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Bolas, não estava propriamente à espera de abrir a caixa de Pandora... Tanta coisa que há para dizer, e tão pouco tempo. Mas vamos a isso, e repartindo o tema por mais do que um post, porque senão iria ficar uma coisa insuportavelmente longa.
Deixem-me começar pela objecção do Pedro, que ontem animou a caixa de comentários em grande estilo e que espero que possa continuar a vir aqui muitas vezes, porque é dono de um belo sentido de humor, tem bom-senso, gosto pela provocação, é homem (eles estão deficitários por aqui) e está casado há 30 anos - tudo grandes qualidades. Tal como ele sugere (cf. comentário de 15.01.2014 às 21:26), temos mesmo de almoçar um dia destes para falar de gajas boas e futebol.
Bom, mas entre os seus numerosos comentários ao longo do dia de ontem, destaco este, embora seja onde ele fala mais a sério (sorry) e seja uma resposta à Sofia (já lá vou):
(...) nunca, em tempo algum, dei por alguém criticar a minha monogamia com a minha mulher. Somos um casal heterossexual, casado há trinta anos, sempre passámos despercebidos, sem história nenhuma. Bizarro, para mim e para toda a gente que eu conheço, seria o contrário, porque isso sempre foi visto como a normalidade, o padrão. Estou só a agora a ter conhecimento de que há casais criticados por serem monogâmicos e manterem uma relação duradoura, o que para mim é estranho.
Em contrapartida, já vi mães solteiras marginalizadas, a grande maioria dos casais homossexuais têm de esconder a sua relação, sob pena de não conseguirem arranjar emprego e, pior, de serem marginalizados pela própria família, e até há pouco tempo, casais em união de facto eram mal vistos, embora agora se esteja a tornar mais comum e aceite.
Isto tudo talvez tenha a ver com o círculo em que cada um se move. Talvez em Lisboa, num ou noutro círculo de amigos ou conhecidos, ter uma relação duradoura seja seja de facto criticado, não sei. Também, ao que ouço, num ou noutro canto de Lisboa, mais sofisticado, os casais homossexuais sejam aceites abertamente. Mas parece que estão a falar de outro planeta ;)
O Pedro dá no comentário a resposta à sua própria objecção: sim, tem a ver com o círculo em que cada um se move. E portanto, estou a falar de uma classe de jornalistas e de gente letrada (ou seja, que se acha super-esperta) onde não passa pela cabeça de ninguém discriminar um homossexual ou marginalizar uma mãe solteira, mas onde um caso como o meu - um tipo que se casou com a namorada da adolescência e assim se mantém desde 1992 - é uma absoluta raridade.
Donde, o Pedro tem toda a razão no que diz - estou a falar de um determinado grupo lisboeta, não particularmente numeroso, mas cuja filosofia de vida diria já ser dominante entre a classe média e média alta dos grandes meios urbanos, tirando aquela parte da linha de Cascais que faz muitos filhos e vai à missa. Mas apesar do seu número, estou igualmente a falar de um grupo com muita projecção em termos mediáticos.
Eu não sei onde vive o Pedro, mas eu nasci e ainda vou muitas vezes a Portalegre. É evidente que em Portalegre o retrato da cidade e das suas relações sociais está muito mais próxima daquilo que o Pedro descreve, e não daquilo que eu descrevi no post anterior. Donde, sim, depende muito do círculo em que cada um se move.
Agora, objecção ao Pedro, que isto por aqui não é só graxa: no meu caso, não estou obviamente a falar de marginalização. E mesmo o verbo "criticar" (há casais criticados por serem monogâmicos) parece-me demasiado forte para classificar o sentimento a que me referi. As pessoas não criticam. As pessoas apenas duvidam, até mais vezes por indirectas do que por directas, da possibilidade de uma relação longa, estável e genuinamente feliz. É uma espécie de totalitarismo da relatividade, de erguer o famoso "que seja infinito enquanto dure" do Vinicius a verdade universal. É isso que me encanita, e é isso que motivou o meu post.
No entanto, e referindo a Sofia, como prometi (comentário de 15.01.2014 às 17:01), eu subscrevo inteiramente o que ela escreve:
Minha gente, somos sete mil milhões, não podemos ser todos iguais, levar todos o mesmo estilo de vida. Há pessoas monogâmicas e poligâmicas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, pessoas que casam com o primeiro namorado(a), pessoas que só casam ao fim de não sei quantas relações, pessoas que nunca casam, pessoas que apenas vivem juntas sem se casarem, casamentos conservadores, casamentos abertos, pessoas que mantêm um relacionamento sem viverem juntas, enfim, o único limite é a imaginação.
O que eu acredito é que toda a gente tem o direito de viver a sua vida conforme bem entender, seja ela qual for, sem ser criticado por isso.
Mas, se subscrevo, não acho que seja uma resposta totalmente satisfatória - e aqui já estou a entrar num outro assunto - quando se trata de propor um agir, em particular quando se tem filhos. Eu não posso dizer à Carolina, ao Tomás, ao Gui ou à Rita, sobretudo quando forem adolescentes, "eh pá, faz o que te apetecer, desde que não chateies ninguém".
Sendo eu um liberal, a filosofia do "laissez faire, laissez passer" é muito acarinhada no meu coração. Só que:
1) pode ser demasiado pobre e ineficaz em matérias sentimentais ou quando as pessoas procuram um sentido para as suas vidas;
2) no caso em apreço trata-se de haver uma camada de pessoas muito leitoras e muito pensadoras que deram uma volta de 180 graus e deixaram de admitir a existência do "e foram felizes para sempre".
Eu digo apenas sobre o "foram felizes para sempre": são poucos, mas há. Porque é que há e porque é que são poucos? Esse é o tema do post seguinte.