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Vou dizer-vos uma coisa que me irrita tanto quanto as pessoas guardarem mesa no McDonald's sem estarem a comer ou não se saberem encostar à direita nas escadas do metro: irrita-me profundamente quem acha que o amor, todo o amor, qualquer amor, envolve invariavelmente, no longo prazo, uma dose cavalar de abdicação dos impulsos vitais do ser humano e de acomodação ao ramerrame de uma relação mais parada do que as águas de uma barragem onde já não chove há meses.
Tens uma relação estável há 20 anos? Então é porque as coisas verdadeiramente boas da vida não te interessam. Casaste-te com a tua primeira namorada? És um analfabeto sentimental, que nunca andou metido na divertidíssima montanha russa das paixões. Subitamente, parece que a monogamia é vista como uma falha: permaneces numa relação apenas porque nunca viste melhor; a fidelidade torna-se o refúgio dos que receiam pôr um pé fora do ninho. É como se o amor andasse de mãos dadas com uma espécie de cobardia existencial.
No dias de hoje, um monogâmico ou é um infeliz ou é um coninhas. E se garantir a pés juntos que não é uma coisa nem outra, é um mentiroso.
Chiça, como esta maneira de pensar me irrita! É que eu estou sempre a levar com ela em almoços e jantares, ainda que por indirectas. E sabem porquê? Porque na porra deste mundo em que todos nós nos adoramos e nos consideramos o centro do universo, já que no domínio do indivíduo se fez uma revolução copernicana mas ao contrário, aqueles que fogem à norma só podem ter uma qualquer falha estrutural. Um casamento só pode ser uma de duas coisas: feliz e instável ou estável e infeliz. Estável e feliz? Isso não. É uma impossibilidade lógica, segundo o Teorema das Paixões Modernas.
Eh pá, eu admito perfeitamente que duas pessoas amarem-se profundamente durante uma vida inteira é uma raridade, assim como descobrir pepitas de ouro numa ribeira ao pé de casa ou um poço de petróleo no quintal. Mas bolas: é possível. Difícil, muito raro, mas possível. E portanto, enquanto o amor de longo prazo for uma genuína ambição humana - porque continuar a ser, já que praticamente ninguém abdica, nalguma altura da sua vida, de procurar o Mr. ou a Mrs. Right -, as pessoas que o conseguem praticar não devem ser olhadas como freaks ou nerds, mas como excepções, raridades, epifenómenos que devem ser olhados com carinho e atenção.
Ou seja, a atitude das pessoas deveria ser exactamente a oposta à habitual. Um casal monogâmico que se assegura feliz há trinta anos é um objecto digno de admiração - e não de dúvida imediata e permanente quanto à sinceridade dos seus sentimentos. Abaixo este totalitarismo relativista que quer enfiar toda a gente no mesmo saco! Até parece que a única forma que muitas pessoas têm para justificar as vezes em que as suas relações correram mal é garantindo a impossibilidade das relações dos outros correrem bem.
Atenção: não se trata aqui de defender o quão espantosos, únicos, meritórios e dignos de admiração são os monogâmicos de longo prazo. Mais: admito perfeitamente que eles não tenham mérito quase nenhum. Talvez seja mera sorte. Talvez seja uma qualquer compatibilidade hormonal. Talvez esteja tudo nos genes, e não num qualquer caminho sentimental digno de aplauso.
Mas, por favor, estudem essas pessoas - não duvidem delas. Ponham-lhe o sangue em pipetas, encham as suas caixas toráxicas de fios, scaneiem-lhes o cérebro. Sim, um amor que dura décadas é uma raridade. Sim, pessoas genuinamente apaixonadas dos 17 aos 97 são para aí 0,001% da população mundial. Mas existem. Existem. EXISTEM, PORRA!
E pronto, era só isto.