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Partes I, II, III, IV e V. Hoje, a parte VI.
PARTE VI
Aquilo que se pode ler acerca das motivações do estudo The New Dad é música para os ouvidos de um pai cansado e farto de protestar por atenção:
Assim como tem sido importante avaliar os desafios enfrentados pelas mães trabalhadoras, é importante avaliar os desafios com que os pais trabalhadores se confrontam e reflectir nas mudanças significativas em termos de atitudes e expectativas que têm ocorrido. A nossa pesquisa mostra que o novo pai contradiz os velhos estereótipos do pai workaholic e ausente, somente focado na sua carreira, cujo contributo para a família se limita ao de ganha-pão e cujo sucesso é definido exclusivamente pelas promoções no trabalho. Enquanto os programas de televisão e os media continuam em insistir em catalogar os pais como ineptos e desajeitados cuidadores, desligados das preocupações do dia-a-dia das suas famílias, o nosso trabalho sugere algo completamente diferente.
Aleluia, aleluia. E o que esse trabalho sugere mostra bem o desafio colossal da paternidade contemporânea. Mais de 70% dos cerca de dois mil pais inquiridos considera ser seu dever “simultaneamente cuidar dos filhos e ganhar dinheiro para os sustentar”. E quando questionados sobre quais são as características de um bom pai, aquelas que aparecem destacadas são estas: “providenciar amor e suporte emocional” e “estar presente e envolvido na vida dos seus filhos”.
Parece óptimo, correcto? Correcto. O problema está em como compatibilizar este sentimento século XXI com a manutenção das mesmas ambições profissionais de 1980. E é aí que o homo familiaris de 2014 frequentemente soçobra. O estudo chama a esta atitude “myth of having it all” – o desejo de os novos pais terem tudo ou, à boa maneira portuguesa, quererem ficar com o bolo e comê-lo. Os pais desejam estar mais tempo em casa e 86% concordam com a afirmação “Os meus filhos são a grande prioridade da minha vida”, só que 76% ambicionam ao mesmo tempo subir na hierarquia da sua empresa. Como compatibilizar uma coisa com a outra? Não é fácil.
É tão difícil, aliás, que a consequência disso é existir, em simultâneo, uma enorme disparidade entre o tempo que os pais gostariam de dedicar à família e o tempo que efectivamente dedicam. São pais em permanente falha: quando estão em casa sentem que deveriam estar a dedicar mais tempo ao trabalho, e quando estão no trabalho sentem que deveriam estar mais tempo em casa. (Isto para não falar no tempo em que desejam apenas estar sozinhos.)
Este sentimento não é exclusivo dos homens, obviamente – mas, ao contrário do que acontecia há 30 anos, é hoje em dia muito mais acentuado nos homens do que nas mulheres. A percentagem de progenitores que assume sentir um intenso conflito entre vida e trabalho é actualmente de 60% para os pais e de 45% para as mães. Em 1977, somente 35% dos pais assumiam esse conflito, contra 40% das mães. Ambas as percentagens subiram. Mas a dos pais subiu muitíssimo mais. A nossa consciência está a dar cabo de nós. Não espanta, por isso, que um dos estudos no âmbito do programa “The New Dad” tenha como subtítulo Caring, Committed and Conflicted – Cuidador, Comprometido e em Conflito. Os três C que resumem na perfeição o imbróglio em que os novos pais estão enfiados.
Falo por mim. Os famosos versos de António Variações – “Estou bem/ Aonde eu não estou/ Porque eu só quero ir/ Aonde eu não vou” – são o hino da minha vida. E a isso acrescento esta queixa: enquanto a vida da mãe é frequentemente um inferno, mas toda a gente sabe, a vida do pai é um inferno idêntico, mas parece que ninguém liga. Nós, homens, continuamos a levar com o preconceito generalizado de não fazermos nenhum em casa – o que poderia ser absolutamente verdade há 30 ou 40 anos, mas é absolutamente falso em 2014.
Começam a perceber porque é que precisamos tanto das piadas de Louis C.K. (e porque é que Louis C.K. precisa tanto de fazer aquelas piadas)? É simples: porque precisamos de alguém que nos compreenda. Precisamos de nos rir das frustrações constantes do dia-a-dia. Precisamos – lá está – desabafar. Não é que não adoremos os nossos filhos. Claro que adoramos os nossos filhos. Toda a gente adora os filhos. Só que frequentemente sentimos que é uma coisa tipo síndroma de Estocolmo: estamos apaixonados pelos nossos raptores.
(Parte VI de VII. Conclui amanhã.)