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Nós existimos, meus senhores #2

por João Miguel Tavares, em 16.01.14

Bolas, não estava propriamente à espera de abrir a caixa de Pandora... Tanta coisa que há para dizer, e tão pouco tempo. Mas vamos a isso, e repartindo o tema por mais do que um post, porque senão iria ficar uma coisa insuportavelmente longa.

 

Deixem-me começar pela objecção do Pedro, que ontem animou a caixa de comentários em grande estilo e que espero que possa continuar a vir aqui muitas vezes, porque é dono de um belo sentido de humor, tem bom-senso, gosto pela provocação, é homem (eles estão deficitários por aqui) e está casado há 30 anos - tudo grandes qualidades. Tal como ele sugere (cf. comentário de 15.01.2014 às 21:26), temos mesmo de almoçar um dia destes para falar de gajas boas e futebol.

 

Bom, mas entre os seus numerosos comentários ao longo do dia de ontem, destaco este, embora seja onde ele fala mais a sério (sorry) e seja uma resposta à Sofia (já lá vou):

 

(...) nunca, em tempo algum, dei por alguém criticar a minha monogamia com a minha mulher. Somos um casal heterossexual, casado há trinta anos, sempre passámos despercebidos, sem história nenhuma. Bizarro, para mim e para toda a gente que eu conheço, seria o contrário, porque isso sempre foi visto como a normalidade, o padrão. Estou só a agora a ter conhecimento de que há casais criticados por serem monogâmicos e manterem uma relação duradoura, o que para mim é estranho.

 

Em contrapartida, já vi mães solteiras marginalizadas, a grande maioria dos casais homossexuais têm de esconder a sua relação, sob pena de não conseguirem arranjar emprego e, pior, de serem marginalizados pela própria família, e até há pouco tempo, casais em união de facto eram mal vistos, embora agora se esteja a tornar mais comum e aceite.

 

Isto tudo talvez tenha a ver com o círculo em que cada um se move. Talvez em Lisboa, num ou noutro círculo de amigos ou conhecidos, ter uma relação duradoura seja seja de facto criticado, não sei. Também, ao que ouço, num ou noutro canto de Lisboa, mais sofisticado, os casais homossexuais sejam aceites abertamente. Mas parece que estão a falar de outro planeta ;)

 

O Pedro dá no comentário a resposta à sua própria objecção: sim, tem a ver com o círculo em que cada um se move. E portanto, estou a falar de uma classe de jornalistas e de gente letrada (ou seja, que se acha super-esperta) onde não passa pela cabeça de ninguém discriminar um homossexual ou marginalizar uma mãe solteira, mas onde um caso como o meu - um tipo que se casou com a namorada da adolescência e assim se mantém desde 1992 - é uma absoluta raridade.

 

Donde, o Pedro tem toda a razão no que diz - estou a falar de um determinado grupo lisboeta, não particularmente numeroso, mas cuja filosofia de vida diria já ser dominante entre a classe média e média alta dos grandes meios urbanos, tirando aquela parte da linha de Cascais que faz muitos filhos e vai à missa. Mas apesar do seu número, estou igualmente a falar de um grupo com muita projecção em termos mediáticos.

 

Eu não sei onde vive o Pedro, mas eu nasci e ainda vou muitas vezes a Portalegre. É evidente que em Portalegre o retrato da cidade e das suas relações sociais está muito mais próxima daquilo que o Pedro descreve, e não daquilo que eu descrevi no post anterior. Donde, sim, depende muito do círculo em que cada um se move.

 

Agora, objecção ao Pedro, que isto por aqui não é só graxa: no meu caso, não estou obviamente a falar de marginalização. E mesmo o verbo "criticar" (há casais criticados por serem monogâmicos) parece-me demasiado forte para classificar o sentimento a que me referi. As pessoas não criticam. As pessoas apenas duvidam, até mais vezes por indirectas do que por directas, da possibilidade de uma relação longa, estável e genuinamente feliz. É uma espécie de totalitarismo da relatividade, de erguer o famoso "que seja infinito enquanto dure" do Vinicius a verdade universal. É isso que me encanita, e é isso que motivou o meu post.

 

No entanto, e referindo a Sofia, como prometi (comentário de 15.01.2014 às 17:01), eu subscrevo inteiramente o que ela escreve:

 

Minha gente, somos sete mil milhões, não podemos ser todos iguais, levar todos o mesmo estilo de vida. Há pessoas monogâmicas e poligâmicas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, pessoas que casam com o primeiro namorado(a), pessoas que só casam ao fim de não sei quantas relações, pessoas que nunca casam, pessoas que apenas vivem juntas sem se casarem, casamentos conservadores, casamentos abertos, pessoas que mantêm um relacionamento sem viverem juntas, enfim, o único limite é a imaginação.

 

O que eu acredito é que toda a gente tem o direito de viver a sua vida conforme bem entender, seja ela qual for, sem ser criticado por isso.

 

Mas, se subscrevo, não acho que seja uma resposta totalmente satisfatória - e aqui já estou a entrar num outro assunto - quando se trata de propor um agir, em particular quando se tem filhos. Eu não posso dizer à Carolina, ao Tomás, ao Gui ou à Rita, sobretudo quando forem adolescentes, "eh pá, faz o que te apetecer, desde que não chateies ninguém".

 

Sendo eu um liberal, a filosofia do "laissez faire, laissez passer" é muito acarinhada no meu coração. Só que:

 

1) pode ser demasiado pobre e ineficaz em matérias sentimentais ou quando as pessoas procuram um sentido para as suas vidas;

2) no caso em apreço trata-se de haver uma camada de pessoas muito leitoras e muito pensadoras que deram uma volta de 180 graus e deixaram de admitir a existência do "e foram felizes para sempre".

 

Eu digo apenas sobre o "foram felizes para sempre": são poucos, mas há. Porque é que há e porque é que são poucos? Esse é o tema do post seguinte.

 

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publicado às 10:32


4 comentários

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De David Cabanas a 16.01.2014 às 17:01

Continuo a dizer que estas referências devem ser valorizadas... com a sociedade que temos vindo a construir (e que todos somos responsáveis por ela!) que referências terão as crianças de hoje quando começarem a pensar em construir as suas próprias famílias... ainda no outro dia saiu uma notícia que dizia que há trinta anos nasciam o dobro das crianças que nascem hoje... como será daqui a trinta anos? Não há crianças? Não há famílias? Ter uma família tradicional com mais de um filho será um escândalo? Valorizar estes factos serve principalmente para chamar a atenção de pessoas que se encontram sem saber bem o que é melhor para elas...

http://dcabanas.blogspot.pt/
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De Pedro a 16.01.2014 às 21:29

Epá, com licença. Cada um magoa-se com o que entende; a mim, uma coisa que me chateia é a ignorância, e neste caso vou levar a coisa para o nível pessoal, porque tem a ver com a minha história pessoal e dos meus e por extensão do meu país. Os meus bisavós maternos tinham seis filhos. Os dois filhos homens aprenderam a ler e a escrever e as filhas ficaram analfabetas, porque as miúdas tinham de ir trabalhar para o campo. Isto reproduziu-se, mais ou menos, na geração seguinte, porque havia que fazer opções de economia. Isto eram famílias típicas da época, não sou descendente de aves raras. Quanto a afectos, cuidados, etc, éramos também um povo abrutalhado. Mas como é um facto que existem casais felizes para sempre, e o João não tem de provar isso, também é claro que sempre houve pais carinhosos e cuidadosos. Mas onde quero chegar é que quando me falam do numero de filharada de antigamente, em oposição ao egoísmo que existe agora, porque os pais querem é ir para a rambóia e não querem trabalho (é assim que se diz, não é, filhos?), neste caso, sim, tenho motivos para me chatear. O David não se preocupe que ninguém vai criticar pais que tenham mais de um filho; essa vitimização não pega. O que acontece cada vez mais é pensarmos como é que certas famílias numerosas sobrevivem e isso está a acentuar-se. E eu sei de casos de famílias com dois ou três filhos em que existe verdadeiro sofrimento. Tá dito.
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De Joana a 16.01.2014 às 13:36

Venho aqui deixar um bocadinho de ciência. Sabe-se que a promiscuidade de uma espécie de primatas é directamente proporcional ao tamanho dos testículos do macho. Também se sabe que os tintins dos homo sapiens são bastante mais pequenos que os dos chimpazés, mas maiores que os dos gorilas. Pela lógica, como espécie, somos mais promíscuos que um gorila, mas muito menos malucos que um chimpanzé. Também é preciso ter em conta a razão macho/fêmea. Na nossa querida Europa anda perto de 1:1 por isso tendemos a ser monogâmicos, mas na tribu Awa por exemplo essa razão é superior, por isso as mulheres têm vários maridos e os filhos delas chamam pai a todos eles.
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De Pedro a 16.01.2014 às 13:15

Olá, João. Sou de Coimbra. Obrigado pela sua referência aos comentários da minha pessoa e acredite que o meu convite para me pagar um almoço era sincero ;). Agora a sério, sei que o João daria uma grande companhia à mesa.
Abriu de facto uma caixa de Pandora, mas não tenho a certeza se sabe o que saiu da caixa. Para começar, percebi perfeitamente que se referia a um determinado circulo que frequenta em Lisboa. Mas, afinal, depois de um post um bocado tremendista (nem o teria comentado se não fosse por isso) saiu agora um anti-climax. Ora, são dúvidas em relação a uma relação estável monogâmica e feliz, do género felizes para sempre? Mas essa dúvida tanto pode surgir de um gajo muita moderno em Lisboa, como de uma velhinha alentejana. Aparecesse lá um casalinho de velhinhos a dizer que são muito felizes um com o outro há setenta anos, diria se calhar a velhinha: ai sim, ora ainda bem pra vomecês. É precisamente por ser tão raro que as dúvidas se colocam. No big deal. Era de supor que esse circulo de que fala fosse, digamos, mais agressivo. Mas voltando à caixa de Pandora, deve ter reparado que o seu post provocou uma enxurrada de queixumes de pessoas que se calhar nunca se aproximaram a menos de trinta quilómetros do Chiado. Haverá pessoas que partilham a sua angústia em… Ponte de Lima ou na Golegã, terra de garbosos campinos, malta que sente a sua vida e dos netos e de caminho a vivilização ocidental, ameaçada por meia dúzia de gajos inofensivos em Lisboa. Bem trabalhado, tem de reconhecer, isto daria um sketch dos monty python ou daqueles rapazes que agora trabalham para a meo.

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