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Depois de ter sido vilmente acusada pelo meu excelentíssimo marido de querer transformar os nossos fins-de-semana familiares em prolongamentos dos centros de treino para os exames nacionais do 1º ciclo, como se eu fosse o implacável professor do Tom Sawyer, achei que deveria dar a minha versão sobre o tema.
Nas circunstâncias em que vivemos (que são tão diferentes das dos países nórdicos!) não me parece desajustado criar exames nacionais no final de cada ciclo de ensino para aferir os conhecimentos que cada aluno obteve. Todos sabemos que há diferentes métodos de ensino e de avaliação, mas há um determinado número de conhecimentos básicos (e não estou a discutir, nem me compete a mim fazê-lo, se eles foram correctamente avaliados nestes exames) sem os quais a progressão do ensino na criança é dificultada, pelo que me parece sensato verificar a sua preparação antes de iniciar um novo ciclo na sua vida pessoal e académica.
Esta avaliação deveria ser encarada com a mesma naturalidade e seriedade que qualquer teste na vida curricular de um estudante, de acordo com a idade de cada um. E para ela se deveriam preparar com rigor. Não é isso que acontece a cada dia na nossa vida profissional?
Ora, é aqui que começam as divergências de opinião com o excelentíssimo esposo. Eu acho que compete aos pais vigiar e apoiar, quando necessário, a educação dos filhos. Ele acha que os pais devem respeitar a autonomia do estudo dos seus filhos desde o primeiro momento, só devendo intervir a pedido dos próprios filhos. Portanto, ele assume que os miúdos adquirem métodos e interesse pelo estudo assim por... geração espontânea.
No primeiro ano de escolaridade, a esmagadora maioria das crianças precisa de apoio em casa para criar hábitos de trabalho, gosto pela leitura, curiosidade pela pesquisa, prazer pelo conhecimento. E não consegue isso (mais uma vez, na maior parte dos casos) só com aquilo que aprende na escola. Nem só a observar os pais desenfreadamente absorvidos pelo seu trabalho. É preciso inevitavelmente acompanhamento em casa, porque nessa altura os filhos não têm a autonomia e a responsabilidade que o meu excelentíssimo esposo tão eloquentemente advogou.
Há que suar as estopinhas para o conseguir, não só no estudo acompanhado, mas utilizando os momentos em família para jogos e discussões interessantes sobre os mais variados assuntos (que não incluam a vida dos vizinhos e os acontecimentos das telenovelas/ programas de televisão mais populares). Como é que os miúdos hão-de formar um imaginário rico o suficiente para escreverem composições criativas se não lêm livros variados, não vão a museus, não falam com pessoas de diferentes idades e contextos sociais, não rebolam na erva e exploram matas e florestas, não conhecem ambientes bucólicos e cosmopolitas (seja presencialmente seja via filmes/ reportagens/ relatos)?
Já os métodos usados para o conseguir são muito diversos e eu sou completamente contra fazer a papinha aos meninos, resolver-lhes os TPCs, fazer resumos da matéria ou questioná-los até à exaustão acerca do seu conteúdo (e são vários os exemplos desses que encontramos à nossa volta). Um educador deve ensinar a fazer perguntas e não a decorar respostas, e isso faz toda a diferença na preparação de um estudante e no sucesso de um adulto trabalhador.
A partir do momento em que esses hábitos estão conseguidos, claro, surge a autonomia, mas ainda assim nos primeiros anos com alguma vigilância e orientação. Não me esqueço de há um ano ter descoberto, na véspera do teste final de Matemática da Carolina, que ela não sabia usar o algoritmo da multiplicação. O mesmo é dizer que ela errava quase todas as operações que envolviam a multiplicação de números "compridos". Como a Carolina gostava de usar o cálculo mental, ia-se safando o suficiente para nunca termos dado conta disso (nem a sua professora), e nem sequer ela percebia a razão pela qual errava invariavelmente os problemas que envolviam cálculos mais complicados. Só me apercebi disso (devia estar com a cabeça no ar quando a professora explicou o algoritmo ao resto da turma) depois de me ter sentado ao lado dela, antes do teste, e lhe ter pedido para me mostrar a matéria que iria ser avaliada.
Claro que isto não deveria ter implicações graves no futuro da Carolina, mas aquela revisão forçada da matéria impediu que ela passasse a fazer contas de multiplicar com uma perna coxa. E são tantos os exemplos infelizes à nossa volta em que a inexistência de bases de formação bem sedimentadas incapacitam a progressão e o gozo da aprendizagem nos anos seguintes....
Dito isto devo dizer que, nos fins-de-semana anteriores aos exames de Matemática e Português, eu não estudei um único minuto com a promitente examinada, já que ela ouviu atrás da porta a minha conversa com o seu advogado-papá e acabou por invocar o direito inalienável aos dias de reflexão pré-examinal. E assim foi.