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Um dos textos mais interessantes que li durante as férias foi este artigo do Washington Post que o Público traduziu no passado domingo: "Por que os muito ricos não estão a dar as suas fortunas aos filhos".
A perspectiva do artigo é americana e diz respeito, em primeiro lugar, a multimilionários, mas a ideia contida em todo o texto é algo com que me identifico muito, e que está resumida na perfeição numa frase famosa de Warren Buffett, sobre o montante ideal para deixar aos filhos:
"Enough money so that they would feel they could do anything, but not so much that they could do nothing."
Em português não é tão bonito:
"O dinheiro suficiente para que possam fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para que possam não fazer nada."
Sendo a América um país onde o Estado é olhado com desconfiança e onde as pessoas sentem que têm obrigações para com a sociedade, a questão do que fazer com as quantidades astronómicas de dinheiro que um Warren Buffett ou um Bill Gates têm à sua disposição ultrapassa largamente qualquer dever de reserva sobre as suas vidas privadas.
Até porque um livro tão badalado quanto O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, que muito consideram o livro económico da década, alerta para as perversões do capitalismo actual: se os rendimentos do património (a taxa de remuneração da riqueza) estão efectivamente a crescer, como ele defende, a um ritmo superior ao PIB de uma nação (aos rendimentos do trabalho, para simplificar), isso significa que a simples gestão de riqueza acumulada é mais vantajosa do que uma vida inteira dedicada ao empreendedorismo - o que levanta questões morais muito sérias e coloca em causa o conceito de meritocracia, que é um dos pilares de qualquer sociedade democrática.
Não se preocupem, que eu não me enganei no blogue, nem vos vou estar a aborrecer com o Piketty. Mas isto, a bem dizer, é pura telenovela e romance do século XIX: significa que casar bem é preferível a arranjar um bom emprego, e que mais vale nascer rico e não fazer nada do que ser remediado e criar uma grande empresa. Os rendimentos do rico, diz Piketty, estão a crescer mais, em média, do que os da grande empresa.
O problema, visto já não da perspectiva económica mas da perspectiva paternal e filial, é que não fazer nada "sucks". Não fazer nada não é bom para ninguém - sobretudo, não é bom para os filhos. Regresso ao magnífico artigo de Roxanne Roberts para o Washington Post, onde a famosa Nigella Lawson, uma das mais apetecíveis mamãs do planeta, afirma não ter qualquer intenção de deixar uma grande fortuna aos herdeiros:
"Estou determinada a que os meus filhos não tenham segurança financeira. Não precisar de ganhar dinheiro arruina as pessoas."
Nigella com a mão na massa. Hummm...
É verdade. Arruina mesmo. E por isso, somos informados que Bill e Melinda Gates planeiam deixar a cada um dos seus três filhos 10 milhões de dólares, o que dá cerca de 7,5 milhões de euros por cabeça. Sim, eu sei que se cada um de nós recebesse 7,5 milhões de euros em herança era capaz de não ficar particularmente zangado. Mas convém esclarecer que a fortuna dos Gates ascende a... 76 mil milhões de dólares, mais de 57 mil milhões de euros. É um terço do PIB inteiro de Portugal em 2013. Portanto, 30 milhões é para aí 0,04% da fortuna deles.
E o que é que esta conversa de multimilionários tem a ver connosco, meros remediados? Tem tudo a ver, como tentarei explicar já a seguir.