por João Miguel Tavares, em 25.03.13
Vocês não perdoam uma, minhas senhoras. A minha excelentíssima esposa resolveu fazer um
post pouco simpático sobre a minha encantadora pessoa, acusando-me de desmancha-prazeres da família no último fim-de-semana. Escreveu ela:
Tínhamos tudo preparado [para um fim-de-semana em família] mas o papá resolveu cortar o barato e quando o avisei para reservar este fim-de-semana para nós respondeu que a melhor prenda que lhe podíamos dar era deixá-lo sozinho para conseguir trabalhar descansado.
Oh, meu Deus, que besta insensível que eu sou! Ainda assim
respondi a esta descrição algo enviesada da realidade com três pinguinhas de ironia e 200 decilitros de amor, explicando que só estivemos 29 horas separados, e que mesmo assim é fabuloso como a minha mulher sentiu tanto a minha falta. Mas, claro, duas senhoras que frequentam este blogue não perdoaram o meu alegado pecado paterno-marital.
Disse a Andreia, até a esforçar-se visivelmente para ser querida (mas cá para mim pensando no íntimo de si: "que besta!"):
Depois de dizer que se queria ver livre da família no fim-de-semana, até nem falou muito mal! ;)
Replicou a Dulce, não disfarçando o puxão de orelhas:
Concordo com a Andreia! Depois de ter trocado o fim-de-semana com a família por 29 horas sozinho, digamos que a sua mulher até foi bastante comedida nas insinuações.
Ó minhas senhoras. É notável como num mundo capitalista, e até mesmo - acusam alguns - de "deriva neoliberal", o trabalho seja tão desvalorizado, porque a família - a santa e sagrada família - está sempre acima de todas as coisas. Acho isso muito comovente, e é com certeza a mais recorrente das críticas domésticas que sou obrigado a escutar.
É certo que a família está sempre acima de todas as coisas, no sentido em que se um filho partir a cabeça na escola nós largamos tudo para ir a correr, ou no sentido de que quando morremos queremos agarrar as mãos da nossa família e não de um documento Word, até porque um documento Word é uma coisa bastante difícil de agarrar.
Mas o trabalho, minhas senhoras, é uma ne-ce-ssi-da-de. Para mim também é um prazer, graças a todos os santinhos, mas em primeiro lugar é uma absoluta necessidade, desde logo para ajudar a sustentar a tal família que eu tanto desprezei neste fim-de-semana. Ou acham que
isto e
isto não está relacionado com
isto? Ai está, está.
Em resumo, eu não disse à Teresa que me dava incrível jeito ficar em casa sozinho este fim-de-semana (eu queria 48 horas mas só consegui 29) para ficar a dormir até às 11 da manhã e depois convidar umas strippers para animar o lusco-fusco. Pedi para ficar sozinho porque a minha "to do list" já vai em 19 entradas e não estou a conseguir dar conta do recado, como aliás sugeri
aqui. Acumulam-se mails por responder, burocracias por resolver, textos por entregar, um caos com o qual lido muito mal.
Portanto, eu não troquei o fim-de-semana em família por 29 horas sozinho. Eu troquei o fim-de-semana em família por um fim-de-semana a trabalhar. Porque tinha mesmo de ser. Na verdade, eu adorava ter um fim-de-semana sozinho, refastelado a ver filmes e a ler livros, ou então um fim-de-semana longe dos putos a sós com a Teresa, coisa que não acontece desde que Napoleão invadiu a Rússia. Mas não foi nada disso que eu tive, minhas senhoras.
Vocês, nestas coisas, são terríveis - está nos vossos genes a protecção assolapada da família. Fica-vos muito bem. Mas se não houvesse trabalho, a felicidade da família também estaria lixada. Eu sei que vocês, mulheres, percebem isto, até porque também trabalham que se desunham. Mas às vezes preferem regressar às velhas categorias do macho-trabalhador-que-se-está-nas-tintas-para-os-filhos vs. mulher-doméstica-dedicadíssima-às-criancinhas. Coisa que já não existe. Mas não existe nem para um lado, nem para o outro. Portanto, tenham piedade de mim e não me façam pior do que já sou, ok? Não sei se já leram isto nalgum sítio, mas os homens precisam de mimo.