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Crianças no concerto de Miley Cyrus? Eh pá, não

por João Miguel Tavares, em 16.06.14

 

Acabo de assistir à reportagem da SIC sobre o concerto de ontem à noite da Miley Cyrus (lamento, mas não encontrei o link, se acaso alguém encontrar eu depois coloco), e qual não é o meu espanto quando vejo umas miúdas de nove ou dez anos a comentarem entusiasmadíssimas o espectáculo, como se ainda estivéssemos a falar de uma visita da Hannah Montana a Lisboa.

 

Embora a Miley me irrite um bocadinho nesta sua fase cão cansado, como já mostrei aqui, está fora de questão pôr em causa a legitimidade de ela andar a mostrar a língua, as mamas, o pipi ou o que quer que lhe apeteça mostrar, como forma de exprimir a sua arte e de matar a figurinha da Disney que lhe estava colada à pele.

 

Parece-me demasiado um decalque dos percursos de Madonna e de Britney Spears para a coisa me chegar a entusiasmar, mas a sua música não é má e, hoje em dia, a única forma de inovar pelo choque sexual no mundo da pop é mesmo ir subindo a parada. A menina é maior de idade, e embora eu tema que lhe possa vir a acontecer o mesmo que à Britney e ao Bieber, não sou pai dela e ela que faça o que quiser.

 

Agora, miúdas de oito, nove, dez ou 11 anos a assistir ao concerto da Miley? Não, senhores, não. Eu sei que os promotores do concerto apostam nisso, eu sei que vivemos numa sociedade hiper-sexualizada, eu sei que a Miley quer fingir que é grande ao mesmo tempo que procura manter parte do público Hannah Montana junto de si, como se pode perceber por estas suas ridículas declarações

 

Embora os pais provavelmente não concordem, eu acho que o meu concerto é educativo para as crianças. Elas vão estar expostas a arte desconhecida para a maior parte das pessoas. As pessoas são ensinadas a ver as coisas a preto e branco, especialmente em cidades pequenas. Estou entusiasmada por levar esta digressão a locais onde arte como esta não seria aceite, onde os miúdos não aprenderiam sobre este tipo diferente de arte.

 

eu sei isso tudo, mas há limites, caraças. Os miúdos não estão prontos para ver tudo, a partir de qualquer idade, como é óbvio, se não mais vale acabar com as classificações etárias dos espectáculos. Aliás, colocar este concerto para uma idade mínima de seis anos, como aconteceu em Portugal (ver aqui), parece-me, no mínimo, um escândalo.

 

Chamem-me esquisito, mas eu não queria que um filho ou uma filha minha com menos de 15 ou 16 anos fosse ao Meo Arena ver a Miley a enfiar palmadas no volumoso rabo desta senhora (Amazon Ashley, de sua graça), ou a enfiar-lhe a cabeça no decote, como tem sido prática na digressão.

 

 

Nesta fase de desejo assolapado de fazer todas as vontades aos filhinhos, dá-me ideia que muitos pais estão a perder qualquer espécie de critério e a ficar sem uma gotinha de bom-senso. Ou então estão enfiados numa gruta há vários anos e ainda confundem a Miley de 2010 com a de 2014.

 

Como vocês sabem, nada tenho contra tau-tau no rabinho, nem entre crianças desgovernadas, nem entre relações consensuais. Mas há um tempo para tudo, bolas.

 

publicado às 09:46


21 comentários

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De André Guerreiro a 16.06.2014 às 11:29

João, nem abordarei os pontos que levantas, que, por serem de tar forma tautológicos, até me faz confusão que possam existir pessoas bem ajustadas e com o mínimo de sentido moral que os rejeitem. Irei sim levantar outra questão que pode até um dia inspirar-te para um post e que sei que já abordaste noutras sedes.

A hiper-sexualização de que falas está bem documentada e sido alvo de estudo na psicologia e sociologia há já vários anos. O choque do sexo vende e se há coisa que os marketeers das editoras discográfica fazem bem é precisamente promover os seus clientes através de toda uma iconografia baseada no sexo, carros, opulência (bling-bling), festas exuberantes e música. Não é à toa que cada vez se produzem mais videoclips de DJs e produtores de música electrónica com rappers e estrelas de Hollywood. Há toda uma industria de crossovers nestas artes mainstream.

Mas não querendo transformar isto numa discussão estética à Adorno, e retomando a ideia inicial, não podemos estranhar o consumo sexual dos pré-adolescentes (até mais do que os adolescentes) quando as raparigas aos 8, 9 e 10 anos de idade já são expostas a uma pressão social que impele para uma cultura proto-sexual do corpo, para a ousadia e dominação do sexo feminino sobre o masculino através do erótico e do sexual e no materialismo da moda cor-de-rosa sexual.

Como dizia Norbert Elias, à medida que a civilização avança (sem qualquer conotação evolucionista), a fronteira do pudor e da vergonha desloca-se também. O sexo foi dessacralizado e hoje vêem-se nos jornais das 8 imagens e corpos que quando eu era puto tinha que esperar até à meia-noite para o canal 18 passar.

Portanto, a não ser que as crianças cresçam sem televisão, facebook, twitter, revistas cor-de-rosa generalistas ou especializadas na teen culture, é quase certo que sejam aculturadas por todos estes malefícios que tão sensatamente condenas.

Agora, se o poder político está preocupado com este tema (e está manifestamente), está na altura de começarem a legislar no sentido da comunicação social parar de passar imagens de crianças de 12 com roupas que em alguns países democráticos constituiriam atentado ao pudor ou telenovelas com crianças dessa idade envoltas em enredos romancistas, traições, engates e que tais.

Detesto lógicas proibidoras, que tendem a ser uma das obsessões ontológicas da jurisprudência portuguesa. Não se mudam comportamentos por decreto. Mas podem-se implementar detractores. Da mesma maneira que se permitimos miúdas de 14 e 15 anos andarem em topless, tangas e com tudo à mostra em passagens de modelos e bikinis, não podemos enquanto sociedade condenar a gravidez precoce e o aumento abandono escolar precoce na população feminina...

Isto são tudo temáticas extremamente complexas, que remetem para análises não só científicas mas como éticas. E temo que cometamos sempre o erro de incorrer em abordagens exclusivamente éticas, esquecendo totalmente que há ciências que estudam e explicam estes comportamentos, as suas origens e que impactos podem ter em determinadas áreas.

Faz lembrar os tempos em que os políticos vinham para a televisão com cigarros na mão, a comunicação social era financiada consideravelmente pelas tabaqueiras e depois ficavam todos muito admirados por miúdos de 12 anos andarem a fumar no recreio.


Abraços, João
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De mbs a 17.06.2014 às 10:12

concordo muito com este comentário.

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