por João Miguel Tavares, em 28.04.13
Ilustração de José Carlos Fernandes
Eis o meu texto na revista de hoje do CM. Talvez um pouco mais melancólico do que é habitual:
Eu e a excelentíssima esposa comemorámos recentemente o 11º aniversário de um incansável matrimónio, e decidimos que era a ocasião perfeita para mostrar às criancinhas o filme do nosso casamento. O clássico “vídeo do casamento” é aquele género de actividade com a qual se maltrata as visitas durante meia-dúzia de meses após a lua-de-mel, com as pobres vítimas obrigadas a gramar com uma hora de vestidos de cerimónia, trocas de alianças e cascatas de camarão, enquanto suspiram para a ex-noiva dois ou três educados “ai que bonita estavas”. Passados seis meses, existe o saudável hábito de arrumar o DVD numa prateleira poeirenta, permanecendo em piedosa hibernação até que um dia um qualquer arqueólogo o venha resgatar.
Desta vez, os arqueólogos fomos nós. A Teresa guarda nas doces memórias de infância o filme do casamento dos pais, que pelos vistos rodou em sua casa como se fosse um daqueles musicais da Broadway que nunca saem de cena. Vai daí, prometeu mostrar aos miúdos o filme do nosso próprio casamento precisamente 11 anos depois de ter sido filmado. Como é óbvio, preparei-me para o pior, até porque não há guarda-roupa que resista a exercícios de nostalgia. E, de facto, lá estava eu, muito bem escanhoado (ainda não usava barba na altura), com um penteado ridículo, uns óculos de totó e um casaco tão comprido que dava para toalha de mesa. Os dois rapazes ainda se riram um bom bocado com a minha figura, até decidirem sabiamente que era muito mais giro irem jogar computador do que ficar a ver a versão teen do pai. E saíram da sala.
Permaneceu a Carolina, já mais dada a bodas e a romantismos, e permaneci eu e a minha excelentíssima esposa, de boca aberta não por causa da nossa antiga beleza, mas por causa da quantidade de gente que está naquele vídeo e que entretanto morreu. São muitos. São demasiados. A Carolina estava fascinada com os primos, que hoje são adolescentes e que então eram muito mais pequenos do que ela. Mas eu e a Teresa só víamos passar à frente da câmara pessoas que foram tão importantes na nossa vida e que já cá não estão, uma, duas, três, cinco, algumas delas ainda relativamente jovens e que hoje são como espectros longínquos, fantasmas de um tempo que se perdeu para sempre. “É tudo tão frágil”, disse-me a Teresa. E é mesmo. Tanta coisa nasceu ali. E tanta coisa se perdeu entretanto.