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A Nicole regressou, e trouxe consigo um testemunho na primeira pessoa, que faz todo o sentido partilhar aqui:
Eu agora tenho 29 anos e este episódio aconteceu quando eu tinha 19 ou 20 anos... e foi no mesmo ano que houve a polémica campanha na espanha contra a Zara e outras marcas espanholas que reduziram o tamanho das calças e deixaram de fabricar tamanhos ditos maiores.
Hoje com 29 anos e no pós-parto de uma filha linda, estou a marimbar-me para o número que visto. Claro que é um pouco irritante quando numa loja o 42 fica a nadar e o 40 serve, e noutra vou buscar o 40 e fica justo e não consigo encontrar número maior. E atenção, não engordei 30 kg na gravidez. Sim, tenho algum peso a mais, mas estou ainda no dito saúdavel.
Hoje em dia tenho maturidade suficiente para entender o que as "marcas" fazem e o público alvo a que se destinam, mas covenhamos que a algumas mulheres, e ainda é pior nas adolescentes, isto pode levar a sérios problemas de imagem. O que para uns pode ser rídiculo, para outros pode tomar caminhos perigosos.
Ontem vi um documentário na SIC sobre os labirintos de Soraia, uma jovem com distúrbios mentais, causados pelo bullying e afins, com tendências suicidas. Perdi a conta das vezes que se tentou matar com 14 anos apenas e sem nenhum hospital ou instituição poder ajudar, pois o SNS não está preparado para lidar com os problemas mentais dos adolescentes. Mas eles existem.
Eu fui vítima de bullying - ligeiro, é certo - durante vários anos na minha escola, e lembro-me como isso me tornou insegura, tímida e anti-social. Nunca fui uma adolescente que saía para ir ao café, ou ao cinema, porque tinha medo de ser gozada por não me vestir de igual, ou não ter o cabelo igual, entre muitas outras coisas. Daí que podem perceber como um par de calças me abalou e muito. Ultrapassei muitas inseguranças à minha conta e graças à "atenção masculina" que recebi no meu primeiro ano de faculdade. Antes era a impopular, a menina que nunca era convidada para nada, e depois quando mudei de cidade e fui para a universidade todos queriam estar comigo e falar comigo.
É claro que o meu primeiro e actual marido ajudou, e muito, a lidar com as minhas inseguranças e dramas alimentares. Na mesma faculdade onde eu estudei e na mesma residência onde eu vivi, a minha colega de quarto sofria de bulimia... tinha pânico de comprar roupa, se algum peça não lhe servia comia tudo o que via numa crise de pânico e a seguir ia tudo fora... Ela era, felizmente, acompanhada por um psicólogo, mas chegou a estar internada numa clínica privada para lidar com o problema.
Para alguns o bullying é "ah, e tal, antigamente também havia, mas hoje os miúdos são todos uns fraquinhos e maricas que não se sabem defender" (sim, já ouvi barbaridades destas). Se para muitos um par de calças ou a didatura da moda feminina é uma parvoeira, porque se não serve um par de calças, escolhe outro e pronto, siga a marinha, para outros não é assim. Não se esqueçam que não somos todos iguais...
Um dos aspectos muito positivos de ter um blogue familiar é que um gajo pouco sofisticado como eu é com frequência confrontado com o estranho - mas extremamente exigente - mundo da estética feminina. A propósito deste post, eis parte do comentário da Nicole l.:
JMT, não é só uma questão de marketing e de auto-estima. Se entrar numa loja da moda como a Zara ou a Pull and Bear vai encontrar calças minúsculas adaptadas ao corpo de jovens esqueléticas. Eu usava o 32 com 12 anos, com a puberdade passei para o 34, e na faculdade passei a usar o 36. O 36 sempre me serviu na Zara, e qual é o meu espanto quando de um ano para o outro o 36 deixou de me servir e tive de usar o 40. Saí da loja a chorar e não o trouxe comigo. A minha mãe só dizia "mas não engordaste assim tanto, decerto..." Na minha cabeça eu só pensava "40 é o que usa a minha mãe, que já teve filhas, ando eu aqui a não comer porcarias e engordo na mesma". A minha mãe foi a outra loja, comprou um 36, e obrigou-me a vestir em casa. E olha, servia... Comecei a perceber que certas lojas, em vez de seguirem uma numeração igual a todas, não: diminuem cada vez mais o tamanho das calças mas metem a etiqueta do número 34, por exemplo, quando devia ser um 32.
A minha pergunta é: isto é mesmo assim? Ou é uma opinião exclusiva da Nicole?
Como por esta altura já toda a gente sabe, houve um furacão de protestos a cair sobre a Victoria's Secret por causa desta campanha publicitária:
O problema não está na exibição do corpo destas dez belas moças (entre as quais a portuguesa Sara Sampaio), mas no facto de a Victoria's Secret se ter atrevido a classificar aqueles dez corpos, todos eles muito semelhantes e magricelas, como "perfeitos".
Deixo-vos dois artigos dos jornais Público e Observador, que explicam bem o que está em causa.
Eu acho a polémica particularmente curiosa, porque ela me parece, sobretudo, isto: uma óptima luta que está a ser travada com péssimos argumentos.
Por um lado, e como já escrevi abundantemente no PD4, eu acho não só que as pessoas se devem sentir orgulhosas e confortáveis com os seus corpos, como acredito que, aos poucos, com a ajuda de marcas mais arrojadas e imaginativas no seu marketing, há formas alternativas de beleza feminina que se estão a impor.
O Henrique Raposo tem escrito abundantemente sobre isso, e eu concordo com ele. Ainda recentemente, a propósito do inacreditável caso Jessica Athaíde, o Henrique escreveu um elogio às mulheres fellinianas, onde constava uma afirmação provocatória que eu acredito ter um fundo de verdade:
Não é possível continuarmos a viver num mundo onde o ideal de beleza feminino é ditado por estilistas gays. Eles não fazem por mal, atenção. Como não gostam da mulher enquanto fêmea, eles têm a tendência natural para escolher garotitas raquíticas que são a negação da sensualidade feminina. Não é defeito, é feitio. Mas a verdade é que a indústria da moda "deserotizou" a mulher, aboliu as formas curvilíneas, ilegalizou a mulher felliniana.
Há, de facto, uma excessiva androgenia nas passerelles, e demasiadas modelos femininas têm menos curvas do que eu.
E no entanto - e este é o "por outro lado" -, parece-me haver uma diferença subtancial entre protestar contra uma ideia de beleza semi-anoréctica, e defender assanhadamente esta tese:
Eu percebo o desejo de reagir - mas esta é, de facto, uma reacção com maus argumentos, que podemos sintetizar no hashtag #iamperfect (“eu sou perfeita”), criado no Twitter como forma de protesto.
Não, aqueles corpos em baixo não são perfeitos. E não são perfeitos porque, apesar de tudo, não podemos atirar pela janela milénios de história de arte, e ignorar a existência de um ideal grego de beleza que marcou para sempre a nossa cultura, de Fídias a Miguel Ângelo, e que resiste até aos nossos dias - até as estátuas gordas de Botero existem como oposição a esse ideal, mantendo-o como referente.
Ou seja, eu posso perfeitamente dizer que me sinto bem com o meu corpo e que uma mulher pode ser altamente sexy com mais de 80 quilos, sem ter necessariamente de colocar um carimbo de censura por cima da palavra "perfeito" ou erguer a bandeira do "perfeitos somos todos nós", que é uma variação do politicamente correcto aplicado à estética corporal.
Sem dúvida que existe uma importante luta da ditadura estética das passerelles para travar - mas não com os argumentos de uma obsessão individualista que parece não saber gerir o conceito de imperfeição. Quando a publicidade da Victoria's Secret afirmou explicitamente "elas são perfeitas", milhões de mulheres sentiram que estavam a ser explicitamente acusadas de serem imperfeitas - e aparentemente foi isso que não suportaram.
Ora, isso não é uma valorização da identidade e das diferenças de cada um - a tal luta que merece, e muito, ser travada -, mas sim uma negação das próprias imperfeições. E, por isso, uma negação das evidências.
Como é óbvio, 99% das pessoas não têm corpos perfeitos - tal como não sabem jogar à bola como Cristiano Ronaldo ou escrever como Philip Roth.
Há uma diferença radical entre dizer "acho super-sexy essa tua barriguinha" ou fingir que essa barriguinha não existe. A graça está em abraçar a realidade como ela é, e não em inventar uma realidade paralela em que todos somos magníficos, perfeitos e infinitamente desejáveis. Isso é optar pela mentira. Uma mentira diferente daquela que nos quer impor a Sara Sampaio como ideal único de beleza feminina. Mas uma mentira, ainda assim.
O LA-C chamou-me a atenção para este excelente texto que a Inês Teotónio Pereira escreveu no i de sábado, sobre um tema que temos vindo a abordar no blogue, e que eu vou roubar escandalosamente por todas as razões e mais uma, que tentarei explicar um dia destes:
Um dos meus filhos tinha dificuldades de aprendizagem. Começou a ler tarde, dava erros ortográficos, distraía-se com as moscas (literalmente), não decorava coisa alguma e sempre que podia deixava os trabalhos de casa por fazer. Também se esquecia de tudo, era desorganizado, não dava importância aos testes nem percebia o fundamento das avaliações. Não era competitivo e tinha dificuldade em perceber a importância que os pais e os professores dão à escola. Desde cedo que desenhava com pormenor e aos cinco anos já fazia desenhos em perspectiva e com profundidade, mas não tinha paciência para pintar ou para fazer os traços direitos.
Um dia, numa luta renhida com as contas de dividir, levantou a cabeça e desabafou: "Gostava de saber o que é que este lápis pensa se ele conseguisse pensar." Foi mais ou menos nessa altura que descobrimos que usava a parede junto da secretária para desenhar enquanto fingia que estudava. Era também talentoso a representar e conseguia inventar uma história interminável a partir de dois palitos. Da escola chegavam-nos notícias de "falta de interesse", "falta de concentração" porque "é muito distraído" e "trabalha pouco". Em casa, nós, pais, pressionávamos, castigávamos e espremíamos a criança cada vez que chegava mais um recado ou mais uma nota. Sobre os talentos pouco lhe dizíamos porque o tempo era escasso e o calendário escolar não dava tréguas: antes do teatro está a Matemática e antes da criatividade está o Português, sentenciávamos.
No 4.º ano conheceu os livros do Harry Potter e foi assim que se viciou na leitura. Os erros, esses, persistiam e as notas continuavam a sair esforçadas. A motivação era mínima e a escola continuava a ser um mal necessário na qual passava os dias. O Harry Potter era o seu esconderijo. No 6.º ano chegaram os exames e com eles a possibilidade real de fracassar. Assustou-se com a eventualidade e, ajudado pela maturidade, estudou três semanas seguidas sem levantar cabeça, com horas marcadas para as refeições e com objectivos diários impostos por nós. Conseguiu a melhor nota da escola e da vida dele no exame de Matemática e deixou pais e professores de queixo no chão. Gostou da experiência e ainda mais da sensação. Nunca mais repetiu o resultado, mas as notas nunca mais saíram esforçadas, os trabalhos de casa nunca mais ficaram por fazer e nunca mais se denunciou a sua falta de concentração.
Para trás ficou o teatro e do desenho nunca mais ouvimos falar. Diz ele que não desenha bem porque não consegue fazer traços direitos ou imitar paisagens. A comparação com os desenhos fotográficos dos colegas e as classificações suficientes dos professores esfriaram o seu empenho e comprovaram que o seu talento afinal era apenas suficiente. Com a ajuda do tempo acabou por desistir. Dos oito anos da vida escolar do meu filho tiro duas conclusões. A primeira é que durante anos dei mais importância à escola e às considerações dos professores que ao meu filho, dei mais importância às dificuldades denunciadas pelos professores que aos talentos que eu conhecia. Sem saber cavei um fosso de frustrações que aumentava cada vez que chegava uma nota ou um recado, como se cada um deles fosse mais uma prova do seu fracasso (e do meu). Sem querer amolguei-lhe a auto-estima e eduquei-o tendo como referência as pautas escolares.
A segunda é que apesar de mim e da escola ele conseguiu. Conseguiu porque quis, porque um dia resolveu querer. As ameaças, as pressões, os castigos e o desespero perante cada má nota não tiveram qualquer efeito positivo, apenas negativo. As dificuldades de aprendizagem são apenas isso, dificuldades. E não querem dizer mais nada sobre os nossos filhos. No dia em que os confundimos com as dificuldades deles, em que olhamos para eles e em vez de crianças vimos problemas de matemática, os nossos filhos facilmente acreditam que são eles próprios os erros e os problemas. E então sim, as dificuldades perpetuam-se e podem ultrapassar em muito o âmbito da escola. A felicidade e o futuro dos nossos filhos não se medem pelo seu desempenho escolar - que mais cedo ou mais tarde, com mais ou menos trabalho, acaba por se cumprir - mas podem estar comprometidos se nós, pais, os julgarmos e medirmos por isso. O principal problema das dificuldades de aprendizagem é a dificuldade dos pais - não dos filhos - em lidar com elas.
Regressemos então à questão das actividades extra-curiculares, com as quais enchemos boa parte dos tempos livres dos nossos filhos. Eu já tinha dito que concordava com o comentário da Mara, desde longo na diferenciação, que me parece muito inteligente, entre actividades que servem para os formar (ou seja, que fazem parte do caminho educativo que traçámos para eles) e actividades que servem para os ocupar (porque trabalhamos e não temos tanto tempo para estar com eles quanto gostaríamos).
Eu tenho pensado muito sobre isso nos últimos tempos por causa da Carolina, que agora está no 5º ano e tem um horário cheio até ao tecto de actividades extra-curriculares. Aliás, no seu caso, há ainda uma segunda divisão de conceitos que faz sentido fazer, entre: 1) as actividades que são decididas por nós e 2) as actividades que são escolhidas por ela. No nosso caso, é este cruzamento do 1+2 que me tem assustado um pouco - de segunda-feira a sábado de manhã, a miúda quase não pára. Recentemente, desenvolveu um interesse pelo xadrez que até as tardes de domingo por vezes a ocupa.
A minha primeira tendência é dizer que isto é demasiado. Além das aulas normais e do ensino articulado, que a obriga a sete horas de música semanais, ela ainda tem aulas de inglês, natação (aos sábados de manhã) e catequese. E depois vêm as suas escolhas pessoais nas AEC da escola, que, de facto, é óptima nas opções que oferece. Aí, a Carolina escolheu fazer teatro, esgrima e xadrez. Dito assim, em comboio, quase apetece chamar a Comissão de Protecção de Menores para resgatar a criança a este regime de escravatura.
Só que, até agora, ela está longe de se sentir escrava - excepto na música, que ela diz que preferia não ter (a não ser quando vem gente cá a casa e ela adora mostrar o que já sabe fazer no piano). Mas aí, de facto, não tem hipótese: nós consideramos as aulas de música e de inglês essenciais na sua formação, e explicamos-lhe com frequência que para nos faz tanto sentido ela dizer que não quer estudar música como dizer que não quer estudar português, matemática ou história. Tem de ser.
Claro que quando a vejo às dez da noite a tentar resolver problemas de xadrez para o dia seguinte, a minha tendência é ter alguma pena dela. Mas a verdade é que no caso do xadrez é uma opção sua - e se não estivesse a fazer isso estava agarrada ao tablet ou ao telemóvel ou à televisão a jogar jogos estúpidos ou a ver séries idiotas. Eu vou tentando estar atento a alguns sinais exteriores de cansaço, que acho que até podem surgir quando os testes apertarem, mas por enquanto aquilo que tenho é uma filha com uma estamina e uma energia invejáveis - uma anti-couch potato, que é um problema que eu detecto cada vez mais em crianças ociosas e excessivamente ligadas à net.
A verdade é que nada impede que a Carolina descanse a jogar xadrez ou com um florete nas mãos, tal como eu descanso a ler um livro ou a jogar à bola. Até porque em nada disso ela tem a pressão de ser muito boa. Ou seja, o segredo é ela sentir as AEC como fazendo parte dos seus tempos livres e de brincadeira, e não como obrigações (como acontece com a música ou com o inglês). Daí nós lhe termos dado total liberdade de escolha nesse campo - foi ela quem decidiu fazer aquelas actividades e as suas tardes foram organizadas em conjunto com ela. Acredito que se esse balanço entre deveres e prazeres for bem elaborado, nada impede que uma criança seja feliz dentro de um calendário que nos parece muito apertado.
Daí aquele meu momento de consolo, descrito no post sobre a hiper-paternidade:
Don’t worry about overscheduling your child. Kids who do extracurriculars have higher grades and self-esteem than those who don’t, among many other benefits, says a 2006 overview in the Society for Research in Child Development’s Social Policy Report.
O estudo de que Pamela Druckerman (a autora do texto sobre a hiper-paternidade) fala pode ser encontrado aqui e, de facto, ele lança um olhar muito positivo sobre as actividades extra-curriculares no desenvolvimento e sucesso académico das crianças.
Tudo indica que uma vida cheia é sempre uma vida boa, tanto aos sete como aos setenta e sete.
Queria alertar os meus amigos - mas sobretudo os meus inimigos - que eu apareço este mês na revista Máxima envergando uns espectaculares sapatos de salto agulha.
E isto porquê? Por causa da igualdade entre homens e mulheres, que levou 99 outros machos como eu a envergarem as criações de Luís Onofre (no meu caso, sapato vermelho número 45) para o projecto "100 Homens, Sem Preconceitos - Um Passo pela Igualdade". A iniciativa deverá em breve dar origem a uma exposição.
Num ano em que 32 mulheres já morreram vítimas de violência doméstica, e em que o problema está longe de ser encarado entre nós com a seriedade que lhe é devida, esta campanha é apenas um pequeno contributo para despertar as consciências mais adormecidas.
E agora podem gozar comigo.