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A ASAE da paternidade

por João Miguel Tavares, em 24.06.14

Tenho de agradecer publicamente à Maria o esforço que tem feito para animar a caixa de comentários deste blogue, e portanto volto a fazer questão de responder à sua última invectiva no corpo principal. As palavras delas vão a bold, as minhas respostas a redondo.

 

Eu realmente tenho de deixar de vir espreitar este blog...

 

Vá lá, Maria, já é a 17ª vez que promete isso. Por que não admitir simplesmente que gosta de cá vir?


Mas há algo que me atrai, género curiosidade idiota pelo acidente do outro lado da Segunda Circular...

 

Parece-me uma razão perfeitamente legítima. Portanto, sugiro que passe a iniciar os seus comentários da seguinte forma: "O mais recente estampanço no Pais de Quatro motiva-me a comentar o seguinte..."

O João reitera novamente a "tolerância à palmada", mas passe a expressão, isso é uma forma um tanto ou quanto "pussy" de defender a coisa! Depois deixa a cargo dos seus comentadores mais dados à violência a verdadeira tarefa argumentativa. Se está tão seguro da sua convicção porque não faz um post inteiramente dedicado ao assunto? 

 

Adoro quando me chamam pussy. Sobretudo pussy cat. Mas permita-me deixar aqui mais uma sugestão, Maria. Dá sempre jeito, quando se trata de comentar um comentador ou um blogue, não partir do princípio que a primeira vez que esbarrámos nele foi precisamente no dia em que o comentador ou o blogue nasceram. Quer dizer: o Pais de Quatro já tem um histórico. Ele não começou quando a Maria cá apareceu pela primeira vez, via polémica Gonzalesca, se bem me recordo.

 

Donde, para evitar ser apanhada sem cadeirinha em afirmações definitivas e proferidas a grande velocidade, a Maria pode sempre recorrer ao Google, que é um grande amigo, investigar o arquivo do blogue, ou, muito simplesmente, rodar um bocadinho o pescoço para a direita e verificar que, sob o título "posts mais comentados", a terceira entrada chama-se precisamente "Sobre bater (ou não bater) nas crianças".

 

"Se está tão seguro da sua convicção porque não faz um post inteiramente dedicado ao assunto?" deve ter sido uma frase que divertiu deveras os frequentadores mais antigos deste blogue. Aquele post é o terceiro com título "Sobre bater (ou não bater) nas crianças", mas, que eu me recorde, foram pelo menos 11. Acha que lhe chegam? A Maria não é a única a entusiasmar-se com a questão da palmada, sabe. Na verdade, esse é o tema mais debatido, e sobre o qual mais escrevi, desde o início deste blogue, na segunda metade de 2012.

Sugestão de título: As virtudes da violência infantil. Soa-lhe bem?

 

Lá está: não só me soa bem como esse argumento é também o mais batido entre quem se opõe à palmada. E acerca disso eu já tentei explicar - mas nunca é demais pregar, ainda que no deserto - que esse é um argumento deveras básico, porque sugere uma equivalência (violência infantil/ violência doméstica) entre adultos e crianças.

 

Ora, eu acredito (é uma coisa cá minha) que os adultos não são crianças. Em certas coisas as crianças têm mais direitos do que os adultos. Noutras coisas as crianças têm menos direitos do que os adultos. E isto pela simples razão de que as crianças não são adultos, nem sequer mini-adultos. São... como é que se chama?... crianças.

 

Mas, já agora, aproveito para esclarecer um outro ponto. Quando me vêm cá dizer "ah, mas se fosse um adulto a fazer birra você não levantava a mão", permitam-me notar que não é, de todo, verdade. Se eu estivesse numa discoteca ou no meu trabalho e um gajo fosse tão irritante, teimoso e mal-comportado como às vezes os putos birrentos conseguem ser, e se eu não tivesse a opção de lhe virar costas, garanto que lhe batia. Ou, pelo menos, tentava. Com a diferença de que lhe aplicaria um murro nas trombas e não uma palmada no rabo.

 

Eu sou um gajo violento, o que é que quer. Tão violento que nunca na vida andei à pancada com ninguém. 

 

P.S. Até aposto que se o seu filho não quiser calçar os sapatos para sair de casa não lho permite, fazendo uso se necessário da dita ferramenta de educação imprescindível, não vá ele cortar-se num vidro, ou simplesmente porque parece mal. Mas pô-lo no chão do carro ignorando as mais importantes regras de segurança já não merece tanta atenção e podemos ser portugueses cool do desenrasca! Faz todo o sentido.

 

Eu vou aqui confessar um pecado: dei o exemplo de sentar uma criança no chão do carro de propósito e com alguma maldade, para testar a tolerância dos meus queridos leitores e leitoras. Tive o cuidade de escrever "imprevistos de última hora" e "distâncias muito curtas", para amenizar a coisa, mas ainda assim a sempre-atenta Maria não deixou escapar.

 

De facto, tendo em conta aqueles momentos mais tolerantes em que admite não saber tudo acerca da ciência de criar filhos, a Maria está a maior parte do tempo à beirinha de fundar uma ASAE da paternidade. Qual é a última directiva de Bruxelas sobre a melhor forma de calçar meias, locomover-se no passeio ou fixar uma cadeira num habitáculo? A Maria sabe.

 

Pois bem, Maria, eu confesso: já levei crianças deitadas no chão do carro, já estacionei em sítios proibidos e raramente ando na autoestrada a 120 quilómetros por hora. Sou um péssimo cidadão e o pai mais horrível do mundo.

 

Os meus filhos não crescem num mundo liofilizado. Eu sou de Portalegre e a Teresa é de Castelo Branco. Fazemos dezenas de milhares de quilómetros todos os anos em estrada para visitar a família - as probabilidades de termos um acidente aumentam imenso. E então? A Carolina pede muitas vezes para ir sozinha andar de bicicleta no Alentejo. Estando sozinha, as probabilidades de ela ser atropelada e de eu não estar ao seu lado aumentam imenso. E então? Tomamos precauções, dizemos-lhe para ter cuidado, mas não a impedimos de ir, não é?

 

Imagine, Maria, que eu vou apanhar os meus filhos à escola e um pai amigo me telefona, desesperado, a dizer o seguinte: "Por favor, apanha-me os miúdos e leva-os para tua casa até eu chegar. Fiquei aqui retido no emprego e só consigo estar aí daqui a meia hora." Imagine, Maria que o portão da escola vai fechar e que os funcionários da escola se vão embora. O que é que eu faço? Enfio-os no meu carro, sobrelotando-o, numa viagem de quilómetro e meio feita a 40 quilómetros/hora? Ou deixo-os sozinhos à porta da escola, à espera que o pai deles chegue?

 

As duas opções têm os seus perigos. Podemos ter um acidente de carro. Mas se as crianças ficarem sozinhos podem ficar assustadas ou - sei lá - aparecer um raptor. Sabe aquelas alturas da vida em que somos obrigados a escolher não entre o bem e o mal, mas entre o mal maior e o mal menor? A mim, estão-me sempre a acontecer.

 

E, portanto, faça-me um favor, Maria: ainda que seja para ver acidentes, parta do princípio que todas as pessoas que vêm a este blogue querem o melhor para os seus filhos. Se não quisessem, se não se preocupassem, se não gostassem de ser melhores pais e mães, não vinham cá. A internet é tão vasta, não é? Há tantas coisas para fazer.

 

Eu não quero uma ASAE da paternidade, Maria. Não quero regras absolutas, para seguir como se eu fosse uma mula com duas palas nos olhos, condenado a passar a vida a andar à roda de um poço. Nós temos cabeça própria para avaliar riscos, improvisar, saber quando as regras podem ser quebradas, pela simples razão de que seremos sempre mais inteligentes, mais sensíveis e com mais bom-senso do que um calhamaço com directivas, venha de onde vier.

 

Se algum dia eu tiver realmente um acidente grave, e falhar profundamente aos meus filhos, a Maria terá sempre o consolo de dizer "eu bem avisei". Mas depois fará como na Segunda Circular: abanará a cabeça e seguirá em frente. Nós, os pais, somos o que ficamos, portanto não tenha a presunção de ser a única pessoa com o coração no sítio, quando à sua volta só há irresponsáveis, insensíveis ou gente que não está a perceber bem.

 

Um beijinho para si e continue a voltar, sempre acutilante,

 

JMT 

 

publicado às 11:20


41 comentários

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De Maria a 25.06.2014 às 13:12

O que considero pessimismo em relação aos filhos está distribuído pelos artigos que li no blogue. Para além do que já mencionei talvez o maior indicador seja a premissa( aqui em jeito simples e abreviado) de que as crianças hoje em dia são mimadas demais e que portanto temos de virar a proa ao contrário! (Se não coitados dos pais que não se aguentam)

João, como é que uma criança que vê os pais 3 horas por dia pode ser mimada demais?

Fisicamente isso é impossível, não concorda?

(Se me disser que há pais que para compensar isso lhes compram coisas a mais e outras que tais, isso é outra conversa inteiramente...)

Parece-me que, a haver uma origem predominante para os putos "embirrantes", essa se prenda mais com a falta que sentem dos pais, do que pelo excesso da sua atenção.

A verdade é que a maioria dos pais sente que tem pouco tempo para os filhos.

Mas não é a querer que sejam auto- suficientes o mais rapidamente possível que a coisa se resolve..
Espera-se deles o impossível (ex. Passar o dia na creche sem os pais aos 4 meses de idade!).
E depois os pais sentem-se exasperados... Pois claro! Educar, brincar e divertir-se com uma criança em 3 horas por dia...Não há milagres!

O João acha que a solução se encontra nas regras dos Estivill's do mundo, eu acho precisamente o oposto!
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De Teresa Alexandre a 25.06.2014 às 13:43

Maria, nao resisto a comentar uma das coisas que disse: eu vivo na Alemanha, um país onde a maior parte das maes fica em casa pelo menos 3 anos depois dos filhos nascerem. E, se voltam ao trabalho, geralmente é só em part-time.
Portanto, por aqui é muito mais normal as MAES passarem bem mais do que três horas por dia com os filhos.
(Só um parêntesis: estranhamente ninguém fala nos PAIS, que normalmente saiem de casa antes dos filhos acordarem e chegam a casa quando eles já estao a dormir, mas isso é outra conversa)
Eu, pelo contrário, sou uma mae desnaturada, porque pus a minha filha no infantário aos 9 meses e voltei a trabalhar a tempo inteiro.
Mas o que eu queria mesmo dizer é que os miúdos alemaes sao tao bem ou tao mal educados como o portugueses. Eu conheco miúdos dessas maes a tempo inteiro e com uma educacao soft como a Maria que têm uns filhos que sao uns tiranos mimados e conheco outros, também filhos de maes dessas, que sao super queridos e bem educados.
E o mesmo se aplica a filhos de maes part-time e educadoras exigentes...

Odeio generalizacoes! É como dizer que todos os alemaes sao nazis ou todos os negros sabem dancar, sei lá!

Aquilo que o Joao escreveu neste post para comentar o seu post é exactamente o que eu teria escrito, se tivesse o dom da escrita que ele tem.
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De Maria a 25.06.2014 às 14:18

Concordo em parte com o que disse. Se reparar escrevi:
" Parece-me que, a haver uma origem predominante para os putos "embirrantes", essa se prenda mais com a falta que sentem dos pais, do que pelo excesso da sua atenção". O que por outras palavras significa que na possibilidade de haver uma origem talvez se prenda mais com....senão foi essa a mensagem que passou, é porque tal como a Teresa não domino tao bem a escrita como o autor do blog.
Também conheço muito bem a realidade alemã e gostaria muito que as mesmas possibilidades se aplicassem aqui. Contudo em momento algum falei em resultados! Alias são muitos mais os outros comentadores
(incluindo o proprio autor) que o fazem. " Ah, e depois admiram-se de ter miúdos malcriados e impossíveis de aturar.." e afirmações do género.

Não Teresa, nunca disse que se agirmos de tal forma obteremos tal resultado, até porque como sabemos isso não existe. Para mim o proposito também não é esse. Gostava de ter mais tempo para os filhos? Sim. Acho que tanto eu como eles ficaríamos mais satisfeitos? Sim. Faria mais sentido? Sim.

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De Anónimo a 25.06.2014 às 17:14

"É o principio que esta errado! ", escreveu a Maria ontem, 10:45. Permita-me mas eu digo-lhe, como outras pessoas já lhe disseram, como o JMT já lhe disse (com uma paciência que eu, confesso!, lhe invejo): o que está errado é a Maria partir do pressuposto de que alguns pais (incluindo eu e o meu marido) partem do princípio de que a educação se dá à palmada, interpretada pela Maria como espancamento. Não é disso que se trata. Os pais (salvaguardando os casos de maus tratos, obviamente) recorrem à palmada quando uma determinada situação assim o exige e eles não encontram outra forma de a resolver. Comigo, como mãe, foi uma mão cheia de birras entre os 3 e os 4 anos, em que recorremos a uma nalgada bem dada na hora certa. Como filha, não sei quantas foram (não me lembro) mas, como alguém já comentou num dos posts anteriores, só se perderam as que caíram no chão.
O que me custa ler nos comentários da Maria são as suas tristes generalizações. Sim: tristes! Porque a Maria reduz todos os outros pais à nulidade quando eles têm a honestidade de assumir atitudes que muitas vezes preferiam não as ter tomado. Ou acha que as nalgadas que dei aos meus filhos me fizeram mais feliz? Garanto-lhe que, depois da birra, eles esquecem as nalgadas mas eu lembro-me bem de lhas ter dado. Nenhum pai nem nenhuma mãe gosta de bater nos filhos. Pelo menos os que assumem que dão a palmada "na hora": isto inclui o JMT e os comentadores do PD4 (gostei do nick!) que assumem que dão "a palmada". Não gostamos, Maria. E, quando o fazemos, dói-nos a alma. Pode vir aqui responder que se nos dói a alma é porque estamos errados mas não parta do princípio de que, quando decidimos ter filhos, já temos palmada premeditada e que somos completamente intolerantes à primeira birra ou às manhas do recém-nascido, e que resolvemos tudo à bofetada e aos abanões desde a primeira hora ou que engasgamos os nossos filhos com bróculos e espinafres pela garganta abaixo porque queremos que eles tenham uma alimentação saudável.
Não parta destes princípios nem faça generalizações escusadas porque nós não somos esses pais que a Maria imagina. Tal como o JMT escreveu, "parta do princípio que todas as pessoas que vêm a este blogue querem o melhor para os seus filhos" e não se precipite em avaliações e generalizações precipitadas, erradas e agressivas.
Venha cá ler os posts do JMT e os nossos comentários com ânimo leve e com abertura para outras formas de educar e amar os filhos. Porque eu sei que não sei tudo e sei que a Maria nem ninguém, absolutamente ninguém!, sabe tudo. E a humildade de reconhecer que há outras maneiras de pensar e de fazer fica bem a qualquer um. :)
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De Maria a 26.06.2014 às 09:42

Agradeço desde já que se preocupe com o que me ficaria bem ou não, mas quanto a isso penso ser capaz de o decidir sozinha.

Todos os que colocam comentários aqui têm o direito de expressar a sua opinião, contrária à sua ou não! Oposta à do autor ou não!

Quanto a generalizações penso que caiu nesse erro muito mais do que eu, ora veja por exemplo:

"Nenhum pai nem nenhuma mãe gosta de bater nos filhos."

Não deixo de achar espantoso, que se deem ao trabalho de responder a alguém que é contra as palmadas, e o diz sem paninhos quentes.... Mas que ninguém, absolutamente ninguém, tenha respondido a comentários aqui em que são admitidas não só palmadas, como surras!

E já agora, porque é que eu tenho de vir " de mente aberta e ânimo leve" para a sua forma de educar? Não acha que lhe posso dizer o mesmo a si?

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De Maria a 26.06.2014 às 09:50

Ah e só mais uma questão..
Quando olha para um recém-nascido vê manhas! Eu vejo necessidades... São perspectivas!
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De Anónimo a 26.06.2014 às 12:19

Tenho de dar a mão à palmatória! A verdade, Maria, é que quando decidi que queria ter filhos, o meu plano era mandá-los para Guantanamo e que eles regressassem quando já fossem jovens-adultos sem manhas nem birras. Mas, ó Céus!, não foi possível e agora tenho de me amanhar com eles. E, então, desanco à pancadaria a torto e a direito desde que nasceram. É verdade! Em privado e em público! Sim, eu sou essa mãe que existe só na sua cabeça.
Gosto mesmo deste blogue, pena é que nos últimos tempos, tenho de me cruzar consigo, apesar de já ter escrito que nunca mais cá vinha... Não tenho nada a ver com isso, afinal, eu também tenho a liberdade de não aparecer por aqui só para não me cruzar consigo, não é? Mas não o vou fazer porque o prazer de ler os posts, concordando ou não com o seu autor, é maior do que o contratempo de a encontrar. Vou, isso sim, ignorá-la. E não farei como a Maria que quebrou a promessa de deixar de cá vir. Vou, apenas, ignorá-la. Seja feliz :)

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