Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





A infância de risco zero e a negligência benigna

por João Miguel Tavares, em 25.09.14

Na sequências dos posts desta semana, tenho recebido algumas sugestões de artigos e vídeos que debatem o assunto da obsessão securitária no mundo actual, no que às crianças diz respeito. Uma das sugestões mais proveitosas (obrigado, Miguel Barroso), e que aconselho a todos, é uma conferência de Tim Gill, intitulada Risk and Childhood.

 

Tim Gill 

 

A sua intervenção tem cerca de 25 minutos (seguem-se outras intervenções igualmente interessantes), e o inquérito inicial com que provoca a audiência é extraordinariamente esclarecedor. Tim Gill começa por pedir ao público que tente recordar a melhor memória da sua infância. De seguida, pede para se levantarem aqueles cuja memória feliz foi vivida fora de casa, ao ar livre. Praticamente toda a gente se levanta. Finalmente, pede para se levantarem aqueles cuja memória feliz foi vivida fora da vista de adultos. De novo, praticamente toda a gente se levanta.

 

Eu também pensei nas minhas mais felizes memórias de infância. E sim, foram ao ar livre. E sim, foram longe da vista de adultos. Infelizmente, as crianças que estamos a criar não vão ter tantas oportunidades para poder responder o mesmo no futuro.

 

Gill aborda - e desmonta - os medos mais comuns dos pais, centrando-se nos parques infantis e no abuso de crianças. E a conferência, curiosamente, vem na sequência de um trabalho seu que foi publicado pela secção inglesa da Fundação Gulbenkian. Existe um pdf da sua obra, No Fear: Growing up in a risk averse society, totalmente gratuito aqui.

 

 

Não quero estar a chatear-vos novamente com isto, porque acaba por ser uma forma cientificamente fundamentada daquilo que já defendi nos dois textos anteriores. Contudo, não posso estar mais de acordo com Tim Gill quando ele afirma, ao concluir a sua intervenção, que a questão que merece ser mais discutida actualmente talvez não seja a do mimo, a do carinho ou a da disciplina, mas sim aquilo a que Gill chama "benign neglect" - uma muito útil "negligência benigna", sem a qual nos transformamos não só em pais obcecados, como abafamos os nossos filhos com tanto aperto e preocupação.

 

Só mais um ponto: na parte final do vídeo da conferência, já da boca de um outro interveniente (Tom Malarkey, da Royal Society for the Prevention of Accidents), sai uma magnífica frase, que eu estou a pensar transformar em mantra pessoal, e procurarei repetir muitas vezes: "try to make children lives as safe as necessary, not as safe of possible".

 

"Tentemos que as vidas das crianças sejam tão seguras quanto necessário, não tão seguras quanto possível."

 

A diferença entre uma coisa e outra é, de facto, gigantesca.

 

publicado às 10:52


27 comentários

Sem imagem de perfil

De Nicole I. a 26.09.2014 às 11:17

Esta temática fez me lembrar do Worst parent ever acho eu um programa que da na TLC, pensamos logo que são pais negligentes e que não ligam para os filhos. Mas é totalmente o oposto são geralmente pais ou mães obssecados na segurança e higiene dos filhos que os sufocam e não os deixam viver e crescer em sociedade.
Lembro de um episódio que me ficou colado a memória, em que era um casal de 3 filhos de raça negra. Ela stay at home mom como a maioria das mulheres dos estados únidos, o filho mais velho com 15 anos a rebelar-se e tornar-se mal educado, e os outros dois tristes, foi o pai que nomeou a mãe para receber ajuda.
Resumindo: esta mãe leva sempre os filhos a escola, não os deixava comer a comida da cantina, porque podia conter alimentos pouco higienicos, supervisionava os banhos até do mais velho porque podia não se lavar correctamente. Não os deixava escolher roupa, não os deixava brincar na casa dos visinhos, porque sei lá se o marido da vizinha não é um pedófilo ou tarado, ou se a vizinha vai estar de olho neles para não se magoarem.
Eram tão esmagados por pressão da mãe que já nem amigos tinham, porque se ela os levava ao parque andava sempre atrás do não subas ai que podes partir a cabeça, e estas a falar com quem eu não disse para não falares com estranhos (era uma criança um pouco mais velha que queria brincar).
A terapeuta entendeu os medos dela e vai de terapia de choque gradual, primeiro dia fazer uma venda de limonada a porta de casa... mãe drama mas e o que os vizinhos vão pensar, que eu não tenho dinheiro para os sustentar, e vão falar com estranhos, isso não é seguro... A terapeuta levou os miudos ninguém vinha então foram de porta em porta oferecer limonada aos vizinhos... a mãe vê isto e desata a gritar para devolver os filhos porque estes podiam ser raptados... (a mãe podia os ver pela janela da sala).

Não conto o resto do épisódio mas podem ver o culmo do excesso de protecção pode fazer mal aos filhos, a terapeuta dizia que com 15 anos o miudo já devia de ter autonomia pois aos 16 iria tirar a carta, a mãe em panico dizia que não era possível ele ter maturidade para ir para a escola a pé quanto mais de carro ou conduzir um carro, e ela levou ao passado dela e ela aprecebeu-se que quando tinha 10 anos já sabia cozinhar o suficiente para ir a casa almoçar, e aos 15/16 anos já ia ao cinema sozinha com amigas, e que não estava a dar a mesma infância feliz que ela teve... e a terapeuta mostrou as estatisticas e casos de pedófilia e abusos na época em que ela viveu.

O Mal sempre existiu, mas não podemos viver fechados em casa para ele não nos aparecer a frente...

Só para verem a terapeuta no ultimo dia deu dinheiro ao mais velho para levar os dois mais novos a comer pizza sozinhos de autocarro, eles foram sempre a filmar o caminho com uma camera que a terapeuta deu. No restaurante aparece um senhor a meter conversa com eles, a perguntar o que estão a comer e isso parece bom, e tem uma camera muito gira e telemovel, e o mais velho a ignorar, até que percebeu que ele não ia largar e chamou o empregado e o homem fugiu... (esse homem tinha sido contractado para a mãe que depois ia ver as filmagens ver que o seu filho mais velho sabia defender-se sozinho e defender os seus irmãos).

Li por alto uma mãe com dificuldades em dar autonomia ao filho de 17 anos, mas ele vai entrar para a faculdade dentro de um ano e senão entrar é esperado dele que vá trabalhar para sustentar-se sozinha. Já devia de ter a maior autonomia do mundo.
Sem imagem de perfil

De Patty a 26.09.2014 às 15:36

Eu dou, mas custa-me muito!
Mas se voltar a ler a comentário com atenção, percebe porquê... ;)

Comentar post




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D