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O grande dia, o mais esperado, o mais aguardado, o mais sonhado, finalmente chegou: ontem caiu o primeiro dente de leite ao Gui. Ele andava desesperado para aí desde os três anos de idade. Via os dentes dos irmãos saltarem, via as prendas que a fadinha dos dentes lhes trazia, e ele, coitado, com quase seis anos, nada.
Mas ontem, quando o fui buscar à escola, ele veio a correr na minha direcção como um doido, a explodir de felicidade, só para me exibir o seu maxilar inferior com uma janelinha aberta no teclado branco. Depois, entregou-me um guardanapo muito bem selado com fita-cola, onde repousava o seu troféu.
Eu liguei à Teresa para a informar do que tinha acontecido e para ela se pôr em campo: era necessário arranjar-lhe uma prendinha especial, para ele receber no dia seguinte ao acordar. E todos sabíamos o que é que o Gui queria: um dos dois piratas da colecção da Djeco que lhe faltavam.
Um dia destes ainda tenho de falar da Djeco, que é tudo aquilo que eu acho que uma marca de brinquedos para crianças deve ser, mas o que importa agora para aqui é que o Gui adora a sua colecção de piratas, tal como o pai do Gui e a mãe do Gui.
E como a mãe do Gui partilha a sua paixão flibusteira, basta juntar a isso o seu instinto de coleccionista e a sua paixão assolapada pelos filhos para a tornar uma cliente deveras conhecida na loja da Edicare da Avenida de Roma, onde segundo sei os meus queridos rebentos fazem investidas regulares, sobretudo quando o pai não está a ver. O problema é que os dois piratas que faltam ao Gui, embora estejam há muito encomendados, exactamente para nos valerem em situações como esta, não há meio de chegarem.
A boa notícia é que a Teresa sabia que na montra da loja existia um dos piratas que o Gui não tinha. A má notícia é que esse pirata não podia ser vendido, já que estava fora da caixa e a caixa cessara de existir, como diriam os Monty Python (ver o melhor sketch de todos os tempos). A excelente notícia é que a senhora da loja, após lhe ter sido explicada a situação, foi um amor: decidiu por sua iniciativa oferecer o pirata ao Gui.
Infelizmente, nem tudo foram notícias tão boas quanto esta. O Gui depois da escola foi ao dentista (mera coincidência - já estava marcado), que perante a notícia da queda do dente lhe resolveu oferecer uma caixa giríssima em forma de dente para ele o guardar, mais um fio para colocar a caixa ao pescoço. O Gui ficou ainda mais contente e orgulhoso, mas como é um destravado, quando regressava a casa com o avô acabou por partir o fio e a caixa voou literalmente pelos ares quando ia a atravessar uma passadeira. A caixa encontrou-se. O dente, não.
Eles ainda andaram lá imenso tempo à procura do dente, mas nada. Quando a Teresa soube, foi para o local com a Carolina voltar a procurar o dente, mas nada. Só faltou mesmo chamarem a peritagem da Polícia Judiciária (se a excelentíssima esposa tivesse o número no telemóvel, era mulher para isso).
Perdidas as esperanças de recuperar o dente, a solução encontrada teve de ser uma que já havia sido posta em prática muitos dentes atrás, com o Tomás, quando um dos seus dentes de leite se enfiou pelo ralo do lavatório - fazer o desenho de um dente e colocá-lo dentro da caixinha. "Quando não há dentes verdadeiros", expliquei eu, "a fadinha leva um de papel". Para isso, bastava desenhá-lo, recortá-lo e pô-lo no lugar do outro, assegurei.
E aí o Gui teve uma reacção tão querida que só me apeteceu dar-lhe beijinhos:
- Papá, não vamos enganar a fadinha dos dentes...
Eu expliquei-lhe que não se tratava de enganar a fadinha dos dentes. Claro que um dente de papel não era o mesmo que um dente verdadeiro, mas nessa ocasião o que a fada fazia era, em vez de deixar uma prenda toda bem embrulhadinha e vistosa, penalizar a falta de cuidado do menino e a sua cabeça no ar não fazendo o embrulho. A prenda ficava fora da caixa e ela ia-se embora.
E assim se fez.
Hoje de manhã o Gui lá tinha o pirata que ele tanto queria, e andou a mostrá-lo a todos os manos. A Carolina, que tinha ido com a mãe à loja, também foi super-simpática: perguntou-lhe o que é que tinha recebido e fez um ar muito espantado quando ele lhe contou. Depois, o Gui veio agradecer-me muito por lhe ter feito o desenho do dente.
É curioso como há males que vêm por bem: o azar que o Gui teve ao perder o dente acabou por revelar um menino com um coração e uma honestidade enormes. Não estava nada à espera daquele "papá, não vamos enganar a fadinha dos dentes", que nos encheu de orgulho. De certa forma, eu e a Teresa acabámos por receber uma prenda muito melhor do que a dele. E nem sequer foi preciso um dos nossos incisivos sair do sítio.