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O medo (e os elefantes no circo)

por João Miguel Tavares, em 29.09.14

Eu não queria voltar ao tema da autonomia, mas a leitora Ana Isabel escreveu nos comentários a este post uma coisa que me parece muito importante:

 

Já se sabe que é perigoso [os miúdos] fazerem uma data de coisas sozinhos, mas realmente tem de ser porque não existe outra maneira de aprenderem a defender-se. Garanto que é pior [os pais] andarem sempre em cima deles, pois correm o risco de os superprotegerem e isso pode ter consequências muito graves para toda a vida.


Eu, infelizmente, sei [do que estou a falar], pois tenho um caso na família, em que tenho acompanhado, sem poder fazer nada, uma mãe a estragar dois filhos. Como ela não consegue lidar com os seus medos, resolveu prender completamente as crianças, e além disso ainda as "informa", assustando-as, das consequências que os seus actos podem ter. Tanto [assim é] que nunca tinha visto uma criança de três anos que, quando dá um passo fora da porta, pede para pôr o chapéu, pois o sol faz mal. Tudo o que é exagero [é que] faz mal.

 

Esta partilha da Ana Isabel fez-me recordar uma história recente que eu próprio vivi, num jogo de bola com outras crianças. A certa altura, a bola saltou para trás de uns arbustos que davam pelo joelho de um miúdo que teria talvez 11 ou 12 anos. Era um puto enorme. Qualquer criança normal pularia por cima daquilo para agarrar a bola, e depois voltaria rapidamente para o jogo. Não custava nada. Mas ele ficou a meditar um pouco, "consigo ou não consigo?", e depois achou que não era capaz. E decidiu ir dar uma volta de 20 metros para circundar o mini-arbusto e apanhar a bola.

 

Fiquei muito impressionado com aquilo. Era claramente um miúdo super-protegido, filho daquilo a que chamamos pais-colchão - ainda as crianças não estão a cair e eles já estão a agarrá-las. O exagero nessa obsessão securitária está nisto: de tanto serem marteladas com "tem cuidado!" e "não podes!", às tantas os miúdos já acham que não são capaz de fazer as coisas mais básicas, que estão completamente ao seu alcance. O arbusto é como o outro - o problema, mais tarde, pode vir a ser o emprego, as relações amorosas, tudo aquilo que na vida é realmente difícil.

 

Conhecem a história dos elefantes no circo? Diz-se - não sei se é mito - que desde pequenos lhes colocam grilhetas nas patas, presas por uma corrente, da qual não se conseguem libertar, porque ainda não têm força. E depois, quando são elefantes adultos, continuam a estar presos à mesma corrente, embora nessa altura já tenham força mais do que suficiente para rebentar com ela - simplesmente, nem sequer tentam, porque acham que não conseguem. Foram educados assim.

 

Dizer que andamos a criar pequenos elefantes de circo nas nossas casas seria um manifesto exagero. Há imensos pais que se esforçam por empurrar as crias para fora do ninho. Agora, que quase todos temos, nalguma altura das nossas vidas, de fazer um esforço genuíno para não acorrentar os filhos às pernas dos sofás, isso temos.

 

 

publicado às 10:40


7 comentários

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De Rita a 29.09.2014 às 21:06

Tenho 26 anos e tive a sorte de ter uns pais que cresceram de forma autónoma (o meu pai começou a trabalhar com 12 anos!) e que também me deixaram crescer de forma autónoma (não, não comecei a trabalhar com 12 porque isso já seria demasiado :P).
A verdade é que cresci em dois ambientes diferentes, parte da minha infância foi numa grande cidade da Suiça (Genebra) e outra parte numa aldeia em Portugal. Na Suiça, logo na 1ª classe (sim é verdade!) eu ia sozinha para a escola com os meus colegas (cerca de 5/10 minutos a pé).. Havia algo muito importante e que, a meu ver, fazia toda a diferença: aulas de "educação rodoviária" onde aprendíamos com polícias tudo o que era preciso saber para andarmos em segurança, uma das regras que aprendíamos era usar obrigatoriamente uns coletes refletores próprios para crianças (não se se é coincidência, mas as mochilas da escola também tinham todas reflectores). E em dias de chuva ou neve (que eram muitos) os paizinhos não nos levavam de carro à escola, íamos a pé e na escola tínhamos uma muda de roupa para não estarmos o dia todo molhados. Era algo muito normal por lá..que por cá chocou muitos paizinhos que olhavam para os meus pais com ar chocado e prestes a chamarem a segurança social!

Quando nos mudámos para Portugal, para uma aldeia da beira interior, a minha mãe levou-me à escola apenas no primeiro dia para eu aprender o caminho. A partir desse dia, tive de ir sozinha, quer fizesse sol ou chuva! (Estamos a falar ainda de escola primária). E nessa altura éramos muitas crianças a fazer uma caminhada de 1 km para a escola, e posso dizer que tenho muito boas recordações dessas caminhadas! Parávamos em várias casas de pessoas idosas para as cumprimentar, na Primavera apanhávamos flores e fruta pelo caminho, cantávamos, inventávamos rimas.. No 5º ano, mudei-me para outra escola longe da aldeia e, por isso, tinha de apanhar um autocarro que demorava cerca de 1h30 a chegar à escola!

Não tenho dúvidas que toda esta experiência me tornou numa adolescente com confiança e muito do que sou hoje devo a essas experiências e esse sentido de autonomia.

Também se falava em pedofilia quando era criança, também se falava em acidentes com carros, isso sempre existiu! Mas a pedofilia acontece em grande parte dos caso nas próprias famílias, e os acidentes acontecem muitas vezes com os pais ao lado! É mais importante dar as ferramentas certas às crianças para aprenderem a serem independentes e autónomas para saberem evitar essas situações. E mais importante ainda, é preciso dar a possibilidade de terem uma infância feliz, com cicatrizes para mais tarde recordarem..

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