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Agarrem-me senão eu mordo-o! #2

por João Miguel Tavares, em 28.05.14

O Dr. Mário Cordeiro, que é o pediatra dos nossos filhos, aconselhou-me a gastar vela com melhor defunto do que Carlos González nos comentários ao meu post de ontem. Escreveu ele:

 

Não perca tempo... felizmente há a liberdade de se dizer o que se pensa, incluindo bacoradas. Ainda bem... serve para ver que, mesmo com os nossos erros, inconsistências e incoerências, ainda somos bons pais porque estabelecemos regras, limites, mimo e afecto, prémios e castigos proporcionados, justos e adequados. A entrevista é, toda ela, um show-off de "anti-sistema", mas não há uma referência científica que ele invoque para suportar o que tão peremptoriamente afirma. Deve pensar que é um "Marinho e Pinto da pediatria"... Abraços e gaste as suas energias com guerras mais dignas...

 

Tendo em conta o respeito e a admiração que o Dr. Mário me merece, e o saudável hábito que ele tem de não virar as costas às polémicas, talvez convenha então começar por explicar porque é que esta guerra contra a visão cutchi-cutchi da paternidade me parece tão importante. No próximo domingo - passe a publicidade - vai sair na revista do Público um longuíssimo texto meu sobre este tema, onde tento sistematizar de forma mais estruturada muitas dessas preocupações. Para os interessados, é ler, e depois, se quiserem, regressar aqui para mandar vir comigo.

 

Parte desse texto do Público está apoiado em dois livros americanos que me parecem muito importantes para discutir o tema - infelizmente, nenhum deles está traduzido em Portugal. Um chama-se Raising America, é da autoria de Ann Hulbert, e acompanha mais de 100 anos de conselhos sobre como educar as crianças. O outro é muito recente e foi um merecidíssimo sucesso nos Estados Unidos: chama-se All Joy and No Fun, é da autoria de Jennifer Senior, e tem a vantagem de mudar a direcção do holofote - em vez de averiguar, como habitualmente, o impacto que os pais têm nos filhos, foi analisar o impacto que os filhos têm nos pais.

 

O primeiro livro demonstra que a velha questão do "mais amor e compreensão" versus "mais rigor e disciplina" é um tema que já tem barbas e o debate mais recorrente no campo da educação infantil - sem que haja qualquer resposta definitiva para ele. A minha amiga Inês Castel-Branco, que vive e cria os seus filhos em Barcelona, deixou um resumo disso mesmo no meu Facebook, mas em versão catalã: 

 

Cá em Barcelona o tema está muito polarizado entre os que são a favor do pediatra Carlos González e os que são a favor do Doctor Estivill (ambos de Barcelona), e os dois grupos odeiam-se a matar. Os primeiros defendem a educação livre (há cada vez mais escolas "livres" onde não se obriga os miúdos a fazer nada), dormir juntos na cama, amamentação até aos 4 ou 5 anos, etc.; os do doutor Estivill são os que "ensinam" os bebés a dormir à custa de deixá-los chorar, os que marcam os limites... Os extremos nunca são bons, e possivelmente as duas linhas podem dar-nos que pensar!

 

Ora nem mais.

 

Já o segundo livro que citei, "All Joy and No Fun", demonstra algo que me parece ainda mais importante, até porque me toca directamente: estamos a criar uma geração de pais esmagados pelo peso da responsabilidade de criar os seus filhos de perfeitíssima maneira. Daí o magnífico título de Jennifer Senior, que numa tradução atabalhoada podemos frasear assim: "Só felicidade e nenhum divertimento." O livro de Senior tem como subtítulo "o paradoxo da paternidade moderna", e o paradoxo é este: todos adoramos os nossos filhos, mas uma altíssima percentagem de nós tem muito pouco prazer em ser pai (ou mãe).

 

É por isso que morder em González me parece tão importante: à boleia do discurso fofinho sobre a paternidade, do "nunca castigar", do "não comam salada se não quiserem", do "são crianças e é naturalíssimo que se portem mal", do "eles têm tempo para ser grandes", aquilo que se está a fazer é uma dupla asneira:

 

1) criar crianças que serão socializadas não pelos seus pais mas, muito mais à bruta, nos recintos das escolas e pelos professores que o conseguirem fazer, empurrando para a sociedade responsabilidades educativas que são da família, em primeiro lugar (e quem nunca levou, numa escola, com os resultados espectaculares dos paizinhos super-tolerantes, na forma de crianças intratáveis, que levante a mão);

 

2) produzir pais falsamente zen, para os quais tudo deveria ser paz e amor - só que tudo "paz e amor" é um projecto de vida impraticável para 99% das pessoas; todos nós perdemos a paciência, achamos obviamente que tem de haver regras, somos incapazes de ver a mesma colher de sopa ir 27 vezes para o chão sem castigar um puto; e se levarmos a sério o que o Dr. González diz ainda nos vamos culpabilizar mais do que já o fazemos nos dias de hoje por sermos incapazes de seguir a linha hippie da pediatria. 

 

Acho graça a que alguns leitores tenham dito, na caixa de comentários, que mal leram a entrevista de Carlos González pensaram logo em mim e que eu não iria resistir a responder. É porque me conhecem bastante bem - e tomo isso como um elogio. Claro que, como este tema me irrita bastante, já gastei demasiados caracteres só nos preliminares. A análise da entrevista do fofinho González vai ter de ficar para depois. 

 

De qualquer forma, antes que a Brigada Anti-Palmada me venha acusar de eu ser um bárbaro que tiro imenso prazer do espancamento dos meus filhos, deixem-me despedir recordando uma frase que resume a minha posição sobre este tema, da qual já falei várias vezes, mas que não me canso de repetir: não há ingrediente secreto. Ou seja, é impossível, na minha modesta opinião, reduzir a educação de uma criança a uma fórmula fechada - ela tem de ser adequada às características próprias de cada filho. A algumas crianças não vale a pena sequer bater com uma flor. Outras precisam de uma palmada no rabo na hora certa.

 

Mais disto em breve.

 

 

publicado às 10:31


1 comentário

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De Susana V. a 28.05.2014 às 12:48

Este é um assunto muito interessante. Um dos meus livros preferidos sobre crianças é o do Dr. Sears ("The Baby Book") que defende a filosofia do "attachment". Para mim essa filosofia que faz muito, muito sentido. Nesse livro faz-se a apologia do dormir na cama dos pais (fala-se de bebés e de "toddlers"), dar de mamar em exclusivo até aos seis meses, etc. Mas o que eu gostei mais no livro foi facto de se apelar ao bom senso, inteligência e intuição dos pais no acto de criar os filhos. Para mim isto traduz-se na seguinte regra de ouro: não devemos fazer algo porque lemos num livro mas que vai contra a nossa sensibilidade. E cada sistema criança-pais tem as suas especificidades, o que funciona para um não funcionará para todos...

Parafraseando (livremente) o Dr. Sears, os pediatras percebem de crianças doentes, não de crianças em todos os seus aspectos. Faz tanto sentido perguntar ao pediatra se o filho deve dormir connosco como ao padeiro. Ou até fará mais sentido perguntar ao padeiro se este tiver filhos e o pediatra não. Em certos assuntos não há como a experiência...

Eu não acho que faça mal algum dormir com os bebés. Para a nossa família foi uma solução fantástica. Como também não acho mal dar uma palmada em certas ocasiões.

Também gostei do livro de bebés do dr. Mário Cordeiro, apesar de discordar na prática de algumas das directivas. Mas lá está, não há receitas certas... Tenho amigos que praticam os conselhos do Dr. Carlos González (ou perto) e não vem daí nenhum mal ao mundo. Nem as crianças são uns monstros. Funciona na família deles, que é o que importa!

É preciso mais tolerância e livre arbítrio nestas questões. Se as famílias se preocuparem realmente com os seus filhos e estiverem presentes na sua educação eles serão adultos educados qualquer que seja a filosofia subjacente. As crianças mal-educadas são normalmente resultado da indiferença e pouca disponibilidade dos pais qualquer que seja a filosofia subjacente (apesar de haver casos clínicos).

É adoro livros e acho óptimo que se escrevam livros com as opiniões mais díspares. Depois é usar de sentido crítico a ajustar à nossa situação em particular...

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