Na quinta-feira caiu mais um dos dentes incisivos do Tomás. É engraçado como a queda de um dente é motivo para tamanha alegria nas crianças. O miúdo não se calava desde o fim-de-semana, dizendo que tinha um dente a abanar. Todas as manhãs e noites perguntava-me se era agora que ele ia cair, porque cá em casa eu sou a dentista de serviço - mesmo que o João mostre vontade de lhes dar um jeitinho ao dente, eles respondem logo que a mamã é que é médica.
Ora, como na quarta-feira de manhã eu lhe disse que estava mesmo quase, quase a cair, o Tomás declarou na escola que no dia seguinte já voltaria desdentado. Acontece que nessa noite cheguei muito tarde a casa, e quando ele se aproximou de boca arregalada para lhe tratar do dente eu chutei para canto e disse-lhe que era muito tarde e que ele podia sangrar muito...
O Tomás ficou desconsolado. Ele leva a sua palavra muito a sério, e se diz na escola que vai regressar sem dente, é mesmo para regressar sem dente - nem que seja preciso arrancar um de propósito. Resultado, na quinta de manhã, apareceu-me no quarto assim que acordou, e lá lhe dei uma traulitada no dente com ar de quem estava a fazer um tratamento dentário de elevadíssima dificuldade. Já com um dente a menos, foi de sorriso arreganhado para a escola, e se alguém passava por ele sem perceber a falta do dente, o Tomás encarregava-se logo de esclarecer a situação, mesmo que se tratasse de um desconhecido.
À tarde é que foram elas! Ele pediu-me para dizer à fadinha dos dentes que queria uns mini-soldadinhos da Segunda Guerra Mundial em troca do dente. O Tomás é o miúdo mais pacífico do mundo, mas adora fazer lutas e guerras com mini-soldadinhos desde que descobriu que esta era a brincadeira favorita do pai quando era pequeno. Como o João tinha ido para o Porto, eu não podia sair à noite para os procurar, e por isso tive de enfrentar umas filas de trânsito gigantes ao fim da tarde para conseguir ir ao Corte Inglès à procura deles na secção de modelismo.
Valeu a pena. Apesar de ter atrasado todas as tarefas do fim do dia, ao menos já tinha uma prenda em casa no momento em que ele foi buscar o dente à caixinha onde o tinha guardado de manhã. Claro que o Tomás andou agarrado ao dente até se deitar, e a páginas tantas já pensava que o tinha perdido no meio dos brinquedos. Virámos as caixas, comigo mais ansiosa do que ele para ao menos compensar o esforço da ida ao El Corte Inglés, e finalmente o dente lá apareceu. A normalidade foi reposta, e o Gui (só ele é que se lembra destas coisas) pediu para deixar a porta do quarto aberta para a fadinha entrar.
De manhã, mal abriu um olho, o Tomás agarrou na prenda que estava debaixo da almofada e anunciou deliciosamente que a fadinha dos dentes tinha muito bom gosto, porque tinha escolhido os soldadinhos das divisões Panzer alemãs, exactamente os que o papá andava a mostrar nas
aulas sobre a Segunda Guerra Mundial durante a hora do jantar. "Muito esperta, a fadinha", disse ele.
E nem quando o papá chegou e se disse espantado por a mamã ter encontrado exactamente os soldadinhos Panzer, o Tomás se atrapalhou: "Ó papá, não foi a mamã! Foi a fadinha dos dentes!" A força da magia dentária é muito forte nesta casa. Mantê-la dá bastante trabalho, como se vê, e obriga a raides apressados a centros comerciais. Mas, no final, o esforço compensa.
A divisão Panzer em exercícios de combate na mesa da cozinha