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Ainda sobre o ensino doméstico

por João Miguel Tavares, em 24.10.14

Não sei se todos se recordam, mas aqui há um par de semanas abordámos o tema do homeschooling neste blogue, à boleia de um comentário da Teresa Power. Nesse post eu desafiava a Ana Rute Cavaco a partilhar um pouco da sua experiência, já que pratica o homeschooling - ou melhor, o ED, Ensino Doméstico - na sua vida.

 

A sua resposta ao desafio chegou esta semana via mail, e aqui fica ela para todos poderem ler, com um grande beijinho de agradecimento à Ana Rute pela delicadeza de não se ter esquecido. Estamos-lhe todos gratos por isso.

 

E agora, a palavra a quem sabe:

 

O ED em Portugal é legal e não é novidade, aliás, a escola tal qual a conhecemos tem o quê? Um século.  Foi apenas a partir do século XIX que a escolarização se deu e instituiu, a par da revolução industrial. Em Portugal, a primeira lei relativamente ao ensino doméstico data de 1948.

Para se fazer ED basta que um adulto, familiar ou não da criança, tenha mais do que um ciclo de ensino do que o que vai leccionar (o que na minha modesta opinião, diz muito acerca do que se considera necessário para ensinar, ou então de outra forma pode também dizer muito acerca da exigência do ensino em Portugal). A criança inscrita em regime de ED tem se ser matriculada numa escola da área da residência, onde fica vinculada administrativamente, e onde presta provas em cada final de ciclo (4º ano, 6º ano, 9º ano e 12º ano), caso contrário será considerada um caso de abandono escolar e portanto, poderá ter intervenção da segurança social.

Há muitas formas de ED, sendo a mais radical aquela em que os pais leccionam aos filhos em casa, não cumprindo um currículo, nem regras ditas tradicionais de aprender, sendo que são até os próprios alunos/crianças que aprendem consoante o interesse que demonstram e só prestam provas quando assim entendem. Deu, até, uma peça no telejornal há poucas semanas, com famílias que seguem este modelo.

É um modelo que respeito, mas com o qual a nossa família não se identifica.

A nossa mais velha andou no 1º, 2º e 3º ano de uma escola pública. No nosso entender, e por sermos cristãos evangélicos, achámos - em conjunto com outras famílias com as mesmas convicões que a nossa - que era possível ensinar de uma forma qualitativamente melhor, sem que algumas bases fundamentais da nossa educação fossem colocadas em causa. Se existem colégios católicos, se existem colégios muçulmanos, por que razão não deverão existir colégios cristãos evangélicos? Foi a isso que nos propusémos. A nossa escola funciona tal qual outra escola, mas com um número menor de alunos. Sonhamos que um dia seja legalizada (haja dinheiro) e reconhecida pelo Ministério da Educação.

Uma das reflexões a que chegámos, aquando das nossas questões sobre este modelo, e sobre a suposta formatação das crianças, que o Tiago escreveu no blogue dele no final de 2012, meses depois de termos visitado um projecto-escola cristã semelhante:

"Durante anos ouvi o Nuno Fonseca falar sobre a necessidade de uma escola cristã e sentia-me do lado de fora. Porque é melhor que os evangélicos não construam uma cultura de nicho, porque faz bem que as nossas crianças lidem com o mundo real, porque só podemos testemunhar a fé quando estamos junto do meio secular, e todas essas ideias que hoje me parecem tão superficiais quanto preguiçosas. Se tivesse de despachar rapidamente a questão, e reconhecendo que cresci em escolas oficiais e não sou um cidadão grandemente traumatizado por isso, diria que os meus filhos não são missionários. Poderão vir a ser mas essa será uma decisão da sua responsabilidade e maturidade. Até serem independentes não são experiências evangelísticas minhas, lançados para o reino das trevas para serem luz.

 

No que diz respeito à oposição luz/ trevas creio que grande parte do trabalho dos pais é ensinarem para a primeira ao mesmo passo que protegem da segunda. Quem não está em pânico pela educação dos seus filhos é porque provavelmente ainda não reparou que é pai. Eu, progenitor ansioso, me confesso: estou muito preocupado com a educação dos meus filhos (e reconheço também que se não fosse pela sensibilidade da minha mulher teria ainda menos consciência do problema).

 

Este ano quando tivemos a oportunidade de visitar o Nuno e a Marta Fonseca assistimos a um dos momentos que mais me emocionou nos últimos tempos. Um grupo de crianças é ensinado por eles com excelência e compromisso. Podia falar-vos da surpresa que é ver uma menina de quatro anos a soletrar de um modo que tantas vezes uma de sete não sabe na escola oficial mas não vou por aí. Há uma altura em que todos os alunos são recolhidos para cantar o hino que o Nuno e a Marta criaram para eles. O momento tem tudo para ser vagamente ridículo (meninos a cantarem o hino da escola à volta de uma guitarra?) mas de repente tenho de fazer um esforço para não me comover à frente deles. Cantavam sobre aprender como uma função de acreditar, de saber para ser. E pensava, é isto que quero para os meus filhos. É isto que quero para os meus filhos."

 

Foi isto. Chamem-lhe formatação. Que educação não formata, até a negligente?

 

publicado às 08:31


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