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E se ter filhos não for assim tão giro? #4

por João Miguel Tavares, em 26.06.14

Partes I, II e III. Hoje, a parte IV.

 

PARTE IV

 

Depois chegou o século XIX e todas as suas revoluções: Darwin, a paixão pela biologia e pela antropologia, o desenvolvimento extraordinário de todos os ramos da ciência (que viria a desembocar na psicologia e em Freud), e ainda uma revolução industrial que começou a empurrar a mulher para dentro de casa. De facto, a ideia de que a mulher sempre viveu na cozinha a cuidar dos filhos até ao momento em que, em meados do século XX, começou a ir bater à porta de empresas, é completamente falsa: nos tempos em que a agricultura de subsistência era o principal modo de vida, a mulher fazia parte da força de trabalho.

 

Foi com a industrialização, com o progressivo desenvolvimento da burguesia, com o crescimento do sector terciário e com o surgimento de uma classe média onde o ordenado do homem era suficiente para sustentar a família, que a mulher pôde enfim dar-se ao luxo de se tornar a “fada do lar”, dedicada à casa, especialista na ménage e concentrada na educação dos seus filhos. E como não há mundo de fadas sem literatura a acompanhar, os livros sobre o tema cresceram e multiplicaram-se. Havendo tempo, havendo dinheiro, havendo interesse e havendo cada vez mais ciência, os manuais de como cuidar dos filhos começaram a aparecer.

 

Alguns, poucos, ainda na transição do século XIX para o século XX, mas a maior parte deles já bem dentro do século XX, acompanhando o desenvolvimento da medicina e a importância crescente da figura do pediatra. Sim, este é finalmente o tempo dos doutores Spock e Brazelton e dos seus livros que vendiam (e vendem) milhões. Só Baby and Child Care, que Benjamin Spock lançou pela primeira vez em 1946, foi durante meio século o livro mais vendido da América, logo a seguir à Bíblia.

 

 

E com eles tudo mudou – a educação e o cuidado dos filhos passaram a ser encarados com seriedade científica, a infância foi estratificada em inúmeras categorias, a evolução dos miúdos passou a ser analisada e reanalisada mês a mês e a gravidez analisada e reanalisada semana a semana. Com este senão: a confusão dos pais foi aumentando de dia para dia, já que o pediatra do terceiro esquerdo poderia perfeitamente dizer – e dizia – coisas bastante diferentes do pediatra do segundo direito, estando eles a falar exactamente sobre o mesmo assunto.

 

A crescente aplicação e preocupação dos pais em relação aos destinos dos seus filhos não os tornou necessariamente mais informados – apenas mais angustiados. Até o tema-fetiche de qualquer processo educativo – saber se devemos apostar em “mais autoridade” ou em “mais afecto” na educação das crianças – foi variando radicalmente consoante os autores e os ares dos tempos. Há um belo livro que demonstra tudo isso, embora centrado apenas nos Estados Unidos, chamado Raising America: Experts, Parents and a Century of Advice About Children e assinado por Ann Hulbert (e que o próprio Brazelton considera na capa ser “a classic”). Hulbert conclui que o empenho de todos os envolvidos é muito estimável, mas que falha redondamente em oferecer respostas definitivas a milhões de pais ansiosos e, com assustadora frequência, à beira de um ataque de nervos.

 

A medicina fez maravilhas ao longo dos últimos 100 anos: a vida uterina é hoje conhecida até ao mais ínfimo detalhe, a mortalidade infantil caiu a pique, a vacinação afastou as doenças mais perigosas da infância, e até já podemos ver uma cara colorida e a três dimensões do nosso feto durante ecografias de rotina. Só que quando os putos saltam cá para fora, e a abordagem psicológica se torna mais importante do que quaisquer problemas físicos, as dúvidas não só continuam, como as inseguranças dos pais aumentaram, em vez de diminuírem.

 

 

Hulbert resume a coisa citando o pós-título de um artigo publicado no New York Times sobre os desafios da maternidade, esclarecedoramente intitulado “Mothers can’t win” – “As mulheres não podem ganhar”: “Trabalho ou casa? Peito ou biberão? Bater ou mimar? O que quer que escolham, elas vão sentir-se mal.” Sim, as mulheres vão sentir-se mal, e todos nós já sabemos que a vida das mães é tramada – há um movimento feminista que há décadas não diz outra coisa. Mas permitam-me, por um momento, interromper a descrição do horror da vida feminina para fazer a pergunta que, por razões óbvias, mais me interessa: e a vida dos pais?

 

(Parte IV de VII. Continua amanhã.)

publicado às 09:51


5 comentários

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De Mariline Mota a 26.06.2014 às 17:24

Boa tarde,
li com atenção as partes I/II/III e IV, o que mais me saltou a viste, foi a revolta dos papas..., com a emancipação das mães, os pais tiveram, quase que obrigados, fazerem parte activa da vida de casa e dos filhos, o que era considerado tradicional; os pais trabalhava para trazerem comida para casa e as mães cuidavam da casa e dos filhos, já não é regra. Os dois trabalham, os dois fazem face as despesas diárias e os dois cuidam da casa e dos filhos e não estou a falhar daquela lengalenga, eu sujo, ela lava, eu como, ela faz, etc...
Hoje, com humor ou sem humor, os papas querem demonstrar a frustração que é cuidar duma um mais crianças, será que tudo aquilo que vocês pensam, ( tu está cheio de sono amor, o pai também, dorme F*se ou tu estás cheio de fome, porque que não comes e está a fazer essa berraria em vez de comer C***alho ou ainda qual é a piada de mandares os brinquedos para o chão de 5 em 5 seg e eu aqui a apanha-los feito tolo, P****ra), também não será os pensamentos das mães??? Ou serei eu diferentes delas todos? Ou será que existe um tabu enorme em relação aos sentimentos que uma mãe possa ter em relação a certos e determinados comportamentos dos seus filhos? Ainda a pouco tempo, testemunhei uma opinião,duma senhora já madura, que revoltada, diziam " Depressão pós-parto??? No meu tempo não havia tempo para essas mariquices, só inventaram isso para dar uma desculpa as mulheres que não sabem ser mães!!" Será, este, um pensamento que esteja enraizado na nossa nação??
No seu artigo fala sobre o "artigo publicado no New York Times sobre os desafios da maternidade, esclarecedoramente intitulado “Mothers can’t win” – “As mulheres não podem ganhar”: “Trabalho ou casa? Peito ou biberão? Bater ou mimar?" Estas perguntas, são a tirania das mentes das mulheres, há sempre um senão em qualquer das escolhas feitas por nós, no meu caso, posso dizer que as piores decisões foi mesmo "Peito ou biberão? Bater ou mimar?" Porque nunca pus em causa o meu trabalho, agora eu queria muito dar peito, mas por situações diversas só o consegui por um mês e meio, foi difícil perceber que já não havia mais solução senão o do biberão.
Bater??? Mimar?? eis a questão... No meu ver, há um momento para tudo, uma palmada nunca fez mal a ninguém, quem nunca perdeu as estribeiras face há uma desobediência ou acto irreflectido dos filhos e puxou a mão atrás, quase como um gesto inato, que atire a primeira pedra!!
Pois então, eu, não posso atirar nenhuma
Este assunto, como já deve ter reparado, origina as mais diversas opiniões, uns contra outros a favor, no meu ver, aquilo que realmente é fundamental, é felicidade dos nossos filhos, e tentar, sim tentar, dar aquilo que eles merecem, o princípio deste dilema, é sobretudo sentir que como pais, estamos a fazer o melhor para eles.
Pessoas boas, criam bem os seus filhos...
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De Sandra Rocha a 26.06.2014 às 11:19

Caro joão,
A vida dos pais continua, assim como a das mães. No entanto o homem, passando mais tempo fora de casa, vai-se "distraindo" do stress do dia-a-dia e chega a casa "fresquinho" para aturar, perdão, brincar com os filhos.
Quanto à questão da palmada, bem...de vez em quando não mata ninguém nem tão pouco traumatiza pois eu levei algumas e estou aqui, com perfeita noção do bem e do mal, com a aceitação que existem regras para viver em sociedade e que tenho (tinha, enquanto vivia debaixo do tecto deles) que fazer o que os meus pais dizem e mais nada.

Sou daquelas mães sem tempo para nada porque saio do trabalho e vou a correr buscar o rapaz ao infantário e há dias em que me arrependo tanto mas tanto e digo que no dia seguinte fica lá até fechar. Mas minto, porque lá estou eu à porta mal saio do trabalho. E assim, não tenho tempo para nada. Nem para mim nem para socializar. Já o meu marido arranja tempo para tudo...Pois se eu estou sempre com o rapaz ele pode andar aí nas confraternizações. E em geral, caro João, é isso que os homens fazem. Ficam com os filhos quando não têm mais nada para fazer. Já nós mulheres, temos sempre alguma coisa a fazer relacionada, em 90% dos casos, com os filhos,a casa, o supermercado, etc e tal. E quando nos sobra algum tempinho...lá conseguimos tomar um banho relaxado.
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De João Miguel Tavares a 26.06.2014 às 12:40

Não acredite nisso, Sandra. Não é verdade que todos os homens só fiquem com os filhos quando não há mais nada para fazer.
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De Sílvia a 26.06.2014 às 16:28

Mas aí Sandra, vai-me desculpar, mas a culpa também é um bocadinho sua... Tem que responsabilizar mas o seu marido.
Não sei a sua idade, mas isso era antigamente (eu tenho pouco mais de 30)... a minha mãe é que sempre cuidou de mim e da minha irmã, embora trabalhasse, mas menos que o meu pai, que estava praticamente todo o dia fora de casa.
Hoje em dia, em que ambos estão quase o mesmo tempo fora de casa, cabe aos dois assumir de igual forma as coisas a fazer-se. Eu também noto isso no meu marido (de ter sempre mais tempo do que eu), mas sempre que começa a ser excessivo, eu peço-lhe/mando/falo/converso (a expressão que achar melhor usar!) e ele cede e faz e ajuda. Afinal acho que casamento é isso mesmo, conversar e ceder, ora um, ora outro.
Eu nesse aspecto tenho sorte, que ele cede e ouve, se tiver a mesma sorte deve responsabilizar o seu marido.
Se ele puder, mande-o (peça-lha!) a ele ir buscar o miúdo à escola a x hora...
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De sandra a 26.06.2014 às 10:30

ola

Correção--- "A mães nao podem ganhar"

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