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Afinal, a culpa é de uma... quase-médica

por João Miguel Tavares, em 24.01.14

Há quem ache que de cada vez que elogio os leitores deste blogue só estou a passar graxa e a dar uma de relações públicas, mas acreditem que vocês são mesmo quatro estrelas e meia (só não digo cinco que é para continuaram a esforçar-se). Hoje tive um dia muito cheio e longe de hot spots, e é um gosto regressar a casa e ver a riqueza da caixa de comentários do post tétrico e pós-tétrico.

 

A provar, aliás, que a minha intuição hitchcockiana estava certa, a Ana Azevedo até decidiu regressar, qual Miss Marple, ao local do crime, para nos explicar os motivos da sua estranha pergunta sobre a morte de um filho. E a explicação é tão boa, mas tão boa, assim a um nível hitchcock-agatha-christiano, que o seu texto tinha, mais uma vez, de vir parar aqui. Até porque eu tenho uma ou duas coisas a dizer sobre ele (e a excelentíssima esposa teria para aí mil e uma, se não estivesse hoje de banco). Cá vai:

 

Boa tarde a todos! A publicação do post mais tétrico de todos os tempos é minha culpa! Não, não fui eu quem o escreveu!:) A pergunta que levou à sua escrita é que é minha!


Algures na caixa de comentários alguém perguntava o motivo que me levou a colocar aquela questão. Então cá vai:


- Sou estudante de medicina e até começar a estagiar, o sofrimento humano não fazia parte do meu conhecimento. Não vivia numa redoma, é certo, mas também nunca tinha ouvido tantos relatos trágicos por dia. E isso atrapalhava-me imenso, porque me tornava completamente impotente. Sei como tratar uma insuficiência cardíaca, mas não sei o que fazer ou dizer - se é que deva fazer ou dizer - a alguém que chora copiosamente à cabeceira do pai que está a morrer. Considero que, ao contrário do conhecimento médico-científico-orgânico que é tanto maior quanto mais ler sobre o assunto em livros e em artigos científicos, o conhecimento daquilo que é a essência humana do doente e dos familiares e como lidar com esse lado só se adquire com a experiência de vida. Estou a 1 ano dos 24 anos, a 1 ano de exercer medicina! Aos 24 anos ninguém - ou quase ninguém - tem essa experiência, logo se eu falar e discutir os assuntos com várias pessoas talvez aprenda com a experiência de vida dos outros.

- A morte na infância e todo o seu ónus sempre foi uma área que me sensibilizou de sobremaneira, pela minha ainda maior impreparação para lidar com o assunto. Na universidade vão-nos falando da morte do velhinho que tinha n patologias e que até estava num sofrimento atroz mas quase ninguém nos fala no menino que morreu com 5 anos. Vamos para os estágios nas áreas pediátricas e o mundo cai-nos aos pés. Li milhares de artigos sobre este assunto, li milhares de testemunhos e de opiniões mas sempre ávida por ler mais e mais. Não posso fazer nada pelo menino que está irremediavelmente doente... mas poderei fazer pelos pais? Se puder, eu tenho que descobrir!

- Sempre pensei que era "melhor" para um pai ou mãe perder um filho com 7 anos do que um filho com 7 dias: de um filho com 7 anos vai poder recordar-se dos momentos felizes que viveram, das coisas boas que ele lhe disse, de um filho com 7 dias vai ter saudades de tudo o que nunca teve mais o que poderia vir a ter. Depois comecei a ouvir os meus pais assim de levezinho quando anunciavam na imprensa a morte de alguma criança com leucemia comentarem "coitados dos pais, se o final era para ser este mais valia ter morrido ao nascer", encontrei as crónicas do JMT aquando do nascimento da Carolina e comecei a questionar toda a minha forma de pensar. 

Sei que não há medidores da dor. Sei que se alguém perder no mesmo acidente a esposa e a filha se calhar vai ficar profundamente triste com a morte da filha "esquecendo" a morte da esposa enquanto que alguém que perde o marido e tem os filhos bem de saúde vai chorar a perda do marido como a maior das perdas. Sei que a fé pode ajudar a viver as perdas de outra forma. Sei que depois do que li ontem e hoje aqui no blogue estou muito, mas muito mais rica do ponto de vista humano. Só serei melhor médica se tiver a par de um conhecimento científico irrepreensível um conhecimento e um respeito humano profundíssimo!

Queria agradecer ao JMT e a todos os seus caros leitores por partilharem comigo a vossa opinião/ perspectiva. Muito, muito obrigada, do fundo do coração.

 

publicado às 20:54


12 comentários

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De Patrícia a 24.01.2014 às 21:55

Quando nasceu o meu segundo filho, e porque as hormonas não perdoam, comecei a ser assaltada por uma série de pensamentos idiotas do tipo: "e se me apanhasse no meio de um incêndio com tempo para salvar apenas um dos meus filhos?".
Durante umas quantas semanas não tive a menor dúvida de que salvaria o mais velho. É evidente que amava o mais novo como qualquer mãe normal ama os seus filhos, mas não tinha ainda desenvolvido a mesma ligação que com o mais velho eu já tinha ainda antes de ele nascer.
Hoje, passados 20 meses não ouso sequer permitir que pensamentos semelhantes se aproximem. Adoro os dois com a mesma intensidade, e sendo os dois completamente distintos, temos afinidades completamente diferentes. Mas babo de igual modo por ambos.

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