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Eu já aqui referi várias vezes o grande Malomil, que para mim é simplesmente o melhor blogue português, e foi mais uma vez graças a ele que descobri o extraordinário Gustavo Santos, por causa deste post. Como eu vejo pouca televisão, não me recordo de me ter cruzado antes com a sua figura, e muito menos conhecia o seu trabalho como "life coach".

 

Enquanto aspirante a guru da auto-ajuda, o Gustavo, que se apresenta como "um homem apaixonado por pessoas, palavras e afectos", é uma espantosa máquina de produção de banalidades, apoiado em frases como "tudo é perfeito quando nós escolhemos sentir", ou "tu não és um fazer humano, tu não és o que fazes; tu não és um ter humano, tu não és o que tens; tu és um ser humano", ou ainda - a minha favorita - "a nossa mente chama-se 'mente' porque nos mente todos os dias".

 

Não, não é por isso que a mente se chama mente, Gustavo, mas deixa estar. E eu deixaria estar, não fosse o facto de que quase tudo aquilo que ele prega - e suponho que haja gente a acreditar no que ele prega, ou não ganharia a vida como "life coach" - ser, pura e simplesmente, horrível. Horrível. Não há outra palavra. Ao contrário de tanto guru inofensivo, Gustava Santos é o rei-sol da auto-ajuda, com um discurso absurdamente auto-centrado, de um tal extremismo solipsista que assusta qualquer um.

 

O Malomil escolheu postar o vídeo que se segue, particularmente ridículo pelo lado pintarolas e a gesticulação encenada, e por começar com esta frase tão esclarecedora: "o amor da minha vida sou eu, ponto final, parágrafo". É essa a resposta que o Gustavo dá à questão "quanto tempo esperarias pelo amor da tua vida?".

 

 

Mas na net há muito mais, incluindo uma série intitulada "cerca de 180 segundos com Gustavo Santos", que tem o apelo próprio dos desastres de automóvel. O seu desejo de pregar a palavra é tal, que o Gustavo nem se apercebe da barbaridade e da insensibilidade que é convocar o exemplo de uma criança internada no IPO para expor a sua filosofia de vida.

 

 

Noutros vídeos, Gustavo Santos diz coisas como esta:

 

"Eu tenho que ser a pessoa mais importante da minha vida. Tudo o resto, todas as outras pessoas têm que estar abaixo de mim. Quando pomos os outros acima de nós, nós geramos dependência, nós somos dependentes desta pessoa, logo, esta pessoa tem-nos na mão."

 

Claro que o Gustavo alerta que "sermos a nossa prioridade nada tem a ver com o egoísmo - tem a ver com o amor próprio", mas isso é porque parece ter sido precisamente para ele que Caetano Veloso inventou a frase "Narciso acha feio o que não é espelho". Suponho que para o Gustavo o egoísmo nem sequer exista, porque todos os gestos em causa própria serão apenas de fidelidade ao nosso "sentir".

 

Arriscar-me-ia a dizer que o Gustavo nunca amou verdadeiramente - ou, se amou, correu-lhe mal. Deixem-me por um momento ser eu a tentar a psicologia barata: talvez esta pregação seja um escudo contra as suas próprias insuficiências e infelicidades (eu desconfio sempre de quem diz dez vezes ao dia que é feliz). Embora eu desconheça a sua biografia, duvido que o Gustavo, com este discurso, algum dia tenha tido um filho.

 

Aliás, contra todas as probabilidades e aquilo que ele prega com tanto entusiasmo, é até possível que nunca tenha vivido. Porque viver é uma entrega permanente nas mãos dos outros, é um gesto de confiança várias vezes ao dia, é dizer a quem amamos, mais por gestos do que por palavras: "eu sou teu e tu és uma pessoa mais importante para mim do que eu próprio". E é - estranhamente - ser feliz assim.

 

Independentemente de se acreditar em Deus, há religiões desde que existe massa cinzenta nas nossas cabeças exactamente porque o homem sente uma necessidade profunda de não estar só no mundo, sabe que precisa dos outros e que não se basta a si próprio. Claro que podemos recusar isso e ser nihilistas, mas o nihilista ao menos percebe que o mundo é uma merda e que estamos todos lixados.

 

Gustavo, não. O Gustavo acha que é possível sermos todos simultaneamente super-homens impantes e auto-suficientes e ainda assim este mundo ser um oásis de felicidade. É aquilo a que se chama um alienado. E para o ajudar a voltar à terra sem que tenha necessariamente de tirar os olhos do céu, e a deixar - quem sabe? - de pregar barbaridades aos outros, aqui fica uma das mais belas orações que conheço, em francês, em Taizé, a partir do evangelho de João (Jo 15, 13):

 

Il n'est pas de plus grand amour

Que de donner sa vie pour ceux qu'on aime.

 

 

A canção original de Jacques Berthier, nas estrofes desta oração, é construída a partir de uma das mais comoventes cenas da Bíblia - o lava-pés (Jo 13, 1-17). Com todos os problemas que o mundo tem, e que a Igreja tem, todos os anos, pela Páscoa, há um papa, e centenas de bispos, e milhares de padres, que se continuam a ajoelhar para lavar os pés aos seus próximos, como sinal de humildade. Na última Páscoa, Francisco lavou os pés a jovens presos, incluindo uma muçulmana.

 

E isto porque sabemos todos - menos o Gustavo - que valemos muito pouco, e que é nas ligações que estabelecemos com os outros que nos engrandecemos e confortamos. No evangelho de Gustavo, infelizmente, jamais haveria espaço para um lava-pés. É por isso que há palavras que duram dois mil anos, e outras pouco mais de dois dias.

 

publicado às 09:59


80 comentários

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De Alporquia Vital a 24.06.2018 às 23:38

Tanto conhecia um como o outro, por isso fui pesquisar ambos e se bem que ambos não podem ter razão, mas ambos poderão ser impostores.

Uma coisa tenho a certeza, os argumentos do "Tavares" não me convencem, principalmente quando fala de "uma palavra que dura dois mil anos"...

Pergunto: quantos mortos e queimados vivos, foram feitos em nome dessa palavra.

Ah!... eu não tenho quatro filhos, mas tenho três (30, 26 e 20 anos) todos feitos com amor, pelo mesmo homem (EU) e a mesma mulher (A MINHA), por isso convido o "Tavares" para falar de AMOR (EU sei o que é!)

Foi muito esclarecedor...

(Des)prazer...

Francisco
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De Anónimo a 01.08.2016 às 11:35

NAMASTÊ

Todos temos direito a ter a nossa opinião,é claro.E temos é claro,o direito de a expressar.MAS a forma que comentamos,divulgamos a nossa opinião diz,é claro,muito de nós.
Não é necessário faculdade nem ser um VIP seja do que for,até podemos ser analfabetos em termos de cultura e escrita!!!No entanto,até um analfabeto destas características pode ser um SÁBIO no observar, sentir e constactar.
TODO AQUELE que OUVE a SUA SABEDORIA INTERIOR,SABE que,aqueles que necessitam de criticar e maldizer,comentando a maneira de pensar e sentir dos outros,AINDA não se encontraram!
QUANDO se comenta algo com o qual não estamos de acordo,e existe uma necessidade de rebaixar outro para nos enaltecer,é porque ainda não SABEMOS nos VALER de NÓS MESMOS e usamos então a outra forma.Que é BEM MAIS Simples e permite que assim não nos vejamos como estamos a ser!
CADA UM faz o melhor com que SE IDENTIFICA.
E AQUELE que comenta SEM maldizer,SABE,que todos têm direito de pensar e sentir da forma que expressam...RESPEITANDO E COMPREENDENDO ISSO,OPTA por manifestar as SUAS OPINIÕES sobre SI e não SOBRE OS OUTROS!

COMO viveria um ser daqueles que gostam de opinar sobre os outros se estivesse sozinho no mundo?!!!
Iria criticar as árvores dizendo que deviam ser maiores?Que o verde delas devia ser azul porque o céu é azul e assim combinava melhor?!!!
Que á água devia estar perto dele...não ele perto da água?!!!
OU teria a oportunidade de perceber que a crítica que não é construtiva,em PRIMEIRO LUGAR é a SI MESMO que se está a criticar?!!!
E o que TENTA aplicar aos outros,É A SI que o está a fazer?!!!

Não é uma filosofia: COLHES O QUE SEMEIAS.É uma LEI UNIVERSAL.Concorde-se ou não!

Manuela Oliveira

Namastê

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De Alguem a 05.03.2016 às 12:50

Ainda bem que existe o gustavo assim sempre liberto umas gargalhadas e fico mais feliz
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De Rita a 03.08.2015 às 12:00

Eu acho que ele aprendeu os gestos com o Miguel Gonçalves do bater punho... lindo! --'
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De Anónimo a 20.07.2015 às 18:01

Sei que na maioria dos casos mais vale ignorar os ignorantes. Mas desta vez vou comentar. Porque o Gustavo Santos só está a partilhar com o público em geral algo que ele próprio teve que aprender.
Conhecem o Augusto Cury? Se não, deviam de conhecer, ele escreve coisas de auto ajuda e, como o Gustavo diz a felicidade vem de dentro de nós. Viver não é depender de ninguém além de nós mesmos! Não precisamos de mais ninguém além de nós para viver. As outras pessoas estão em segundo lugar. Sempre. Nós só aprendemos a amar quando nos amamos a nós primeiro. Por isso amamos quando somos crianças. Porque não existe este tipo de julgamentos, nem de ódio, nem de sentimentos impuros. Somente há um dar incondicional. Uma entrega incondicional.
Deus nos ensina a amar uns aos outros, é verdade. Mas não nos ensina a nos desamar, a deixar-nos de nos pertencer, a odiar, a amar mais outra pessoa que a nós próprios! Deus é amor.
Se não nos amarmos, quem nos vai amar? Se não formos independentes, como podemos dizer que vivemos? Ou que somos felizes? Ninguém é de ninguém. E ninguém é mais importante que nós mesmos!
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De Sílvia a 17.04.2015 às 17:15

Quando falam na religião para sustentar uma opinião o peixe morre logo pela boca!!
Eu estava a ler já um pouco forçada porque queria ver até onde este ódio pelo Gustavo Santos iria. Mal começou o parágrafo da religião passei imediatamente aos comentários.
Este texto é simplesmente ridículo!!! E para alguém religioso, demasiado carregado de ódio.
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De Ze correcção a 02.02.2015 às 01:15

Gostei tanto do texto que so queria chamar a atenção que niilista não tem h.
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De tweety a 13.01.2015 às 19:35

Eu leio este texto e penso isto: «fala mal, fala mal, fala mal...biblia, biblia...bora lá pôr um video do youtube que fica sempre bem...vamos lá rematar com uma conclusão bíblica»

Gostei particularmente da parte em que compararam a palavra deste Gustavo Santos com a Bíblia da Igreja Católica, em termos de durabilidade.

Um grande LOL.

...mas pronto, não tem erros ortográficos, nem tudo está perdido.
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De loveisnotgustavo a 12.01.2015 às 23:47

exclente, subscrevo cada palavra, as teorias dele fazem-me remeter para nietzche e o seu super homem, este homem não sabe nada sobre amor, tanta frieza egocentrismo e encenação nada tem a ver com Amor, o amor é o oposto
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De João a 12.01.2015 às 13:15

Post sobre o Gustavo muito bom. Subscrevo na integra apesar de não ter apreciado as referencias religiosas como sendo "bom" exemplo de uma vida preocupada com os outros. Sou fã de Christopher Hitchens :)

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