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Estudar com os filhos

por João Miguel Tavares, em 11.02.14

Na caixa de comentários a este Diálogo em Família, o leitor JFonseca deixou uma pergunta interessante:

 

Gostaria de lhe perguntar se não acompanham de todo o que os vossos filhos vão aprendendo na escola. É uma dúvida permanente que me assola. O meu filho (numa escola pública) raramente traz tpc porque os acaba na escola. Como não há planos semanais, não faço ideia do que vai aprendendo, a não ser por comentários que vai fazendo aqui e ali, ou por conversas com outros pais. Somos ou não supostos acompanhá-los nos estudos?

 

As teses dividem-se acerca disso, inclusive cá em casa. Eu já falei sobre isso aqui, mas posso voltar a fazê-lo, até porque a minha atitude em relação aos meus filhos muda muito em função das suas necessidades e da evolução das minhas próprias perspectivas enquanto pai. Dito de outro modo: o que é verdade hoje não é necessariamente verdade amanhã.

 

Seja como for - e não me parece que isto vá mudar -, o meu ponto de partida é sempre dar o máximo de independência e promover a autonomia dos meus filhos. Nos dias em que a Teresa está de má-vontade para comigo, ela chama a isso desinteresse. Nos dias em que eu estou de má-vontade para com a Teresa, chamo ao que ela faz de "excesso de apaparicanço". Ou seja, a excelentíssima esposa é muito mais de estar em cima, ver tudo, sentar-se com eles para estudar, fazer perguntas para os testes, enfim, tudo aquilo que uma mãe-galinha é suposta galinhar.

 

Eu não. Não sou propriamente um pai distante, e se me parece que eles estão com mais dificuldades numa coisa ou noutra, é óbvio que me sento com eles e ajudo. Até ao momento só a Carolina e o Tomás é que estão na escola, e eu posso falar de barriga cheia, porque eles são bons alunos. No entanto, estou decidido a não contemporizar com más notas (e para mim má nota, na escola primária, é tudo o que está abaixo de Satisfaz Muito Bem) quando elas aparecerem - porque hão-de aparecer, inevitavelmente.

 

Ou seja, no meu entender, e eu tento transmitir-lhes isto, os meus dois filhos mais velhos têm uma profissão - eles são estudantes. Se estudar for um divertimento, impecável, bom para eles. Se estudar for uma seca, chatice, têm de o fazer na mesma, ainda que mais aborrecidos. Eu tento levar isto mesmo a sério: estudar e ter boas notas é o trabalho deles. É o que eles têm de nos dar em troca da comida, da roupa e dos brinquedos.

 

Se eles não estudarem mas tirarem boas notas, eu não chateio - é porque estão com atenção nas aulas, porque ouvem, porque trabalham na escola e porque são espertos. Sorte a deles. Se estudarem e tirarem boas notas, ainda melhor - é porque são aplicados, e ser aplicado é quase sempre bem mais importante, pela vida fora, do que ser muito esperto. Agora, se tirarem más notas, estou-me nas tintas para que sejam espertos ou não - começam a sofrer castigos e a penar cá em casa.

 

Eu não tenho qualquer pachorra para a conversa do filhinho coitadinho, a não ser que se tenha uma criança hiperactiva ou com défices de atenção. Felizmente, não me parece que eu tenha. Diria que tenho quatro filhos absolutamente normais, que não sendo génios são miúdos inteligentes, incluindo o maluco. Donde, o que procuro fazer é ser exigente com eles (até agora, em dez anos de pai, nunca me arrependi dessa exigência) e passar-lhes para cima as suas obrigações - estudar é problema deles, fazer os trabalhos de casa é dever deles, e os pais devem ser chateados o mínimo possível.

 

Claro que se a mãe de quatro resolver aparecer por este blogue (há 20 dias que não escreve - eu ando a contar), ela dirá, como sempre diz, que eu tenho mas é as costas quentes, porque há sempre uma formiguinha a ir por trás ver que trabalhos de casa há para fazer e se eles estão todos bem feitos. É verdade. Mas não acho mesmo que esse tenha de ser um trabalho da formiguinha. Acho que é um trabalho dos três pulgões (por enquanto deixo a Rita de fora), não só por razões filosóficas como logísticas: daqui a seis anos nós jamais teremos mãos, olhos e cabeças para estudar com todos. Se não lhes incutirmos desde já responsabilidade e métodos de trabalho, estamos bem lixados.

 

Portanto, respondendo directamente à pergunta do JFonseca, sim, é suposto acompanhá-los nos estudos - mas à distância. Quanto melhor eles estudarem sem nós, melhor estaremos a cumprir o nosso dever enquanto pais.

 

Deixo, contudo, uma sugestão para essa sua angústia de não saber o que eles andam a estudar. Os jantares são óptimas ocasiões para debater isso, e facilmente um jogo de perguntas e respostas anima uma refeição. Os miúdos adoram aprender e mostrar o que aprenderam. No ano passado andei uns tempos a falar-lhes da Segunda Guerra Mundial e eles adoraram. É trazer o tema para a mesa - estou certo que ficará logo devidamente informado.

 

 

 

publicado às 10:44


1 comentário

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De Anouska a 11.02.2014 às 23:38

Concordo tanto!
A mim e à minha irmã a minha mãe e o meu pai nunca nos ajudaram nos tpc. Assim que acabávamos de almoçar, pegávamos nas nossas coisinhas e fazíamos os trabalhos enquanto o meu pai arrumava a cozinha (na primária, só tínhamos aulas durante a manhã). Levávamos, como é óbvio, os tpc carregados de erros para a professora corrigir, mas a minha mãe era apologista da ideia que "só assim a professora consegue perceber as vossas dificuldades". Mais tarde, quando começou a saga dos trabalhos de grupo, portefólios e PIT's (Planos Individuais de Trabalho - nem sei se isto continua a existir!), davam uma ajuda ou outra em coisas práticas tipo recortar e colar, ou então fazer perguntas de revisão, mas nunca faziam nada por nós (o que me irritava muito às vezes, pois tinha colegas cujos trabalhos de grupo eram inteiramente feitos pelos pais e que evidentemente acabavam por estar melhor apresentados) mas agora vejo que valeu a pena. Cheguei ao ensino superior com rotinas de estudo e a conhecer profundamente as minhas limitações e as estratégias de estudo que resultam melhor comigo.
Os meus pais nunca me perguntaram se já tinha estudado o suficiente, se sabia a matéria, se fazia os trabalhos de casa, se tinha os cadernos em ordem. Queriam era saber as minhas notas e se estava a evoluir. Como os tempos eram outros (apesar de ainda ser bastante nova!) só me exigiam positivas e não ter recados na caderneta (era no tempo em que bastava ser boa, não era preciso ser a melhor). E de facto, a primeira negativa que tive na vida foi o mês passado, quando cheguei ao mestrado.
Olho para os meus primos mais novos e no caso deles não é nada assim, não são capazes, simplesmente, de estudar sozinhos. Parece que não sabem o que fazer ou por onde começar, precisamente porque nunca foi preciso fazerem-no. Tenho um primo com 14 anos (quase 15) e posso afirmar com toda a certeza que aquele rapaz nunca estudou na vida. Nunca se deparou sozinho com as suas dificuldades nem se debateu com a melhor forma de sair delas. Com trabalhos - mesmo de grupo - é a mesma coisa: tenho outro primo (praticamente com a mesma idade) que uma vez estava com o amigo a jogar PSP enquanto a mãe colava bandeiras numa cartolina, naquele que era suposto ser um trabalho a pares. Acho inacreditável, por isso felicito-o pela consciência da importância de favorecer a autonomia e a responsabilidade. Daqui a uns anos, os seus filhos vão valorizar isto e muito :)

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