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E depois de um longo intervalo para falar de métodos naturais, preservativos e fé, eis a prometida conclusão da resposta à leitora Ines (partes anteriores aqui e aqui), acerca da minha relação com a paternidade. A última questão por ela colocada era esta:
Teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?
E, de certa maneira, quase não precisava de responder, porque a Mara se encarregou de o fazer num dos comentários, contando a sua própria história de vida:
Quando conheci o meu marido disse-lhe logo que queria ter filhos cedo (bem antes dos 30) e que queria ter "muitos" (sendo que muitos era, no mínimo, três). Ele nunca quis especialmente ter filhos. Sempre disse, como o João, que é muito feliz apenas com livros, música e internet. Curiosamente, eu também, mas sempre senti que viveria uma vida incompleta se não tivesse filhos.
Por isso, na realidade, ele teve filhos porque eu quis. E teve quatro! Adora-os de paixão, mas sei que concordou com tê-los, antes de mais nada, para me fazer feliz a mim. Por isso, cada um deles é uma prova de amor.
Não percebo a dificuldade em compreender isto, que acho que é o que o João também tem dito nos últimos posts. Quando se ama, faz-se cedências em nome do outro. Da vida do outro, da sua felicidade. Eu também não vivo na cidade que escolheria sozinha, nem na casa com quintal nos arredores que adoraria, porque sei que ele é mais feliz num apartamento central, com café e quiosque ao virar da esquina. A vida que construímos a dois não pode ser igual à que teríamos sozinhos. Por isso agora somos 6, e somos muito felizes. Daqui a uns anos seremos outra vez só dois, e ainda teremos várias décadas para gozar isso.
É muito isso, e fico feliz por alguém o perceber. Embora eu e a Teresa sempre tevéssemos dito, deste o princípio da nossa relação, que queríamos ter três filhos, eu sempre achei que não era uma daquelas conversas para levar demasiado a sério. Eu, porque se não os tivesse não os tinha; ela, porque se não fossem três eram quatro. Já perceberam quem ganhou, claro.
Eu não tive filhos só porque a Teresa os queria. Mas acabei por os ir tendo porque a Teresa os foi querendo e eu nunca quis não os ter. É uma daquelas atitudes de passividade activa muito típicas dos homens. Não estava contra. Nem a favor. Votava em branco - e fui acatando as decisões do governo caseiro, mesmo que o governo caseiro argumente que nunca quis decidir nada e que as coisas foram simplesmente acontecendo.
Quanto a levar uma vida completamente contrariado, questão sempre sensível e complexa, isso é capaz de ter um certo fundo de verdade, desde que retiremos o "completamente". Eu sou um grande fã do "Estou Além" do António Variações:
Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar
Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
E já que estamos em maré musical, levem também com uma das mais belas canções da história da música portuguesa. Chama-se "Inquietação", é de José Mário Branco, e também me parece perfeita neste contexto:
Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está para acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda.
O facto de eu me considerar uma pessoa muito feliz e com imensa sorte não significa que seja uma pessoa satisfeita ou completamente realizada. Tenho a certeza que a excelentíssima esposa sente o mesmo, ainda que possa ter mais dificuldades em admiti-lo. E por isso, quando os filhos ocupam uma fatia tão grande das nossas vidas, é normal que sintamos que a inquietação e a vontade de estar além esteja intimamente ligada a eles.
Eu acho que vivemos tempos desequilibrados, em que estamos todos a viver demasiado em função dos miúdos - o que potencia a angústia nos momentos de cansaço. Mas, para voltar à questão inicial que deu origem a esta sequência de posts, os meus filhos são o fruto de um amor, e não os consigo conceber sem a Teresa. Sinto de tal forma essa comunhão que detesto quando na escola lhes chamam Carolina Tavares ou Tomás Tavares. Não, não, não. É Carolina Mendonça Tavares e Tomás Mendonça Tavares. Sem nós - eu, ela, os dois - eles não existiam. E sem a Teresa nada disto faria sentido.
E para não acabar em tom demasiado melancólico, aqui vai uma samba de Zeca Pagodinho, num resumo perfeito da atitude que desejo ter perante a vida. No final do dia, quero acreditar que tudo se resume a isto, até porque o sotaque brasileiro vem sempre com um suplemento festivo que nos faz muito bem à alma. Chama-se "Deixa a Vida Me Levar":
Nisto acredito eu. Na verdade, nisto acreditamos quase todos nós:
Só posso levantar as mãos pro céu
Agradecer e ser fiel
Ao destino que Deus me deu
Se não tenho tudo que preciso
Com o que tenho, vivo
De mansinho lá vou eu
Se a coisa não sai do jeito que eu quero
Também não me desespero
O negócio é deixar rolar
E aos trancos e barrancos, lá vou eu!
E sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu
E deixa a vida me levar (vida leva eu!)
Deixa a vida me levar (vida leva eu!)
Deixa a vida me levar (vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu