por João Miguel Tavares, em 24.06.13
José Carlos Fernandes
Eis o meu texto de ontem na revista do CM:
O recente debate sobre a co-adopção permitiu que nos confrontássemos com os nossos valores mais profundos: o que é uma família?, o que entendemos por “lei natural”?, qual o verdadeiro interesse superior da criança? São questões fundamentais, que merecem uma boa discussão. E por isso nesse debate eu estive – e estou – convictamente do lado da aprovação da lei, que me parece um caso elementar de direitos humanos, valorizando relações afectivas já existentes em detrimento de preconceitos antinatura.
Este não é o local certo para avançar com demorados argumentos filosóficos e políticos, mas é o sítio certo para reflectir sobre a perplexidade que sempre me acompanhou ao longo deste debate: ver os opositores da co-adopção por homossexuais defenderem, com absoluta certeza, que a família perfeita – a única, no seu entender, que assegura o crescimento equilibrado de uma criança – é aquela que replica a estrutura da família tradicional, sugerindo que tudo o que se afasta desse cânone é disfuncional ou, pelo menos, desaconselhável.
Como por esta altura o caro leitor já saberá, encontrar uma família mais tradicional do que a minha não é tarefa fácil. Eu não só sou um monogâmico praticante com quatro filhos, como namoro com a mesma mulher desde 1992, tinha eu uns ridículos 18 anos e ela nem isso. Mas o facto de me ter casado com a minha primeira namorada, e de até hoje me considerar muito feliz com essa decisão, não me faz andar por aí a pregar que esse é o único, nem necessariamente o melhor, caminho para a felicidade.
O orgulho que sinto pela minha família, e a felicidade que, apesar de inúmeras confusões e frustrações, sinto no seio dela, dá-me para a gratidão – não para a imposição. Eu agradeço a todos os santinhos a imensa sorte que tive, mas não me passa pela cabeça achar que existe uma fórmula fechada para se construir uma família equilibrada ou que as certezas sobre o meu mais brilhante amor são facilmente extrapoláveis.
Nós vivemos ainda numa extraordinária ignorância sobre o funcionamento da nossa cabeça e sobre a matéria de que são feitos os nossos sentimentos. E por isso, tenho para mim que a atitude mais sábia é manter uma permanente modéstia e seguir o conselho de Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres.” Este deveria ser o primeiro artigo de todas as leis da República. E esta é a única certeza que aqui deixo.