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Depois das questões da forma, três esclarecimentos sobre o conteúdo da entrevista de Carlos González, onde procuro esclarecer os meus pontos de discordância com ele e com numerosos leitores que espalharam o seu desagrado pelas caixas de comentário, e que não me parece que estejam dependentes da leitura das obras completas do leitor espanhol:
1. Em primeiro lugar, a questão dos castigos, e o facto de ele dizer - era o próprio título da entrevista - que "todos os castigos são inúteis". Houve quem argumentasse que aquilo que González está a fazer não é uma defesa da permissividade total, mas sim a expor uma diferença entre "castigo" e aquilo a que se pode chamar "reforço positivo". Exemplo: se a criança atirar o prato de sopa para o chão, castigo seria bater-lhe na mão ou pô-la sentada a um canto, reforço positivo seria obrigá-la a limpar o chão connosco; se uma criança tem más notas, castigo seria impedi-la de ver televisão durante uma semana, reforço positivo seria impedi-la de ver televisão para poder estudar.
Eu admito que a distinção entre "castigo" e "reforço positivo" seja útil, mas assim sendo, o título "todos os castigos são inúteis" é apenas puro sensacionalismo - porque, como é óbvio, na linguagem comum tanto é castigo bater na mão como mandar limpar. E assim, corremos o risco de estarmos todos a indignar-nos quando estamos a falar do mesmo. Porque, como é óbvio, qualquer pai ou mãe sabe que mandar limpar, mandar arrumar o quarto ou mandar estudar são modo eficazes de os pôr na ordem. Felizmente, para os Gonzalistas, isto é permitido - só que não é castigo.
Há, contudo, um detalhe que não me explicaram, mas que eu gostaria muito de entender, sem ironias: e se eu mandar a criança limpar a sopa ou ir estudar para o quarto e ela disser: "não vou!"? E se ela disser "não vou!" dez vezes? Desiste-se ou arrasta-se pelos cabelos? Que reforço positivo podemos utilizar nesses casos? Se me puderem informar, ficaria muito grato.
Para conluir este primeiro ponto, talvez convenha então iniciar uma futura discussão com uma clarificação vocabular, porque existe aqui muita subtileza linguística. Não é só a questão do castigo versus reforço positivo - basta acompanhar as discussões, na caixa de comentários deste post, entre o Anacleto e Carlos Duarte acerca do significado da palavra "chantagem emocional", com o Anacleto a fazer questão de distinguir entre "chantagem", "extorsão" e "birra". Conhecendo o Anacleto tão bem a língua inglesa, arrisco-me a dizer que é aquilo a que os ingleses chamam "splitting hairs" - ninguém está verdadeiramente a discordar, apenas se está a atribuir nomes diferentes às mesmas coisas. Acontece muito.
2. Este ponto é rápido: ninguém poderá desmentir que Carlos González utiliza comparações entre crianças e adultos para fundamentar as suas posições. Fá-lo várias vezes ao longo da entrevista. Faz-me uma certa confusão que os subtilistas da linguagem se atrevam depois a esta extraordinária simplificação argumentativa. Lamento, mas eu não consigo levar a sério pediatras, ou outro homo sapiens qualquer, que para defender certas teses educativas se põe a comparar o incomparável, sejam adultos, crianças ou animais.
Nós temos muito de animal, claro, e as crianças também têm muitos pontos de contacto com os adultos, mas a educação é o modo como nós ajudamos a que as crianças se transformem em adultos decentes, portanto não faz qualquer sentido utilizar comparações envolvendo relações entre adultos para justificar determinados processos educativos de quem ainda não é adulto. É uma certa derivação da máxima os fins justificam os meios, quando aquilo que nós procuramos são os meios que nos permitam chegar aos fins.
Não há outra forma de colocar isto: utilizar o argumento "você não bate no seu colega de trabalho quando está descontente com ele - porque é que faz isso a uma criança?" não tem pés nem cabeça. A Brigada Anti-Palmada tem muitíssimos melhores argumentos do seu lado, da desprotecção dos mais fracos à replicação da violência. Use-os. Este é simplesmente parvo.
Ponto 3 - e último - já a seguir, que eu ando a ficar demasiado verborreico.