhos.
Tomás – Beijinhos.
Se alguém me dissesse que um dia eu iria andar na net às oito e meia da manhã de uma segunda-feira a fazer pesquisa sobre cruzamentos, golos, amarelos e penáltis, eu ter-me-ia rido na cara dele. A maternidade é assim. Nunca pára de nos surpreender.
Foto: Miguel A. Lopes/Lusa
Como continuamos a recusar um cão aos miúdos, apesar de toda a insistência, o Gui resolveu o seu problema esta manhã. Pediu uma caixinha à avó Teresa, meteu-lhe lá dentro metade de um biscoito e duas gotas de água e apresentou-nos o seu novo animal de estimação:
"Já que não podemos ter um cão, posso ter uma formiga?"
Este Verão os nossos planos de férias foram gorados por um vírus insubordinado, que abancou estrondosamente no nosso Gui e depois ainda resolveu dar umas piruetas nos linfócitos do Tomás (que eficazmente lhe deram um chega-para-lá).
Resultado: ficámos em família no estaleiro, rodeados por frascos de xaropes, mudas de roupas suadas, comidas frescas e fáceis de engolir (tem sido um fartar vilanagem de gelados) e banhos tépidos a toda a hora. Ainda houve quem refilasse e se lembrasse de pedir asilo aos avós, mas as nossas férias em família são tão poucas que achámos justo os manos partilharem o bom e o mau em conjunto.
Entretanto, aproveitámos o tempo para fazer coisas que só com paciência e sossego se conseguem pôr em prática. Entre as várias empreitadas houve uma que ainda não foi completamente bem sucedida, mas que nos tem tomado muitas horas e enfeitado generosamente o chão da casa.
Conseguem adivinhar qual é, não é verdade? Uma pista para os mais distraídos: o João está a adorar.
Quem passa aqui pelo blogue regularmente já terá reparado, mas é só para informar que o PD4 está em modo férias.
Falar de criancinhas é muito giro quando elas estão na escola - quando estão cá em casa é uma trabalheira.
Ainda por cima, nos últimos tempos levamos boa parte do dia de esfregona na mão, a apanhar dejectos do meio do chão. Ainda não temos cão, é certo, mas a Teresa achou que era hora de tirar a fralda à Ritinha, o que vai dar mais ou menos ao mesmo.
Peçam-lhe para ela dar mais pormenores, que é muito giro e educativo.
A Ritinha já nasceu muito fora dos meus planos de paternidade. Eu e a Teresa sempre tínhamos falado em ter três filhos. E quando ela nasceu já tinham acabado cá em casa as mudanças de fraldas, o leitinho à noite, as obsessões com a chucha, os banhos vigiados, a necessidade de os vestir, e todas essas coisas que separam a total dependência da libertadora autonomia.
Por causa da Rita, foi preciso começar tudo de novo. Mas claro: o que tem de ser tem muita força, e a coisa tem-se levado, até com mais facilidade do que em relação aos outros três. Mas há uma coisa da qual eu me pensava ter libertado para todo o sempre - o Noddy. E subitamente, eis que a Ritinha descobre o Noddy, e vem com os DVDs, e pede para ver os DVDs, e eu tenho de mamar outra vez com o Sonso e o Mafarrico e o "Abram alas para o Noddy", e aquela senhora a fazer uma irritantíssima voz de bebé. Nãããããããããããooooooo!!!
Que caraças. Eu acreditava já estar tão para além disso. A sério: eu troco três mudas de fraldas malcheirosas por um episódio do Noddy. Alguém quer fazer negócio?
Ontem à tarde o Tomás e uma amiga sua (mais a mãe do Tomás) insistiram muito comigo para irmos jogar à bola para um parque próximo da nossa casa, onde há um campo que já é velho mas que agora tem balizas novinhas em folha. Os miúdos costumam ser doidos por balizas verdadeiras.
Lá fomos, mas como já estávamos perto das cinco da tarde, ambas as balizas estavam ocupadas. À volta de uma delas estava um enxame de 12 ou 13 putos, com um guarda-redes e duas equipas. À volta da outra estava um único pai e um único filho.
Para meu grande espanto, o Tomás, que costuma ser um envergonhado de primeira, foi ter com o solitário pai (o prazer do futebol dá-lhe uma insuspeita coragem) e perguntou-lhe se nós podíamos jogar com ele e com o filho. Respondeu o pai:
- Ele é que sabe [apontando para o filho], mas vocês têm muito espaço para poderem jogar.
Era verdade quanto ao espaço: havia um bom bocado de campo vazio lá no meio. Só que - claro - não tinha balizas.
Perante aquela resposta do pai, aconteceu o óbvio: o filho disse que preferia continuar a jogar sozinho com o pai, alternando nos pontapés à baliza. E assim continuaram durante uma hora (saíram pouco antes de nós próprios nos irmos embora), pontapé para aqui, pontapé para ali, os dois sozinhos a jogar à bola. Confrontados com a nega, nós acabámos por nos juntar a um outro par de miúdos que chegou a seguir, improvisámos umas balizas no meio do campo, e divertimo-nos na mesma.
Claro que eu não tinha o direito de dizer nada àquele pai - não houve ali nenhuma injustiça evidente cometida. Eles tinham chegado primeiro, apanharam a baliza, e não eram obrigados a aturar-nos. Mas a verdade é que continuo a remoer isto desde ontem, sobretudo por me irritar profundamente a incapacidade daquele pai em perceber o péssimo exemplo que deu ao seu filho.
Nunca perceberei porque se deve perder uma oportunidade para se ser generoso num caso como este, quando é tão fácil sê-lo. Para quê pai e filho ficarem fechadinhos junto de uma baliza, quando um dos encantos do futebol é precisamente ser um desporto colectivo onde cabe sempre mais um?
O filho até podia ser um tímido do caraças e ter vergonha de jogar com os outros. Mas aquilo que aquele pai fez naquele momento foi valorizar o egoísmo e o auto-centramento daquela criança, em vez de a enturmar com miúdos da idade dele. Já que por aqui não me deixam dar nalgadas aos filhos, acham que posso ao menos dar umas nalgadas aos pais?