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Dia de exame #1.1 (versão alternativa)

por Teresa Mendonça, em 23.05.14

Depois de ter sido vilmente acusada pelo meu excelentíssimo marido de querer transformar os nossos fins-de-semana familiares em prolongamentos dos centros de treino para os exames nacionais do 1º ciclo, como se eu fosse o implacável professor do Tom Sawyer, achei que deveria dar a minha versão sobre o tema. 

 

 

Nas circunstâncias em que vivemos (que são tão diferentes das dos países nórdicos!) não me parece desajustado criar exames nacionais no final de cada ciclo de ensino para aferir os conhecimentos que cada aluno obteve. Todos sabemos que há diferentes métodos de ensino e de avaliação, mas há um determinado número de conhecimentos básicos (e não estou a discutir, nem me compete a mim fazê-lo, se eles foram correctamente avaliados nestes exames) sem os quais a progressão do ensino na criança é dificultada, pelo que me parece sensato verificar a sua preparação antes de iniciar um novo ciclo na sua vida pessoal e académica.

 

Esta avaliação deveria ser encarada com a mesma naturalidade e seriedade que qualquer teste na vida curricular de um estudante, de acordo com a idade de cada um. E para ela se deveriam preparar com rigor. Não é isso que acontece a cada dia na nossa vida profissional? 

 

Ora, é aqui que começam as divergências de opinião com o excelentíssimo esposo. Eu acho que compete aos pais vigiar e apoiar, quando necessário, a educação dos filhos. Ele acha que os pais devem respeitar a autonomia do estudo dos seus filhos desde o primeiro momento, só devendo intervir a pedido dos próprios filhos. Portanto, ele assume que os miúdos adquirem métodos e interesse pelo estudo assim por... geração espontânea. 

 

No primeiro ano de escolaridade, a esmagadora maioria das crianças precisa de apoio em casa para criar hábitos de trabalho, gosto pela leitura, curiosidade pela pesquisa, prazer pelo conhecimento. E não consegue isso (mais uma vez, na maior parte dos casos) só com aquilo que aprende na escola. Nem só a observar os pais desenfreadamente absorvidos pelo seu trabalho. É preciso inevitavelmente acompanhamento em casa, porque nessa altura os filhos não têm a autonomia e a responsabilidade que o meu excelentíssimo esposo tão eloquentemente advogou.

 

Há que suar as estopinhas para o conseguir, não só no estudo acompanhado, mas utilizando os momentos em família para jogos e discussões interessantes sobre os mais variados assuntos (que não incluam a vida dos vizinhos e os acontecimentos das telenovelas/ programas de televisão mais populares). Como é que os miúdos hão-de formar um imaginário rico o suficiente para escreverem composições criativas se não lêm livros variados, não vão a museus, não falam com pessoas de diferentes idades e contextos sociais, não rebolam na erva e exploram matas e florestas, não conhecem ambientes bucólicos e cosmopolitas (seja presencialmente seja via filmes/ reportagens/ relatos)?

 

Já os métodos usados para o conseguir são muito diversos e eu sou completamente contra fazer a papinha aos meninos, resolver-lhes os TPCs, fazer resumos da matéria ou questioná-los até à exaustão acerca do seu conteúdo (e são vários os exemplos desses que encontramos à nossa volta). Um educador deve ensinar a fazer perguntas e não a decorar respostas, e isso faz toda a diferença na preparação de um estudante e no sucesso de um adulto trabalhador.

 

A partir do momento em que esses hábitos estão conseguidos, claro, surge a autonomia, mas ainda assim nos primeiros anos com alguma vigilância e orientação. Não me esqueço de há um ano ter descoberto, na véspera do teste final de Matemática da Carolina, que ela não sabia usar o algoritmo da multiplicação. O mesmo é dizer que ela errava quase todas as operações que envolviam a multiplicação de números "compridos". Como a Carolina gostava de usar o cálculo mental, ia-se safando o suficiente para nunca termos dado conta disso (nem a sua professora), e nem sequer ela percebia a razão pela qual errava invariavelmente os problemas que envolviam cálculos mais complicados. Só me apercebi disso (devia estar com a cabeça no ar quando a professora explicou o algoritmo ao resto da turma) depois de me ter sentado ao lado dela, antes do teste, e lhe ter pedido para me mostrar a matéria que iria ser avaliada.

 

Claro que isto não deveria ter implicações graves no futuro da Carolina, mas aquela revisão forçada da matéria impediu que ela passasse a fazer contas de multiplicar com uma perna coxa. E são tantos os exemplos infelizes à nossa volta em que a inexistência de bases de formação bem sedimentadas incapacitam a progressão e o gozo da aprendizagem nos anos seguintes....

 

Dito isto devo dizer que, nos fins-de-semana anteriores aos exames de Matemática e Português, eu não estudei um único minuto com a promitente examinada, já que ela ouviu atrás da porta a minha conversa com o seu advogado-papá e acabou por invocar o direito inalienável aos dias de reflexão pré-examinal. E assim foi.

 

 

 

publicado às 09:52


12 comentários

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De carla patau a 24.05.2014 às 08:46

Já tinha respondido ao comentário do João, mas não tive tempo de aprofundar tudo o que queria. Quanto ao comentário da Teresa, como mãe e professora, acho que está 100% correto. Era mesmo isto que eu queria dizer. Não há bons alunos sem um grande apoio/barra orientação em casa. E não me refiro às classificações, mas sim às bases que devem ser sólidas antes de transitar de ano.
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De Teresa Mendonça a 23.05.2014 às 15:35

Peço desculpa à Carolina Maria, porque acho que apaguei o seu comentário inadvertidamente. Eis o que ela escreveu (e muito bem):

Eu não sou contra o exame propriamente dito. Mas sou contra tudo o resto que o exame implica. O facto de crianças com apenas 9 anos terem de se deslocar a uma escola diferente para realizar uma prova importante, entrarem para uma sala com colegas desconhecidos e serem vigiados por professores desconhecidos. Acho que é muita novidade junta para 90 minutos de uma prova importante! Concordei anteriormente com a perspetiva do seu marido e concordo agora com a sua. Ou seja, concordo com a filosofia de “ela é que sabe e não a chateies excessivamente” no sentido em que o seu marido também referiu que “no mundo perfeito, e a partir da idade da Carolina, os pais só deveriam intervir a pedido dos próprios”. Eu sei que não vivemos num mundo perfeito mas é importante que os miúdos comecem a ganhar autonomia o mais cedo possível – no caso dos estudos, na minha opinião, a partir do 3º/4º ano. Eu acho que os pais devem controlar e vigiar sempre o estudo dos filhos, mas não em demasia. Isto é, controlar e vigiar com o intuito de que os próprios se comecem a habituar a estudar sozinhos. Para que ganhem a responsabilidade de chegar a casa, sentar-se à mesa e tirar os livros para fazer os tpc (sem ser preciso estar constantemente a lembrá-los). Quando estão a fazer os tpc (sozinhos) se tiverem dúvidas eles é que vão pedir ajuda aos pais. Quando acabam os tps, os pais corrigem e, se algo não estiver bem resolvido, verificam onde está a dificuldade do filho e explicam-lhe porque errou, tentando que ele perceba e consiga chegar à resposta correta. Claro que, para miúdos de 8/9 anos terem esta responsabilidade e autonomia perante os tpc, precisam de ser habituados desde os 6/7 anos (idades em que começam a ter tpc). Quanto à questão “estudar ou não estudar nas vésperas?” não tenho uma opinião fixa. Penso que depende muito de criança para criança. Tanto pode ser ótimo (principalmente em testes onde se inclui pouca matéria) porque o que é dito na véspera pode ir “fresco” na memória, como pode ser péssimo porque acabam por baralhar tudo (o que talvez fosse o mais provável de acontecer, uma vez que as provas englobavam bastante matéria).
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De Isabel Prata a 23.05.2014 às 11:35

sem querer abusar deste espaço, só um exemplo para ilustrar o que disse acima.

Um destes dias fui assistir ao doutoramento de um amigo. Aqui em Coimbra as provas realizam-se na Sala dos Capelos da antiga universidade. No fim das provas reparei com espanto, que a filha do meu amigo, aluna do 5º ano não conhecia nada da universidade (o mais ilustre monumento de Coimbra). A mim estava a explicar-lhe (trocando tudo) que ali era a Biblioteca Joanina, e ali a capela de S. Miguel. E depois querem que ela seja boa aluna? E se calhar passam muito tempo com ela a fazer os tpcs.
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De João a 23.05.2014 às 11:21

Mas há algum aluno que reprove no 4º ano??? (isto referindo-me ao que referiu da importância de avaliar os conhecimentos básicos adquiridos...).

Este país é uma grande treta, dá demasiado trabalho (burocrático) chumbar um aluno... por outro lado, se o excelentíssimo progenitor não concordar com o chumbo, penso que o pode recusar.

Portanto - exames de 4º ano, em que mudam crianças de escola, interrompem as aulas das mesmas, mobilizam professores/pais/etc, são única e exclusivamente um desperdício de TEMPO e DINHEIRO.

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De Daniel a 23.05.2014 às 23:30

Ao lado.

Sim, reprovam muitos alunos no 1º ciclo. 12.000 no 2º ano, 6.000 no 3º e outros 6º no 4.º ano.

Basta consultar as bases de dados oficiais.
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De Isabel Prata a 23.05.2014 às 11:20

cada vez me convenço mais de que sou mãe de 3 marcianos. Porque nunca houve necessidade lá em casa de acompanhar o estudo de nenhum, desde o 1º dia do 1º ano. Responder a perguntas pontuais.


Como se incentiva o gosto pela leitura? lendo-lhes desde bebés. Dando o exemplo -lendo. Lá em casa o pai leva os filhos uma vez por semana à biblioteca municipal para requisitarem livros.


concordo com tudo o resto, as idas a museus as conversas, as actividades de férias em museus, exploratórios. Tudo muito.
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De Conceição M. a 23.05.2014 às 14:09

Não será mãe de 3 marcianos, mas será uma mãe muito sortuda!
Eu sou mãe só de 2. Desde pequenos que tentei incutir-lhe o gosto pela leitura, desde logo porque eu sempre adorei ler - os meus filhos nunca me viram sem um livro "atrás", a minha mesinha de cabeceira nunca foi vista sem um livro a "ornamentá-la", quando vamos de férias gozam comigo porque há sempre uma malinha com livros... E - azar dos azares, vá-se lá saber porquê - nem um nem outro gostam de ler ( se calhar os meus é que são marcianos :)
E, sendo certo que eu sou a mesma, que os meus principios com ambos são os mesmos... o certo é que com o meu filho, após o 1º ciclo, foi sempre preciso "andar em cima dele" por forma a que as coisas corressem bem na escola: verificar se os TPC's eram feitos, exigir que os fizesse, ter atenção para ver se ele estudava para os testes, se realizava os trabalhos...Já com a minha filha, nunca foi necessário nada disso, pois ela é super responsável e, lá está, aí a minha intervenção é mais quando ela própria me pede ( e às vezes ouço um: "pois, tu sempre apoiaste muito mais o mano...").
Só tem, pois, que estar agradecida pelos seus "marcianos" :) e esperar que eles continuem assim!
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De Isabel Prata a 23.05.2014 às 16:01

Eu também acho que tenho tido muita sorte com os filhos que Deus me deu, mas recuso-me a aceitar que eu e o pai deles não tenhamos tido nenhum papel nisso. Sem querer dar receitas a minha experiência diz que muitas vezes os inseguros são os pais e transmitem essa insegurança aos filhos. O meu lema é mais "tu consegues".
Dou aulas na universidade e fico muitas vezes espantada com a falta de autonomia e com os resultados de alunos que vêm do secundário com médias muito elevadas. A maioria dos alunos que entram nos cursos com médias de entrada muito altas "vieram ao colo" e quando perdem esse apoio falham.
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De Conceição M. a 23.05.2014 às 17:14

Não quis de modo nenhum retirar-lhe qualquer mérito! :)
Acredito é nestas "coisas" há sempre uma mistura de factores, que têm a ver com o mérito dos pais, com genes, com sorte, com ambiente envolvente... E até há situações em que, mesmo com muito empenho dos pais, a situação descamba...
Como já referi tenho 2 filho: 1 rapaz com 18 anos, no 1º ano da universidade e 1 rapariga com 14, no 9º ano e, nestes assuntos escolares eles são completamente o oposto um do outro!
O problema do lema "tu consegues" é que muitas das vezes eles conseguir, conseguem (e nós sabemos disso), só que não querem ou, como no caso do meu filho, "dá uma grande trabalheira!!"...
A questão que refere das notas com que os alunos chegam à universidade e a autonomia que eles apresentam vai dar pano para mangas aos Excelentíssimos Pais, daqui por uns anos!!!
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De Patricia Carvalho a 25.05.2014 às 01:55

Pois comigo passa-se exactamente a mesma coisa: adoro ler, tenho em casa tantos livros (colecções infantis/juvenis, clássicos, autores mais recentes quer em inglês quer em português) que já não tenho estantes suficientes para todos e os meus filhos não gostam de ler...
Quando eram pequeninos (têm 9 e 14 anos) lia-lhes todas as noites, e desde pequenos que faço questão de todos os meses os levar a uma livraria para que escolham um livro para ler e mesmo assim é um castigo... Gostava tanto que fossem como eu que ando sempre com o kindle na mala...
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De marta-omeucanto a 23.05.2014 às 10:48

Eu costumo preparar a minha filha para as fichas que faz ao longo do ano com a professora, e sei que isso a ajuda. No caso dos exames, como foram feitos praticamente a seguir às fichas do 3º período, e como na escola já foi massacrada com não sei quantas provas por dia, para treinar, não houve revisão nem estudo para ninguém. A própria professora disse para eles relaxarem.
No próximo ano, mesmo que queira, já vai ser mais difícil ajudá-la e acompanhá-la, vai ter que ser mais autónoma porque a "brincadeira" da escola primária acaba, mas no que puder, vou estar lá, independentemente de todas as teorias, conselhos ou opiniões contra!
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De Anónimo a 23.05.2014 às 10:33

Bom dia.
Tenho 2 filhos e ambos muito diferentes. O mais velho (9 anos), desde muito cedo mostrou grande interesse por aprender, andava no 1.º ano e já queria que comprasse livros sobre a história de Portugal, livros sobre o corpo humano e afins. Antes de ir para a cama, queria que lhe dissesse países, onde automaticamente me dizia a sua localização no globo. Apesar de todo este interesse, no 1.º ano precisou sempre que o acompanhasse nos deveres, tínhamos que estar presentes (eu ou o pai), para que ele os conseguisse fazer. Agora fez os exames e achou que não tinha que estudar, não pressionei, até porque sempre foi um excelente aluno... tal como o seu marido, não interferi, se ele se considerava preparado, não fiz pressão, até porque tive medo de lhe causar algum stress.
A mais nova, que anda actualmente no 1.º ano, nunca mostrou grande interesse pelas coisas, se tentávamos "ensinar" algo, dizia desde logo que não precisava que lhe disséssemos, pois: "Já sei"; desde cedo, sempre achou que sabia tudo. Preocupei-me com ela, cheguei mesmo a falar com a educadora e perguntar se não seria melhor ela ficar mais um ano na pré, a educadora disse que não, pois ela tinha muitas capacidades e não iria ter qualquer dificuldade. Não fiquei muito convencida, pois olhava para o mais velho e via uma grande diferença em ambos, e como ele era tão bom aluno, já via nela uma perdedora. No entanto, foi para a escola e... surpresa das surpresas, nunca precisou de ajuda nos trabalhos, não pede ajuda e... realmente sabe. Aplicadíssima e com um sentido de responsabilidade impressionante e, segundo também a professora, aluna brilhante. Tudo isto, para dizer que, se sabemos que são alunos empenhados, não há grande motivo para preocupação, até porque eles mesmos querem ter bons resultados e sim, penso que já têm sentido de responsabilidade e capacidade para perceberem se precisam pedir ajuda ou se precisam rever algo que lhes causa alguma dificuldade.

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