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O charme discreto da burguesia

por João Miguel Tavares, em 03.06.14

Na caixa de comentários deste post, o LA-C e a Teresa Power tocam num ponto fundamental.

 

LA-C:

 

Tens uma capacidade notável para fazer generalizações a partir do teu quintal. Confundes Portugal com o teu círculo de amigos. Tens uns amigos que te mandam umas bocas por não seres divorciado e sentes que no país as pessoas que ainda têm uma concepção tradicional de família são uma minoria. Agora, lá porque tens uns amigos que se encontram contigo para desabafar, e se queixam de que centram a vida nos miúdos, pensas que isso é generalizado.

 

Teresa Power:

 

Agora que esta caixa de comentários acalmou, e corro menos riscos de apanhar com uma garrafa na cabeça - um post sobre a agressividade nos blogs seria um tema interessante! - só venho dizer uma coisa: tens toda a razão, João, em relação a muitas coisas. Mas vem à minha escola, dá uma voltinha no pátio durante o recreio e entrevista alguns alunos... Tu e eu vivemos certamente em "quintais" - como LA-C disse aqui - diferentes, pois o que eu vejo todos os dias, e o que tenho abundantemente nas minhas turmas, ano após ano, e em escolas diferentes - os professores são saltimbancos... - são filhos mal-amados, filhos humilhados, filhos abandonados diante do televisor, filhos a quem os pais até amam, mas não sabem como fazer para o demonstrar... Claro que, como bem dizia alguém, estes pais não lêem nem Estivill, nem Gonzalez, nem Mário Cordeiro, nem JMT. A revista preferida dos meus alunos é a "Maria"... Tu és jornalista, mas eu sou Diretora de Turma há muitos anos!

 

Ambos têm absoluta razão nas suas críticas. Cada um fala a partir do seu lugar, e este é um blogue de um casal burguês e urbano de classe média - não média alta, mais mais alta do que a média - com quatro filhos que andam no ensino público mas têm aulas de inglês, e natação, e piano, e variadíssimos privilégios que não estão ao alcance de inúmeros pais.

 

E, por isso, as preocupações de que aqui dou conta são, em primeiro lugar, preocupações burguesas, de que quem se pode dar ao luxo de procrastinar um bocado. Portanto, convém limitar o território. Eu acho que as minhas preocupções são semelhantes às de quem me lê, ou este blogue não teria tanto sucesso, mas lá está: para ler blogues também é preciso tempo e acesso à internet. Fica aqui assumidíssimo: as minhas generalizações só se aplicam, em termos de audiências, de classe C para cima.

 

 

 

publicado às 12:25


10 comentários

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De Carolina Maria a 04.06.2014 às 00:37

Eu acho que o JMT se justifica demais!
Este blogue é pessoal. É normal que se foque nas preocupações do "quintal" de quem o administra...
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De Teresa Power a 04.06.2014 às 08:45

Carolina, eu gosto imenso de ler os textos do João, naturalmente, ou não perderia tempo com o seu blog! E quando discordo, é sempre a partir daquilo em que também estamos de acordo :) Levantei a questão, porque acho que os problemas da falta de amor das crianças de hoje se encontram também no "quintal" do João, entre filhos de médicos e de jornalistas. Correr à volta das crianças, levando-as ao ballet, ao judo e à natação numa roda vida, é tantas vezes uma forma de procurar a nossa glória pessoal através delas, e não uma forma de as amar! Como o João disse, hoje escolhemos quantos filhos queremos ter e por isso também, eles tornam-se muitas vezes num "bem" adquirido e não num dom gratuito. São questões que gostava de ver o João desenvolver, e daí aproveitar de vez em quando para o "provocar" (sei que ele não se importa). Ab Teresa
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De Teresa Power a 04.06.2014 às 09:14

Não estou a discutir aqui os métodos educativos, Estivill versus Gonzalez, claro. Estou apenas a questionar a premissa de base do João de que a crianças nunca foram tão amadas como hoje o são...
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De Carlos Duarte a 04.06.2014 às 09:43

Cara Teresa,

Acho que depende muito do "conceito". O que o João quereria dizer - e ele que confirme ou desminta - era que as crianças são, nos dias de hoje, alvo de muito mais "atenção formal" (obviamente, e pegando no comentário do LA-C, de classe média para cima - nas classes mais baixas as diferenças em relação ao passado serão menores ou nulas). Se quiser, e concordo plenamente com isso, trocou-se parte do "amor" como sentimento por um "amor" como obrigação (muitas vezes obrigação material).

Enquanto no passado, a falta de amor paternal (mais que o maternal) apenas era censurado socialmente quando se verificava situações de abandono (i.e. o pai "deixava" a família), sendo admitidas mesmo situações de negligência ou violência (o pater familias exclusivamente como ganha-pão e disciplinador), nos dias de hoje passou-se do 8 ao 80 e a censura social ocorre não só em situações de acção deliberada (i.e. o abandono, a violência), mas também de actuação passiva (não ir assisitir às actividades dos filhos). Mais, e parece-me que este é o ponto principal do João: passou-se de uma situação em que a Sociedade dava total liberdade (e quase total poder) aos pais sobre os filhos para uma em que a Sociedade se substitui à própria família, estabelecendo normas de conduta admíssiveis ou não que vão para além do razoável.
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De Teresa Power a 04.06.2014 às 09:52

Perfeito! Estamos a dizer o mesmo... O que é o amor? Recebi outro dia uma carta de uma empresa fotográfica através da pré-escola dos meus filhos, e que dizia assim: "É obrigação dos pais, não só amar os filhos, mas também assegurar que acompanham a sua escola, fazendo e mantendo registos fotográficos de todos os momentos significativos... Sugerimos a compra de um DVD com as actividades escolares dos seus filhos ao módico custo de 22 euros..." Naturalmente que ofereci a carta aos meus filhos para eles usarem a página de trás para desenharem (somos muito poupadinhos aqui!) e só voltei a recordar esta carta agora, ao escrever este comentário :)
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De Carolina Maria a 04.06.2014 às 22:16

Sim Teresa, eu percebi o seu comentário e acho que fui mal interpretada. Na minha opinião o seu comentário fez todo o sentido, uma vez que, como diretora de turma, certamente convive diariamente com mais crianças que o JMT.
Eu comentei o que comentei no sentido do LA-C ter escrito que o JMT generaliza a partir do seu quintal e confunde Portugal com o seu círculo de amigos. Porque, a meu ver, acho normal que um blogue pessoal se foque na vida de quem o administra.
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De Teresa Power a 05.06.2014 às 09:46

Tem razão, Carolina. O João vê o mundo, como todos nós, a partir da sua posição, e é assim que o deve fazer, sem ter de se justificar. Acho contudo que é importante, num blogue destas dimensões, apresentarmos perspectivas diferentes, para alargar a discussão e torná-la mais abrangente e não tão dependente de uma visão unilateral. Mas devemos fazê-lo em jeito de partilha, de entusiasmo, de discussão positiva, como sempre procuro fazer, e não em tom de crítica, e sobretudo de crítica grosseira, como por aqui vai acontecendo também (não me refiro a LA-C!). Os seus comentários são sempre muito interessantes e sensatos. Obrigada! Vamo-nos cruzando por este mundo digital... Ab Teresa
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De Anónimo a 03.06.2014 às 22:36

Não tão charmoso nem discreto quanto isso. É só mesmo burguês.
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De Ângela Ribeiro a 03.06.2014 às 15:15

Sem dúvida João que nos "quintais" onde andamos tb é assim, crianças super carentes de afecto, pais que não colocam os filhos no topo das suas prioridades. Embora eu e o Rui tenhamos crescido assim, famílias complicadas, ambientes familiares disfuncionais e tenhamos ouvido que eramos culpados pela infelicidade e pela falta de dinheiro, hoje somos felizes, tentamos dar à nossa filha (e queremos ter mais filhos) um ambiente saudável e sabemos por experiência pessoal o que não queremos ser como pais. Embora não tenhamos dificuldades económicas, optamos por colocar a Clarinha numa IPSS para que ela conheça ambos os "quintais", embora a "burguesinha" tb ande no ballet (modalidade não acessível a bastantes pessoas). Talvez por isso quando o João falou sobre os abusos e tb agora sobre os pais que se dispõem a tudo pelos filhos como se fosse a regra, eu por experiência própria sou obrigada a discordar. No "quintal" onde cresci e que quero não esquecer para criar melhor os meus filhos a regra era outra. E a propósito, estamos muito felizes, pois ainda agora em conversa com a educadora, o amiguinho que a nossa filha fala tanto, é um menino super carente de afecto e a amizade e a tolerância da Clarinha (mtos outros meninos distanciaram-se dele) estão a fazer-lhe muito bem e com ela, ele não tem atitudes agressivas e fica muito mais calmo.
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De mae sabichona a 03.06.2014 às 14:32

A Teresa tem tanta razão! Em geral os pais amam os filhos mas não sabem bem como demonstrá-lo... E desengane-se JMT se acha que é uma questão essencialmente socio-económica e de possibilidade de "perder tempo" com questões teóricas da parentalidade. Conheço muitas crianças "burguesas" que se sentem tão mal amadas, como crianças de qualquer outro contexto. Acredito que será menos frequente por uma questão de acesso à informação e educação, mas às vezes a diferença é que até é mais perverso. Um bom intelecto consegue mascarar através de palavras bonitas o que depois nem sempre existe na essência. Então a criança ouve que é amada, mas depois isso não é coerente com atitudes do quotidiano.

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