Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Afinal, a culpa é de uma... quase-médica

por João Miguel Tavares, em 24.01.14

Há quem ache que de cada vez que elogio os leitores deste blogue só estou a passar graxa e a dar uma de relações públicas, mas acreditem que vocês são mesmo quatro estrelas e meia (só não digo cinco que é para continuaram a esforçar-se). Hoje tive um dia muito cheio e longe de hot spots, e é um gosto regressar a casa e ver a riqueza da caixa de comentários do post tétrico e pós-tétrico.

 

A provar, aliás, que a minha intuição hitchcockiana estava certa, a Ana Azevedo até decidiu regressar, qual Miss Marple, ao local do crime, para nos explicar os motivos da sua estranha pergunta sobre a morte de um filho. E a explicação é tão boa, mas tão boa, assim a um nível hitchcock-agatha-christiano, que o seu texto tinha, mais uma vez, de vir parar aqui. Até porque eu tenho uma ou duas coisas a dizer sobre ele (e a excelentíssima esposa teria para aí mil e uma, se não estivesse hoje de banco). Cá vai:

 

Boa tarde a todos! A publicação do post mais tétrico de todos os tempos é minha culpa! Não, não fui eu quem o escreveu!:) A pergunta que levou à sua escrita é que é minha!


Algures na caixa de comentários alguém perguntava o motivo que me levou a colocar aquela questão. Então cá vai:


- Sou estudante de medicina e até começar a estagiar, o sofrimento humano não fazia parte do meu conhecimento. Não vivia numa redoma, é certo, mas também nunca tinha ouvido tantos relatos trágicos por dia. E isso atrapalhava-me imenso, porque me tornava completamente impotente. Sei como tratar uma insuficiência cardíaca, mas não sei o que fazer ou dizer - se é que deva fazer ou dizer - a alguém que chora copiosamente à cabeceira do pai que está a morrer. Considero que, ao contrário do conhecimento médico-científico-orgânico que é tanto maior quanto mais ler sobre o assunto em livros e em artigos científicos, o conhecimento daquilo que é a essência humana do doente e dos familiares e como lidar com esse lado só se adquire com a experiência de vida. Estou a 1 ano dos 24 anos, a 1 ano de exercer medicina! Aos 24 anos ninguém - ou quase ninguém - tem essa experiência, logo se eu falar e discutir os assuntos com várias pessoas talvez aprenda com a experiência de vida dos outros.

- A morte na infância e todo o seu ónus sempre foi uma área que me sensibilizou de sobremaneira, pela minha ainda maior impreparação para lidar com o assunto. Na universidade vão-nos falando da morte do velhinho que tinha n patologias e que até estava num sofrimento atroz mas quase ninguém nos fala no menino que morreu com 5 anos. Vamos para os estágios nas áreas pediátricas e o mundo cai-nos aos pés. Li milhares de artigos sobre este assunto, li milhares de testemunhos e de opiniões mas sempre ávida por ler mais e mais. Não posso fazer nada pelo menino que está irremediavelmente doente... mas poderei fazer pelos pais? Se puder, eu tenho que descobrir!

- Sempre pensei que era "melhor" para um pai ou mãe perder um filho com 7 anos do que um filho com 7 dias: de um filho com 7 anos vai poder recordar-se dos momentos felizes que viveram, das coisas boas que ele lhe disse, de um filho com 7 dias vai ter saudades de tudo o que nunca teve mais o que poderia vir a ter. Depois comecei a ouvir os meus pais assim de levezinho quando anunciavam na imprensa a morte de alguma criança com leucemia comentarem "coitados dos pais, se o final era para ser este mais valia ter morrido ao nascer", encontrei as crónicas do JMT aquando do nascimento da Carolina e comecei a questionar toda a minha forma de pensar. 

Sei que não há medidores da dor. Sei que se alguém perder no mesmo acidente a esposa e a filha se calhar vai ficar profundamente triste com a morte da filha "esquecendo" a morte da esposa enquanto que alguém que perde o marido e tem os filhos bem de saúde vai chorar a perda do marido como a maior das perdas. Sei que a fé pode ajudar a viver as perdas de outra forma. Sei que depois do que li ontem e hoje aqui no blogue estou muito, mas muito mais rica do ponto de vista humano. Só serei melhor médica se tiver a par de um conhecimento científico irrepreensível um conhecimento e um respeito humano profundíssimo!

Queria agradecer ao JMT e a todos os seus caros leitores por partilharem comigo a vossa opinião/ perspectiva. Muito, muito obrigada, do fundo do coração.

 

publicado às 20:54


12 comentários

Sem imagem de perfil

De Márcia a 24.01.2014 às 21:54

Não tenho a mais pequena duvida. Precisamos de muitos profissionais com esta sensibilidade.
Sem imagem de perfil

De LA-C a 24.01.2014 às 23:12

Por acaso dispenso médicos muito sensíveis. Prefiro médicos que tenham a frieza de fazer o que tem de ser feito e com a maior precisão possível. As emoções devem estar de lado.
Pelo menos, da parte que me toca, se algum dia um médico tiver de fazer uma operação delicada ao meu corpo, espero, sinceramente, que olhe para mim da forma mais mecânica e científica possível.
Tal como não recorro a um psicólogo quando preciso de um médico, ter médicos a fazer de psicólogos também me parece má ideia. Cada um que se concentre no que tem a fazer e da melhor maneira possível.
Imagem de perfil

De João Miguel Tavares a 25.01.2014 às 00:05

Ui, meu caro, tanto que havia a dizer sobre isso. Lê o meu post seguinte. Tu não imaginas o que pode fazer uma boa conversa pela saúde de um doente.
Sem imagem de perfil

De Ana Cunha a 25.01.2014 às 07:41

Caro LA-C, respeito a sua opinião claro, mas suspeito que nunca lidou com situaçoes de doenças complicadas de pessoas importantes na sua vida. A diferença entre um médico sensível ou nao-sensível, e discordo totalmente na sua comparação dos primeiros com psicólogos, é a diferença como alguém lhe diz que a sua mãe, pai ou filho tem um doença incurável, tem "x" semanas de vida e acredite meu caro é preciso uma porra de uma grande sensibilidade para dizer isso a alguém, e quando essa porra dessa sensibilidade não existe da parte do médico acredite também, que é preciso uma uma força do caraças de quem está a receber a noticia para não o "sensibilizar" ali naquele instante!
Sem imagem de perfil

De LA-C a 25.01.2014 às 10:00

"Caro LA-C, respeito a sua opinião claro, mas suspeito que nunca lidou com situações de doenças complicadas de pessoas importantes na sua vida."

Não tentem adivinhar a vida de uma pessoa a partir de meia dúzia de frases. Podem concordar ou discordar do que um tipo escreveu. Daí a inferir as agruras por que ele passou, ou não, na vida... dá asneira.

De qualquer forma, concordo que este post não era o local indicado para deixar um comentário como o que eu aqui deixei, pelo que peço que façam de conta que eu não escrevi nada.
Sem imagem de perfil

De Márcia a 27.01.2014 às 14:43

Já escreveu.

Comentar post




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D