por João Miguel Tavares, em 22.01.13
As nossas noites em família têm andado demasiado atribuladas, sobretudo por causa do Gui, que ou faz fita ao deitar, ou faz fita ao jantar, ou faz fita ao jantar e ao deitar. O cúmulo jurídico dos castigos que já lhe apliquei à mesa dava para ele ficar fechado no quarto até ter 18 anos, não fosse ser frequentemente amnistiado por uma generosa advogada que anda cá por casa.
Hoje voltámo-nos a zangar a propósito de um prato de salmão, que só não lhe enfiei pela garganta abaixo porque a Teresa me fez jurar por todos os santinhos que eu ia ter paciência com ele. A teoria dela é esta: quando se grita com o Gui à hora de jantar, há pesadelos na certa pela noite fora. E a teoria, de facto, já foi devidamente comprovada na prática. Por isso, fui rapar o fundo do tacho da paciência, e lá consegui sacar um sorriso amarelo que permitiu que ele comesse uma última colher sem o psicodrama do costume.
Mas o mais giro foi o que aconteceu depois. O Gui saiu da mesa e em vez de ir para o quarto foi-se sentar na cadeirinha vazia da Rita que estava na cozinha. E lá ficou um bocado, mais entalado do que sentado, com as pernas no ar, meio meditativo. O pobre do Gui, do alto dos seus quatro anos, vê a sua mana, sente que perdeu o estatuto do mais novo da família, e intimamente deseja voltar a ser bebé.
Ele é fantástico com a Ritinha, trata-a com um carinho extraordinário, e como não se atreve a ser ciumento à frente dela, decide sê-lo à frente de um prato de salmão. Menos mal. Não se aceita. Mas compreende-se.